Mais caro, contrato de câmeras corporais de Curitiba vai manter imagens arquivadas por só 1 mês

Equipamentos comprados sem licitação do ICI custam quatro vezes o valor pago pelo Rio de Janeiro

As imagens geradas pelas body cams que começaram a ser incorporadas na rotina da Guarda Municipal de Curitiba ficarão arquivadas por apenas um mês. É o que prevê o contrato de prestação do serviço, celebrado em junho entre a prefeitura e o Instituto Curitiba de Informática (ICI).

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A forma como vai funcionar o acesso às imagens ainda não está clara – não se sabe, portanto, se os registros serão submetidos à legislação vigente ou a outros requisitos e restrições, bem como possíveis entraves provocados pelo prazo determinado.

O acordo entre o município e o ICI foi homologado sem licitação, em demanda que vai custar aos cofres públicos até quatro vezes mais do que os contratos fechados recentemente, com a mesma finalidade, pelos governos estaduais de São Paulo e Rio de Janeiro.

Além de valores bem mais enxutos para a mesma atividade, os termos paulista e carioca preveem tempo consideravelmente maior de armazenamento das imagens geradas pelas câmeras corporais dos agentes de segurança. Ainda assim, com fragilidades.

No Rio de Janeiro, o projeto estabeleceu que as evidências geradas pelas body cams em ações da Polícia Militar que envolvam letalidade ou registro de ocorrência deverão ficar retidas no sistema por até um ano. Imagens de rotina, não relacionadas a situações específicas, não poderão ser apagadas antes de dois meses.

Já em São Paulo, o documento que define os detalhes da prestação do serviço diz que “as imagens deverão permanecer arquivadas durante a vigência contratual”, que, no caso, é de 30 meses.

Acesso negado

A prefeitura de Curitiba não justificou à reportagem o motivo do prazo de armazenamento estabelecido pelo município. Assim como também não respondeu como vai funcionar o acesso aos conteúdos capturados – e de que forma isso seria possível.

No Rio de Janeiro, o sigilo de um ano imposto pelo governador Claudio Castro às imagens geradas pelas câmeras corporais da PM virou caso de Justiça. O período de “reserva” é o mesmo do tempo máximo de arquivamento dos vídeos, e um possível obstáculo criado pelos prazos concorrentes entre si levou políticos de oposição e entidades de Direitos Humanos a pedirem revisão da regra pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A solução, defendem, seria o envio direto ao Ministério Público e Defensorias.

A ação foi protocolada após a PM publicar resolução com as regras de armazenamento e acesso às imagens. A exceção, diz a norma, são autoridades competentes no âmbito dos processos e procedimentos e por policiais militares réus em processos. O procedimento de cidadãos comuns para manter o conteúdo em resguardo – sem acesso imediato – seria por requisição à polícia e dependeria de procedimentos mais severos.

A Justiça também costurou a disponibilidade dos registros em São Paulo. Em outubro do ano passado, quando o projeto das body cams ainda estava em aberto. O Tribunal de Justiça e o comando da PM no estado fecharam uma parceria para que o conteúdo gerado pelas body cams sejam compartilhadas com a Corte.

Santa Catarina, primeiro estado a registrar os turnos de seus agentes de segurança por meio das câmeras acopladas, possui um sistema direto de solicitação de imagens de videomonitoramento urbano. Pode pedir permissão qualquer pessoa física ou jurídica envolvida em infração penal, acidente de trânsito ou conflito social, que foram captadas pelas câmeras de segurança da Polícia Militar, desde que tenha legitimidade para retirar, visualizar ou obter os vídeos. Lá, as câmeras foram compradas e são operadas pelo próprio governo.

Caso Matheus Noga

Em Curitiba, há um precedente de dúvidas. O assassinato de Mateus Noga, de 22 anos, por um agente da Guarda Municipal no Largo da Ordem, em setembro do ano passado, desencadeou uma série de discussões sobre a publicidade como ferramenta para o controle da atividade policial.

Por diversas vezes, o município negou compartilhamento das gravações das câmeras de rua que capturaram o momento da morte do jovem, inclusive a este jornal.

Lei municipal de 2019, instituída pouco antes da implementação do programa Muralha Digital – criado para expandir o videomonitoramento na cidade –, veda o acesso a terceiros dos dados, informações e imagens de videomonitoramento dos sistemas públicos ou de particulares. A legislação se funde a princípios da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), embora juristas ouvidos à época tenham ressaltado que a norma não se esgota em si, principalmente pelo atrito que provoca com a Constituição.

Em casos relevantes, a reserva do acesso aos conteúdos confrontaria o direito fundamental de acesso à informação e o direito de todos a receber dos órgãos públicos informações de interesse particular, coletivo ou geral.

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