Falso
RESUMO DA CONCLUSÃO: Ao contrário do que afirma post, a decisão liminar julgada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, que devolve o mandado de Renato Freitas (PT) como vereador em Curitiba, não autoriza pessoas negras a invadir igrejas e aterrorizar religiosos.
Conteúdo investigado: Postagem em rede social dizendo, entre outras coisas, que pessoas negras foram autorizadas a invadir igrejas e aterrorizar fiéis devido à decisão liminar do ministro Luís Roberto Barroso, do STF. Conforme legenda do post, Barroso alegou racismo estrutural e restituiu o mandato de Freitas como vereador na Câmara Municipal de Curitiba (CMC). Junto com o texto, a postagem mostra uma foto do político, com a chamada “Alegando Racismo Estrutural, Barroso devolve mandato de Renato Freitas”.
Onde foi publicado: Instagram.
Conclusão da verificação: É falsa a afirmação em postagem no Instagram sobre a decisão liminar do STF de 23 de setembro, que devolve o mandado de Renato Freitas como vereador em Curitiba, autorizar pessoas negras a invadir igrejas e aterrorizar religiosos.
O que diz a publicação e o que diz a decisão
O texto na legenda da publicação afirma, entre outras coisas, que Renato Freitas teve seu mandato cassado após invadir uma igreja [Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, em Curitiba], e que o ministro Barroso, do STF, alegou racismo estrutural para devolver o mandato de vereador ao político.
Na postagem existem trechos da decisão: “[Por tudo isso,] Sem me pronunciar, de maneira definitiva, sobre o mérito da cassação do mandato em questão, é necessário deixar assentado que A QUEBRA DE DECORO PARLAMENTAR NÃO PODE SER INVOCADA PARA FRAGILIZAR A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA DE PESSOAS NEGRAS (destaque presente na postagem), tampouco para cercear manifestações legítimas de combate ao preconceito, à discriminação e à violência contra elas”. A colocação do ministro, de que não se pronunciou sobre o mérito da cassação, ou seja, se a cassação é válida ou não, está fora do destaque presente na legenda do post.
O trecho reproduzido é do item 26 da fundamentação e está incompleto. Barroso encerra o tópico, falando que a liberdade de expressão é um dos direitos que garantem o próprio direito à manifestação contra o racismo
A afirmação do ministro de que não é possível dissociar o ato da Câmara de Vereadores de Curitiba do racismo estrutural da sociedade brasileira – sem antecipar julgamentos (item 6 da ementa da decisão), também é omitida na legenda do post.
Em seguida, a autora da postagem afirma que, conforme esses argumentos da decisão de Barroso, se a pessoa for negra, “tá liberado invadir igrejas” e ainda “aterrorizar fiéis” (…). A autora avança questionando e atacando a atuação do judiciário, do ministro Barroso e do STF.
A decisão abre precedentes?
Gustavo Trento, advogado e professor de direito, explica que a decisão liminar de Barroso sobre a cassação de Freitas não abre qualquer precedente, ou seja, não autoriza a invasão de igrejas por pessoas negras ou que se possa aterrorizar religiosos. “A decisão considera o contexto do protesto (que foi pacífico), contra o quê estavam protestando (a morte de dois homens negros), o local do protesto (igreja dos pretos), e o fato de o próprio padre ter afirmado que não concordava com a cassação”, diz.
Ele ainda complementa: “por tudo isso, o voto afirma que deve ser resguardada a proteção ao exercício do direito à liberdade de expressão do parlamentar negro, aduzindo, ainda que a alegação de quebra de decoro não pode ser invocada para cercear tal manifestação”.
Ana Carolina Clève, presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral – Iprade, concorda com Trento sobre a decisão não abrir precedentes. “Antes de tudo, é preciso dizer que a decisão, de caráter liminar (precário, portanto), parte de premissas técnicas que, em análise superficial (própria dos pedidos liminares), demonstram probabilidade do direito do vereador”, fala.
O ponto mais importante, segundo Clève, é que a decisão é paradigmática, algo que vai além da questão estritamente técnica debatida na reclamação. “A fundamentação dialoga com o lamentável contexto brasileiro, de modo a reconhecer que, no caso concreto, a cassação do vereador pelo fato apontado, é sintoma do racismo estrutural”, explica.
A presidente do Iprade considera a decisão de Barroso acertada e legítima: “Fruto do real papel das Cortes Constitucionais, que é assegurar o direito das minorias. Até porque, o Direito jamais é neutro. O Direito também é um constante espaço de luta e instrumento para conquistas civilizatórias”.
O que é uma decisão liminar
Conforme definição no site do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT, a decisão liminar é “aquela proferida em caráter de urgência, para garantir ou antecipar um direito que tem perigo de ser perdido. Pode ser concedida com base na urgência ou evidência do direito pleiteado. É uma decisão temporária, pois depende de confirmação por sentença de mérito.”
Ainda segundo a explicação no site do TJDFT, “está regulamentada no livro V do Código de Processo Civil, que trata das ‘Tutelas Provisórias’ e descreve todos os seus tipos e requisitos. As liminares podem ser revogadas pelos próprios magistrados que as proferiram ou por decisão em recurso para instância superior, seja monocrática ou colegiada”.
No item 8 da ementa da decisão de Barroso, bem como no 27 do relatório com os argumentos envolvidos na decisão, é considerado que há perigo na demora diante do “iminente indeferimento do registro da candidatura de Freitas a deputado estadual e proximidade das eleições”. A decisão é do dia 23 de setembro, e os eleitores votarão para escolher seus candidatos em 2 de outubro.
Por fim, a decisão do ministro para conceder a liminar solicitada pelo vereador considerou “plausível a alegação de violação à competência privativa da União para dispor sobre a matéria.” Nesse caso em especial, isso significa que: se a competência é da União, o processo de cassação do mandato (PED nº 01/22) extrapolou o prazo máximo de 90 dias corridos para a sua conclusão (art. 5º, VII, do Decreto-Lei nº 201/1967); e não poderia ser aplicada norma da câmara municipal, com prazo para conclusão do processo de cassação maior do que o estabelecido pela Lei federal (Decreto Lei nº 201/1967, art. 5º, VII).
Entenda o caso da cassação de Renato Freitas
O Plural acompanhou o processo de cassação do mandato de Freitas por falta de decoro parlamentar, desde o princípio (clique aqui para conferir as matérias publicadas). No canal do Youtube da Igreja do Rosário, pode-se assistir ao vídeo da transmissão da missa do dia em que aconteceu a manifestação, 5 de fevereiro de 2022. É possível ver nas imagens que a missa já tinha terminado no momento em que o grupo entrou no local.
No encerramento da missa (00:51:15), o padre que celebrava o culto, Luiz Hass, dá avisos e reclama do barulho da manifestação: “Vocês acham correto isto? Acho que a igreja não é do padre só. Nós todos temos que nos unir para evitar uma coisa dessas porque isso é de propósito, né, para atrapalhar a nossa missa. Tudo bem que façam protesto, mas não na hora da missa”. Até este momento, nem Freitas nem os demais participantes da manifestação estavam dentro da igreja.
Quatro minutos depois (00:54:16), Hass finaliza a missa e vai para a sacristia. A organização do altar começa 40 segundos depois (00:54:56), há cortes no vídeo ao fim da missa e o som para de ser reproduzido. O padre surge sem a batina e vai até a frente da igreja.
Depois, os primeiros manifestantes aparecem na parte interna do local (01:00:26). Discursam por cerca de 10 minutos, estendem faixas e deixam a igreja. O padre Hass é visto nas imagens sempre junto dos manifestantes.
Outro vídeo mostrando o ato, do Brasil de Fato Paraná, mostra o protesto do lado de fora e a entrada do grupo na igreja. É possível ver os fiéis fechando as portas da frente do templo e os manifestantes, então, seguindo para a entrada lateral pacificamente (00:06:27). Já em frente ao altar, o vereador Freitas discursa sobre a história da Igreja do Rosário e a importância da vida.
Em síntese, o que se vê nas imagens gravadas pelas câmeras da igreja e em vídeos de manifestantes é o grupo por cerca de dez minutos dentro do local. Nesse curto período, houve discurso, canto e pedidos de justiça.
A partir dos dois vídeos analisados, o que se pode concluir é que Freitas não invadiu a igreja, não interrompeu a missa e não aterrorizou fiéis.
Em 25 de março, a Arquidiocese de Curitiba declarou ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da CMC que “o protesto do vereador e demais pessoas pela morte do congolês Moise Mugenyi Kabagambe, na cidade do Rio de Janeiro, realizado na frente da Igreja do Rosário, no dia 05/02/2022, abreviou a missa iniciada às 17h. Reitera-se que somente após o término da missa adentraram à Igreja com palavras de ordem e bandeira” (Grifo nosso).
No documento, a Arquidiocese também afirma que “a movimentação contra o racismo é legítima, fundamenta-se no Evangelho”, reconhece o desejo de Freitas por justiça para aqueles discriminados historicamente no Brasil e diz se tratar de uma “causa nobre e merece respeito”. Apesar de acreditar que ocorreram certos excessos, afirma que o vereador pediu desculpas. O texto é encerrado da seguinte forma: “A Arquidiocese se manifesta em favor de medida disciplinadora proporcional ao incidente. Ademais sugere que se evitem motivações politizadas e, inclusive, não se adote a punição máxima contida no Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Municipal de Curitiba.” Ou seja, os representantes da igreja católica se posicionaram contra a cassação de Freitas.
Racismo estrutural
No item 23 do relatório da decisão liminar de Barroso, existe uma breve explicação do que é o racismo estrutural em nosso país, pois ele considera que isso é o contexto subjacente ao caso; algo que talvez não esteja evidente, mas que – sim – está implícito no que motivou o pedido de perda de mandato. “Afinal, o racismo no Brasil é estrutural. Conforme explica o Professor Silvio de Almeida, isso significa que, mais do que um problema individual ou um fator institucional, o racismo ‘é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade’. Ligado ao colonialismo e à escravização em sua origem, o racismo criou raízes profundas na sociedade brasileira e continua evidente não só em situações de discriminação direta ou intencional, mas também na desigualdade de oportunidades e na disparidade de tratamento da população negra.
O Dr. Jacaré classifica como falso todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Dr. Jacaré investiga conteúdos que têm maior alcance nas redes sociais. A postagem no Instagram alcançou mais de 50,5 mil curtidas dia 01 de outubro.
O que diz o autor da publicação: A postagem foi feita por Renata Jorge Barreto que, em seu Instagram, se apresenta como economista que também escreve sobre política e economia.
Barreto respondeu por e-mail à entrevista solicitada pelo Dr. Jacaré. Afirmou conhecer os fatos envolvidos no pedido de cassação de Freitas, bem como os recursos, e disse que “o referido vereador invadiu uma Igreja e foi cassado pela câmara, que é quem deve fazer esse tipo de procedimento.”
Como provas, ela enviou links de matérias jornalísticas sobre a cassação do vereador. A primeira é do G1, de 7 de fevereiro – anterior ao comunicado da Arquidiocese para a Câmara de Curitiba, e afirma que Freitas e os manifestantes invadiram a igreja e interromperam a missa (ao contrário do que os vídeos citados anteriormente comprovam).
O segundo link é de um vídeo da Jovem Pan News, de junho, falando da votação na Câmara, em primeiro turno, pela cassação do vereador que supostamente “invadiu uma igreja”. É citado que a missa foi abreviada devido ao tumulto fora do local, porém que os manifestantes e Freitas entraram na igreja após o fim da missa.
O terceiro link é de uma reportagem publicada pela CNN Brasil, de junho, sobre um júri simulado baseado no caso.
Questionada sobre poder comprovar que o vereador aterrorizou fiéis durante a manifestação em questão, ela afirmou que “sim, ele invadiu a Igreja no momento que fiéis aguardavam o início da missa, como visto nesse video.” O material é do canal no YouTube de O Antagonista e mostra a entrada dos manifestantes na igreja e a manifestação no interior do templo.
Sobre a decisão de incentivar pessoas negras a cometerem atos ilegais, ela afirmou: “Não necessariamente, mas manda uma mensagem que você pode fazer algo de errado e a justiça será complacente a depender da sua cor”. Ela complementou: “Abre-se o precedente, feito pelo ministro da mais alta corte brasileira, de julgar o caso de acordo com a cor da pessoa e não o mérito.”
Finalmente, sobre a verificação, Barreto criticou o trabalho das agências de checagem e afirmou que o que deveria existir era “o entendimento conjunto da sociedade que é preciso ter senso crítico”.
Como verificamos: O Dr. Jacaré localizou a postagem na ferramenta Crowdtangle, ferramenta que analisa conteúdos públicos nas redes sociais. Em seguida, solicitou à assessoria jurídica do vereador Renato Freitas a decisão liminar completa de Barroso.
Após a análise do texto e a leitura de reportagens sobre o caso publicadas pelo Plural, foi solicitada entrevista por WhatsApp para a assessoria de Freitas. Com a proximidade da data das eleições, a equipe do vereador informou que não seria possível responder.
Foi solicitada entrevista à arquidiocese de Curitiba, que respondeu em ligação telefônica “preferir não se pronunciar sobre o caso Renato Freitas”. A autora do post foi procurada e deu entrevista por e-mail ao Dr. Jacaré.
O processo contra Freitas foi localizado no site da CMC, buscando no campo assunto por: “Renato Freitas” e “decoro”. O código do processo ético-disciplinar revelado no resultado é 502.00001.2022.
Ali constam todos os documentos anexados ao processo, desde a representação inicial feita pelo vereador Eder Borges, em 7 de fevereiro, incluindo vários vídeos e também anexos, como a declaração da arquidiocese de Curitiba, de 25 de março.
Finalmente, procuramos no buscador Google por vídeos do ato de manifestação na Igreja do Rosário, que aconteceu em 5 de fevereiro.
Por que investigamos: O Dr. Jacaré investiga conteúdos suspeitos relacionados às eleições estaduais no Paraná, principalmente os que viralizam on-line. Publicações falsas (fake news) que apoiam ou atacam candidaturas podem prejudicar a decisão de voto das pessoas e influenciar o resultado das eleições. Verificar esses conteúdos ajuda a manter o debate saudável em torno das eleições.
Outras checagens sobre o tema: O Plural publicou muitas reportagens nos diferentes momentos do processo que tenta cassar o mandato de Freitas, vereador em Curitiba, alegando falta de decoro parlamentar. Para ler e entender mais sobre o caso, clique aqui.
O Dr. Jacaré mostrou recentemente que é enganoso o vídeo falando que camarote no comício de Lula em Curitiba foi pago com dinheiro público; que é falsa a afirmação feita por Reis em outro vídeo sobre construção de muro para comício do ex-presidente Lula (PT) em Curitiba, e que o vídeo que circula nas redes sociais com o apresentador Ratinho afirmando apoio de Lula para a candidatura de Ratinho Júnior é de 2012.
Em outras verificações, o Dr. Jacaré já esclareceu que era enganosa uma postagem afirmando o apoio do partido Novo para Moro como candidato ao Senado; que Sergio Moro e o ex-presidente Lula não são aliados; que um post tirou de contexto fala do candidato a governador do Paraná Roberto Requião (PT) para atacar credibilidade de pesquisas eleitorais; que é falsa a exposição de dinheiro recuperado pela Polícia Federal em Curitiba; e que “Boca Aberta” não é candidato ao Senado; ao contrário do que sugere post.