Em meio à pandemia, editoras apostam em clubes de leitura por assinatura

Clubes do livro são opção para quem quer sair da mesmice

A crise no mercado editorial brasileiro só piorou com o início da pandemia, há quase um ano. Por conta do vírus e do consequente distanciamento físico entre as pessoas, diversas livrarias foram obrigadas a fechar as portas e as editoras precisaram se reinventar. Nesse cenário, (res)surgem os clubes de livro, uma sobrevida tanto para as editoras quanto para o hábito de leitura de diversas pessoas no confinamento. 

Os clubes de leitura não são uma novidade do século XXI. Populares durante os anos 1970 e 1980, eles voltam a fazer sucesso em um momento de diminuição no número de leitores no Brasil: em quatro anos – de 2015 a 2019 -, cerca de 4,6 milhões de brasileiros deixaram de ler, segundo a última edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de setembro de 2020, realizada pelo instituto Pró-Livro. 

A premissa da modalidade é simples: todo mês, os assinantes desembolsam um valor e recebem, em casa, um livro escolhido por curadores. Dependendo do clube, a obra vem acompanhada de “parafernálias literárias”, como marca páginas e adesivos.

Impactos da pandemia  

Aderir aos clubes de livro em um momento de crise do modelo tradicional de varejo foi uma sacada de diversas editoras. Alfredo Setubal, um dos editores da Todavia Livros, explica que, financeiramente, um clube por assinatura é um ótimo negócio para as editoras porque assim as empresas começam o mês com uma parte da tiragem inicial das obras vendidas. “Se você tem 100 assinantes, você já tem 100 livros vendidos e assim por diante.” 

Quem também viu nos clubes uma boa estratégia financeira foi a curitibana Kotter Editorial. Francieli Cunico, editora-assistente da empresa, conta que por serem uma editora independente, o clube do livro da Kotter significa uma renda fixa importante. Hoje, são entre 200 e 300 assinaturas. 

O Intrínsecos, clube da editora Intrínseca, registrou um aumento de 124% em sua base de assinantes ao longo de 2020. “Entendemos que as pessoas se sentiram mais confortáveis para receber livros em casa, já que não podiam circular, descobriram mais tempo para ler e tiveram a oportunidade de experimentar uma nova forma de consumir conteúdo”, afirma a diretora de marketing da Intrínseca, Heloiza Daou.

Os motivos da popularidade: curadoria, conexões e surpresa

Frente à imensa quantidade de oferta literária disponível hoje em dia, muitos leitores se sentem perdidos na hora de filtrar os lançamentos e escolher um título. “São cada vez mais opções, o que torna cada vez mais complexa a escolha. O clube é uma maneira do leitor colocar esse ato de escolher na mão de uma outra pessoa que ele confia. Ao fazer isso, ele está, de certa maneira, terceirizando essa escolha e confiando na gente em fazer essa escolha por ele”, explica Alfredo Setubal.

Para Francieli Cunico, a curadoria é o que faz muitas pessoas optarem por um clube de livros. Segundo ela, com a curadoria da Kotter, por exemplo, o leitor sempre recebe uma obra relacionada ao atual cenário político-social do Brasil ou do mundo. 

Francieli acredita que os clubes também podem ser uma maneira de unir as pessoas que, inevitavelmente, ficaram mais distantes na pandemia. “Gosto de pensar que as pessoas querem estar conectadas com o outro. Eu acho que você começa a leitura para reconhecer o outro. Isso é se sentir conectado”, afirma.

Kit do clube Intrínsecos. Foto: Reprodução/Intrínsecos

A assinatura de um clube de leitura é um tiro no escuro, já que os títulos são, na maioria das vezes, uma surpresa ao público. Isso possibilita que o leitor tenha contato com obras que talvez ele não escolhesse por conta própria, ou porque não é do autor que está acostumado ou porque é de um gênero que normalmente não lê. “Acabamos caindo na rotina, e sempre lendo o que nós convém, mas o clube nos tira fora da zona de conforto, pois vem sempre um gênero diferente, livros de culturas diferentes. Ler aquele tipo de livro que você nunca imaginou que teria coragem, aqui você começa a ter”, afirmam Pamela Matos e Priscila Leodoro, assinantes do Intrínsecos desde março de 2020.

Para as crianças (e pais também)

Com a pandemia, ficou cada vez mais difícil para os pais conciliarem trabalho, cuidados pessoais e dos filhos, lazer e educação. Receber em casa, todos os meses, uma espécie de delivery de livros infantis, cuidadosamente escolhidos por pessoas que entendem do assunto, pode ser uma experiência bastante interessante. 

É o que afirma Mayara Reichert, idealizadora do clube literário infantil Minha Pequena Feminista. Criado em junho de 2020, em Curitiba, além de aproximar adultos e crianças, ideia do clube é levar o feminismo às casas de uma maneira leve e divertida. “Acreditamos que valores de igualdade de gênero, feminismo, empatia, diversidade e antirracismo devem ser ensinados desde cedo, de forma natural e em uma linguagem adequada”, afirma a idealizadora. 

Diante de uma cena literária em que a maioria dos livros infantis tem figuras masculinas como protagonistas, o Minha Pequena Feminista surge para ocupar um espaço necessário nas estantes e mentes das crianças. 

Mas nem sempre é uma tarefa fácil. Mayara admite que encontrar livros infantis sobre sororidade e empoderamento feminino todo mês é mais difícil do que parece. “Muitas vezes nos sentimos frustradas com a falta de representatividade e diversidade, mas acreditamos que o clube também é um estímulo para que autores repensem em suas criações e se permitam cada vez mais dar vida a personagens diversas.”

Por mais que as obras sejam direcionadas às crianças, a idealizadora afirma que os materiais fazem os adultos refletirem sobre a importância do feminismo em suas próprias vidas. Inclusive, muitos assinantes nem têm filhos. 

Além de promover momentos de diálogo, diversão e ensinamento, os livros do clube ajudam pais e mães a abordarem assuntos delicados de uma forma mais tranquila com as crianças. É o caso da Débora Tavares, do Rio de Janeiro. 

Débora conta que sempre procurou trazer discussões a respeito do feminismo, representatividade e empatia para a filha de cinco anos. Segundo ela, quando começou a assinar o Minha Pequena Feminista, na metade do ano passado, debates sobre temas sensíveis como o abuso se tornaram mais naturais. “Independente da idade que ela está, a gente conversa sobre tudo abertamente. Até questões que ela não traz a gente procura trazer para ela”, afirma. 

A advogada cearense Larisse Assis faz parte do Minha Pequena Feminista desde o primeiro livro. Ela relata que os títulos abordados pelo clube são essenciais no desenvolvimento da filha Taís, de nove anos. “Achei genial a ideia de um clube com livros sobre empoderamento feminino.”

Larisse conta que a influência dos livros foi tanta, que Taís – que se descobriu escritora no confinamento -, vai lançar, em agosto, uma obra com a temática feminista.

Como funcionam os clubes

Todavia Todo Mês – Clube da Todavia Livros

O assinante Todavia Todo Mês recebe mensalmente:

  • Um livro de ficção selecionado pela equipe da editora;
  • Um pôster da imagem de capa (36cm x 52cm) que traz, no verso, conteúdo sobre o livro preparado pelo editor;
  • Marca página;
  • Postal;
  • Adesivo. 

Além do conteúdo impresso, o assinante recebe uma newsletter exclusiva para complementar a leitura do livro do mês e um convite para encontro virtual mensal com a equipe da editora para um bate-papo sobre a obra. Por fim, o assinante tem 20% de desconto em qualquer livro no site da Todavia.

A editora tem duas opções de plano: o semestral, de R$ 264/semestre mais o frete e o mensal, de R$ 50/mês mais o frete.

Kotter Editorial

Por R$39,90, o assinante do clube da Kotter recebe mensalmente um livro. Como brinde de boas-vindas, o associado pode escolher um título (de até 60 reais) no site da editora. 

O assinante tem a opção de receber o livro escolhido pela editora ou de ele mesmo escolher (nesse caso até o dia 15 do mês do envio).

O clube tem três tipos de assinaturas: 

  • Ficção: o assinante recebe livros de literatura, nas variantes: romances, contos, poesia e crônica. 
  • Não-ficção: o assinante recebe ensaios de cunho político e/ou filosófico, e derivados. 
  • Aleatória: o assinante recebe obras de ambos os segmentos, sempre o livro mais bem avaliado do mês.

Intrínsecos – Clube da Editora Intrínseca

O assinante recebe mensalmente:

  • Um livro inédito no Brasil, em capa dura e colorido (edição exclusiva);
  • Um marcador de páginas;
  • Um postal colecionável;
  • Uma revista com artigos e ilustrações exclusivas que expandem o universo de leitura;
  • Brinde literário que tem a ver com a história da obra. 

Os assinantes podem escolher entre dois planos: o padrão, que custa R$59,90, e o anual, que tem o valor de R$54,90. O frete de R$10,00 é fixo para todo país. 

Além da caixa, o assinante tem acesso a conteúdos exclusivos dentro do intrínsecos digital, uma plataforma em que são disponibilizados artigos, ilustrações, guias de leitura, playlists e dicas literárias.

Minha Pequena Feminista

A curadoria do clube, que muda todos os meses de acordo com o tema, escolhe livros alinhados com valores feministas como: sororidade, empoderamento feminino, libertação de padrões patriarcais e igualdade de gênero. Além de outros princípios como empatia, respeito às diferenças, liberdade, antirracismo, inclusão social, preservação ambiental e respeito aos animais. 

Todo os meses, o assinante recebe:

  • Um livro com protagonista feminina que aborde temas de respeito ao próximo e à diversidade, ensinamentos de igualdade de gênero e empatia, e que seja divertido e inteligente;
  • Carta aos adultos com reflexões sobre o livro.

Os livros enviados são adequados à idade da criança, informada no momento da assinatura. Assinantes podem escolher entre planos com um, dois ou três livros mensais, dentre cinco tipos de assinatura: mensal, semestral, dois livros mensais, três livros mensais e anual.

Colaborou: Maria Cecília Zarpelon

Sobre o/a autor/a

2 comentários em “Em meio à pandemia, editoras apostam em clubes de leitura por assinatura”

  1. JOSE CARLOS DA SILVA

    Não foi abordado todo o universo dos Clubes de Assinatura.
    Além da TAG que praticamente pavimentou a estrada para as demais e hoje conta com TAG Curadoria e Inéditos, temos outras não menos importantes por seu conteúdo:
    Clube de Literatura Clássica (livros clássicos e brindes que geralmente são livros)
    Biblioteca Alta Cultura (literatura clássica com brindes livros)
    Escotilha (literatura especulativa, com obras de FC, fantasia e horror)
    Rádio Londres (atualmente em hiato, mas tinha preços ótimos e projeto editorial inédito e interessante)
    Trem Fantasma (graphic Novels europeias, capa-dura)
    Pena quando tentamos ler uma matéria e ela pecar por falta de uma pequena pesquisa de mercado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima