53% das pessoas mortas pela PM não tinham condenação criminal

Levantamento da Defensoria Pública Estadual aponta ainda falhas nas investigações, já que muitas mortes são apuradas pela própria PM

A Defensoria Pública Estadual divulgou uma nota técnica recomendando que mortes ocorridas em conflitos com a Polícia Militar (PM) sejam apuradas pela Polícia Civil e não pela própria PM, como ocorre em grande parte dos casos. O documento foi entregue pessoalmente aos chefes de Segurança Público do Paraná no ano passado e disponibilizado online agora.

A nota técnica usou dados fornecidos pela própria Polícia Militar de casos ocorridos em 2021. Ao todo foram 325 óbitos ocorridos no Estado envolvendo ações policiais militares. A média é de 2,8 pessoas para cada 100 mil moradores. A médica nacional é de 2,9. O número de policiais mortos em confronto não foi divulgado para a Defensoria Pública.

O estudo foi organizado pelo Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (NUPEP) e analisou 302 casos de mortes em ações policiais porque em 23 das mortes havia falta de documentação.

O levantamento aponta que 53% das pessoas mortas por intervenção policial militar no estado não tinham condenação criminal. Além disso, 38% das pessoas mortas por essas intervenções sequer tiveram algum contato com o sistema de justiça criminal ao longo da vida.

Investigação

Um dos problemas identificados no estudo está relacionado às investigações das mortes. Segundo o NUPEP muitas vezes as mortes são investigadas exclusivamente pela PM, o que prejudica o trabalho do Ministério Público e da Justiça sobre os casos. Não há previsão no código penal militar de que crimes contra a vida sejam apurados pela PM.

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“É importante destacar que nós não estamos sugerindo que condenações ou meros registros criminais justificariam a ação letal por parte dos agentes de segurança. Pelo contrário. Decidimos analisar esse dado porque há uma narrativa corrente no Brasil que tenta naturalizar a grande quantidade de mortes por ação policial no país, o que é incompatível com um Estado Democrático de Direito”, afirmou a coordenadora do NUPEP, defensora pública Andreza Lima de Menezes, responsável pela nota técnica.

De acordo com o relatório, do total de mortes ocorridas em 2021 envolvendo policiais militares que estavam em horário de trabalho, 14 resultaram apenas em inquéritos militares, ou seja, não estão sendo investigadas pela Polícia Civil (PC), que tem a competência para conduzir inquéritos sobre mortes.

A nota técnica também aponta que 157 mortes tiveram investigação simultânea entre PC e PM e 123 tramitaram apenas na PC. Em oito casos não foram encontrados dados relacionados a investigações, o que sugere que nenhuma atitude foi tomada pelos órgãos competentes. Entre todas as situações envolvendo mortes de civis por policiais militares apenas três se tornaram ação penal na Justiça.

“Além disso, o MPPR e a PC-PR não podem ter acesso às provas e informações apenas depois da conclusão do Inquérito Policial Militar, o que é um fato recorrente. Isso impossibilita uma apuração mais rigorosa dos fatos”, critica a defensora.

Legítima defesa

O artigo 25 do Código Penal determina que legítima defesa é caracterizada quando alguém, usando moderadamente dos meios necessários, reage a uma agressão injusta, “atual ou iminente”, contra um direito seu ou de outra pessoa. A legítima defesa é considerada uma excludente de ilicitude, ou seja, quem age em legítima defesa não comete crime.

Em grande parte das situações em que civis são mortos por policiais militares há a justificativa de legítima defesa.

Um dos casos relatados na nota técnica trata da morte de um homem com histórico de transtorno metal. A cidade em que ocorreu o fato não foi mencionada no documento, mas relata o arquivamento de caso usando legítima defesa como justificativa.

O inquérito, segundo da DPE, aponta que a própria família da vítima acionou a PM porque o homem estava se comportando de forma agressiva em decorrência de desequilíbrios psiquiátricos.

Esta não era a primeira vez que a PM faria a contenção do homem. No entanto, câmeras de segurança flagraram a abordagem e demonstraram excesso da parte da equipe, conforme detalha a nota técnica.

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“[…] É possível ver o civil utilizando uma ripa de madeira para golpear o antebraço do policial militar. A agressão do civil foi repelida com 4 disparos de arma de fogo, sendo os 2 primeiros nas pernas. Já caído ao solo, o civil foi alvejado com 2 tiros no tórax. No relatório realizado pela autoridade policial responsável pelo caso, a conclusão foi de que a conduta assumida pelo agente de segurança se enquadra no conceito de legítima defesa e é condizente com o treinamento de tiro adotado pela Polícia Militar”, diz o documento. O MP pediu arquivamento do caso e nenhum policial respondeu pela morte.

Para evitar que situações como esta se repitam, a nota técnica da DPE sugeriu capacitação permanente e obrigatória para os militares estaduais.

Outo dado da pesquisa mostra que há ao menos 20 casos “com evidente excesso do uso da força letal”. Entre os fatos registrados pelo Núcleo está um caso em que cinco policiais militares realizaram 96 disparos contra três pessoas. “(…) sendo disparados, respectivamente, cerca de 29 tiros por um dos agentes, 15 tiros pelo segundo, 20 pelo terceiro, 17 pelo quarto e 15 pelo quinto policial”.

Em outra situação, os policiais militares dispararam 58 tiros contra dois suspeitos. De acordo com o texto, um dos indivíduos foi alvejado com três tiros na cabeça.

Câmeras corporais

Outra medida apontada pela DPE para amenizar a letalidade da PM é o uso das câmeras corporais. No ano passado o governador Ratinho Jr. (PSD) recebeu um pedido de instituições do sistema de Justiça para que fosse implantado o uso do equipamento nas forças policiais do Paraná. A carta foi assinada pelo MP, Tribunal de Justiça, Universidade Federal do Paraná (UFPR) e seção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Apesar da sugestão, Ratinho não parece ter interesse em utilizar câmeras corporais na tropa. Também há uma indisposição do atual secretário de Segurança, coronel Hudson Leôncio Teixeira em adotar o equipamento.

Na entrega da nota técnica, que aconteceu mês passado, a DPE reforçou a sugestão da incorporação das câmaras no equipamento dos policiais militares e uma proposta deve ser apresentada na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep).

O Plural apurou que os deputados estaduais Goura (PDT) e Renato Freitas (PT) trabalham em um projeto de lei para tornar o uso do equipamento obrigatório.

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Em novembro do ano passado, Freitas e o vereador Dalton Borba (PDT) apresentaram um PL na Câmara de Curitiba para que a Guarda Municipal da cidade incorporasse o equipamento. O texto, que tramitava desde 2021, foi rejeitado em plenário.

Menos letalidade

No início do mês, durante o Encontro Nacional do Ministério Público no Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública, na sede do Ministério Público Militar de São Paulo, a pesquisadora Joana da Costa Monteiro, coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança Pública (FGV CCAS) apresentou pontos centrais de um estudo que busca estimar o impacto da adoção de câmeras corporais portáteis pela Polícia Militar de São Paulo (PMESP).

Os resultados evidenciaram que o uso das câmeras corporais pela PMESP está associado a uma redução de Mortes Decorrentes de Intervenção Policial (MDIP) e a um aumento de notificações nos registros da Polícia Militar. Não foi identificado efeito sobre indicadores criminais.

Em comparação à trajetória das unidades que não têm câmeras, é possível afirmar que a introdução dos equipamentos causou uma redução de 57% de MDIP em relação às companhias que ainda não as adotaram (leia a íntegra da pesquisa aqui).

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