Educação Especial está em segundo plano na pandemia, dizem professores

Educadores da Rede Pública apontam falta de suporte técnico e profissional para atividades à distância

Professores da Rede Estadual de ensino têm criticado o que chamam de falta de atenção à Educação Especial nas atividades à distância, por causa da pandemia do coronavírus. Segundo eles, falta suporte tecnológico e profissional tanto para o Ensino Regular quanto para as entidades conveniadas, o que tem dificultado o processo de aprendizagem de milhares de alunos com diferentes tipos de deficiências ou transtornos.

Na Rede Municipal também há reclamações, mas de profissionais sobrecarregados e com pouco apoio Os educadores apontam falta de treinamento, para o uso das ferramentas tecnológicas oferecidas, e suporte técnico às famílias e professores.

As escolas geridas pela Prefeitura de Curitiba têm hoje 2,7 mil crianças e estudantes em inclusão, em turmas de Educação Infantil e do Ensino Fundamental, distribuídas por 35 escolas. Já a Rede Estadual atende aproximadamente 36 mil estudantes, sendo 2.689 matriculados em Curitiba. 

“Não foi pensado no aluno da Educação Especial, não. Não foi pensado em um programa especialmente para eles, em hipótese alguma”, disse, em condição de anonimato, uma docente da Rede Estadual. Ela trabalha diretamente com alunos surdos e surdos-cegos e, por ter formação específica, precisa da assessoria de outros colegas para compreender e adaptar o conteúdo aos estudantes que acompanha na Educação de Jovens e Adultos (EJA) e na escola regular de inclusão.

Por causa da crise sanitária, as atividades presenciais nas escolas geridas pela Secretaria de Estado da Educação (Seed) foram suspensas no dia 20 de março e retomadas duas semanas depois, em regime especial à distância e sob normas estipuladas pelo Conselho Estadual de Educação (CEE) e pela resolução 1.016/20.

Porém, o Atendimento Educacional Especializado (AEE) – conjunto de atividades pedagógicas e de acessibilidade oferecido de forma complementar ou suplementar –  ficou de fora e só ganhou orientações próprias no fim de abril, em um documento que redesignou as funções das equipes gestoras, pedagógicas e dos professores especialistas no processo.

As propostas contemplam aulas nas salas de recursos multifuncionais e em canais como o aplicativo próprio da pasta, o Aula Paraná, e também preveem apoio dos professores às famílias na mediação dos conteúdos. Porém, conforme mostrou o Plural, o acesso dos alunos ao programa é baixo. Os professores confirmam que, na prática, não tem funcionado como deveria.

“Os nossos alunos são os maiores prejudicados nesse processo todo porque, além de tudo, tem a questão da sensibilidade deles. Nós temos alunos com autismo, surdos, com déficit de atenção, com dificuldades motoras, surdos-cegos. Imagina isso à distância como é. Querendo ou não, a gente acaba se expondo porque tem que estar o mais próximo possível, então a gente acaba indo à casa deles, passando conteúdo para os pais. Porém, nem todos os pais têm facilidade”, relata a professora, que também enfrenta dificuldades com os alunos especiais do EJA.

“A Educação de Jovens e Adultos está completamente desassistida. Eles são alunos carentes, mais velhos, trabalhadores que também não têm acesso à tecnologia. Então, o que sobrou foi fazer um atendimento bem precário via WhatsApp. Aliás, pode perguntar para quem quiser: o atendimento especial hoje está sendo via WhatsApp. E para muitas dessas famílias, não é nem para passar conteúdo, mas é uma tentativa de manter o mínimo de vínculo com a escola”, observa a docente.

Também é pelo WhatsApp que outra professora de uma escola regular com inclusão na Rede Estadual trabalha com um aluno surdo-cego. Com a audição parcial e já sem a visão, o estudante recebe ligações da professora pelo aplicativo de mensagens, já que não consegue acessar as plataformas disponibilizadas pelo governo. “O nosso contato era muito tátil e fomos nos adaptando. O jeito mais fácil foi eu ligar para ele por WhatsApp e ele coloca o fone e me escuta”, conta a profissional, que também não quis se identificar.

Mas é na instituição conveniada bilíngue para surdos, outra escola em que leciona, que a docente encontra dificuldade maior. A limitação dos estudantes faz com que eles dependam de materiais 100% visuais e, para isso, aplicativos de gravação e edição de vídeos são essenciais. Para conseguir produzir conteúdos de boa qualidade, a professora precisou comprar a licença de uso de um aplicativo e também pagou do próprio bolso para ter acesso a um tutorial mais rápido e didático que ensina como usar a plataforma.

“Na escola conveniada eu sinto um abandono maior porque não tem o mesmo suporte que as escolas próprias da Rede. Mas no ensino regular também não está fácil. A nossa maior preocupação agora deveria ser com o aprendizado do aluno, só que o fato é que não teve uma preparação, foi tudo jogado. Eu que sou intérprete e que trabalho em sala de aula ao mesmo tempo, muitas vezes eu estou deixando de atender um aluno para ir fazer live para o núcleo, porque eles nunca tiveram equipe própria”, relata.

A APP-Sindicato, entidade que representa os professores da Rede Estadual, também considera insuficientes o suporte e os instrumentos pedagógicos oferecidos até agora para as atividades cotidianas do ensino especial. Para o sindicato, as respostas para alunos da modalidade demoraram a chegar, o que agravou a condição dos estudantes. Segundo a APP, 2020 é um ano perdido na Educação Especial do Paraná.

“Primeiro vieram as atividades sem professor de tradução simultânea. Depois, a resposta a alunos sem internet foi impressão de material. Lógico que não podemos desconsiderar a condição da pandemia. O cenário não iria ser de normalidade, de qualquer forma. Mas não tivemos o planejamento necessário para essa condição e isso se agravou quando a Secretaria coloca um calendário que foi aprovado para um estado de normalidade numa condição de excepcionalidade”, acrescenta Taís Mendes, secretária educacional da APP-Sindicato.  

Aulas presenciais estão suspensas desde março. Foto: Hedeson Alves/Seed

Em Curitiba, sobra tarefa e falta material

Professores da Rede Municipal de Curitiba ouvidos pela reportagem não apontaram problemas maiores nas classes especiais, que, segundo eles, seguem dentro da normalidade possível, assim como as classes regulares.

No entanto, dizem ainda haver transtornos não superados nas salas de recursos multifuncionais, atendidas por docentes especializados e voltadas para o desenvolvimento de habilidades para alunos em inclusão. Sobrecarregados, eles não estariam dando conta de atender on-line o fluxo “normal”, como era antes da pandemia – uma vez que os atendimentos virtuais exigem mais preparo. Além disso, os docentes também precisam conciliar tempo para preparar materiais para alunos que não vêm sendo acompanhados pelas sessões virtuais.

Em uma das escolas municipais, das 12 famílias que precisam deste acompanhamento, só sete delas estão sendo contempladas, e apenas uma vez, e não duas vezes por semana, como deveria ser. “E a professora está fazendo com recursos próprios porque aqui na escola não temos webcam, a nossa é muito antiga e não usávamos muito. E agora, para a gente conseguir é muito complicado, não tem para vender e tem que fazer encomenda. Então ela faz os atendimentos com os recursos dela e sem nenhum adicional por isso”, relata uma funcionária da escola.

Por ofício enviado ainda no fim de julho, o Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba (Sismmac) pontuou uma série de dificuldades enfrentadas pelos professores da área da Educação Especial. Entre os pontos alertados estavam a falta de treinamento para uso das ferramentas tecnológicas oferecidas, e suporte técnico às famílias e aos professores. De acordo com a entidade, apesar de o tempo já ter passado, ainda há muitas cordas soltas no sistema.

“As respostas foram surgindo sob pressão, na medida em que os problemas foram aparecendo. Mas muita coisa continua sem se resolver, como os professores usando os recursos que têm e que não têm para manter os atendimentos. Se não tem qualidade, o atendimento, tanto para os professores quanto para as famílias, fica precário”, diz a diretora do Sismmac, Luciana Kopsch.

Por conta própria

Mãe de uma menina de 13 anos com deficiência auditiva, que estuda na rede estadual, e de um menino de 7 com Transtorno do Espectro Autista (TEA), aluno de uma escola municipal especial de Curitiba, a manicure Suelem Schepainsk sabe bem como é manter os filhos longe da escola. Desempregada, ela passa o dia com as crianças e afirma que é graças ao esforço dos professores que consegue manter uma rotina de ensino.

Dedicada, a filha tem encontros semanais com os educadores em uma plataforma de reunião virtual. E um dos docentes que a acompanha decidiu, por conta própria, fazer um encontro extra para reforçar as aulas. “Ele quer apoiar porque ela vai para o 9° ano, então ele acha que ela merece, por estar empenhada. Mas o que está pegando muito para ela é a matemática. A matemática tem que ser aprendida dentro de sala com o professor. Aprender em um questionário é muito difícil”, diz a manicure.

Já o filho, segundo ela, faz parte do grupo de alunos que recebe as atividades impressas em casa, sem o acompanhamento virtual. No entanto, por não estar em sala de aula, a criança resiste em fazer as atividades. Em momentos de maior dificuldade, é das professoras que vem o apoio que a mãe precisa.

“Eu não estou pegando no pé dele porque eu sei que para eles é muito difícil, que na cabeça deles é complicado. Ele não está tendo aula por vídeo nenhuma. Uma vez por semana, os materiais vêm impressos e eu vou tentando entender o que tem que fazer. Às vezes as professoras mandam um WhatsApp, um vídeo de musiquinha ou ligam para ter contato, mas ele não assimila muito”, conta a mãe. Ela adianta que não vai mandar os filhos de volta para a escola em 2020. “Esse ano já é um ano perdido”, finaliza.

Seed fala em desafios

Apesar das críticas, a Seed destaca, por meio de nota, que tem feito esforços para dar continuidade ao processo de escolarização dos matriculados da Educação Especial neste momento de pandemia.

Videoaula em Libras para alunos surdos. Foto: Seed

Perguntada sobre como tem sido o apoio a estes alunos, a pasta ressalta que os estudantes estão tendo acesso às aulas não presenciais com materiais pedagógicos impressos e meios virtuais – sendo o WhatsApp um deles. No turno inverso da escolarização, a pasta enfatiza que continua oferecendo a Sala de Recursos Multifuncional, por área de deficiência e, no turno de escolarização, as adaptações especializadas: professor de apoio educacional especializado aos estudantes com TEA; professor de apoio à comunicação alternativa e auxiliar operacional aos estudantes com deficiência física neuromotora; e tradutor Intérpretes de Libras para estudantes surdos.

A secretaria reforça ainda que “as parcerias existentes na Educação Especial são feitas com fornecimento de professores e apoio financeiro do Estado”. Atualmente, são 399 entidades parceiras que atendem estudantes com deficiências, múltiplas deficiências e transtornos globais do desenvolvimento .

O texto diz ainda que os desafios encontrados nesse contexto de pandemia, quanto à Educação Especial, dizem respeito aos aspectos relacionados com assegurar, orientar e monitorar o trabalho pedagógico dos estudantes. “No entanto, esses desafios estão sendo enfrentados em uma ação colaborativa das Equipes de Educação Especial dos Núcleos Regionais de Educação, Equipes Gestoras e Pedagógicas das escolas que ofertam o AEE e os Professores do AEE, em que cada segmento efetiva as orientações emanadas da SEED para apoiar a escolarização dos estudantes da Educação Especial”, acrescenta a nota.

Contudo, a pasta não respondeu especificamente sobre os problemas apontados à reportagem.

…Prefeitura em garantias

A Secretaria Municipal de Educação (SME) não respondeu especificamente sobre a condição dos alunos do ensino especial que não vêm sendo atendidos virtualmente. Segundo a secretária Maria Sílvia Bacila, o acompanhamento por materiais impressos, enviados a cada 15 dias, também faz parte do planejamento elaborado para atender a modalidade e isso garante que todos os estudantes sejam contemplados dentro das propostas elaboradas pela Prefeitura.

“São duas formas que foram elaboradas para atendimento neste modelo de ensino remoto, baseado no canal de televisão com acesso amplo à televisão e baseado também na entrega dos kits, que são enviados quinzenalmente às famílias para que os estudantes tenham acesso ao material”, disse a secretária. “Quem não recebeu um tipo de atendimento, recebeu outro. E, seguramente, recebeu diariamente o acesso pelo canal de televisão e recebeu seguramente as aulas que são adaptadas.”

Em nota enviada anteriormente, a SME já havia informado que os estudantes em inclusão têm aulas com adaptação metodológica disponibilizadas na TV Escola Curitiba e que os atendimentos especializados, como as salas de recurso, continuam, porém on-line.

“No caso de famílias em situação de vulnerabilidade, foi providenciada doação de televisão ou celulares para quem não tinha, por exemplo, para acompanhamento das videoaulas e, além disso, a cada 15 dias, as famílias retiram os kits pedagógicos nas escolas onde as crianças estão matriculadas”, diz trecho da nota.  

Sobre a falta de recursos para professores, a secretaria disse ainda que tem disponibilizado tudo o que é necessário. “Todos os recursos que nós temos nos nossos centros municipais de atendimento, nas nossas unidades escolares, nas salas multifuncionais, nas salas de recursos estão disponibilizados para que os professores e todos os profissionais utilizem nesse atendimento. É o que eu posso lhe dizer.”

Colaborou: Maria Clara Braga

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