A revolução de Charles Mingus

“Você dirá que minha música soa quase clássica. É clássica! Vocês vejam, não se espera que mãos negras toquem música clássica. Mas elas fazem. Nós também fomos à escola. Nós, negros, também estudamos música”

Se estivesse vivo, na semana passada Charles Mingus teria completado 99 anos. Nascido em 22 de abril de 1922, o pianista e contrabaixista sempre foi descrito pelos manuais de música como um dos maiores bandleaders do jazz e sujeito portador de uma inventividade criadora associada às suas posições políticas irredutíveis. Mingus é corriqueiramente celebrado como um dos mais importantes representantes daquilo que ficou conhecido como free jazz, movimento estético e político que levou a um conjunto de transformações tanto na forma quanto no conteúdo até então disseminados pelo jazz mainstream. Evidente que o baixista do Arizona não foi o único responsável por essas transformações, entretanto sua vasta discografia catalisou tais mudanças incorporadas pelo jazz na segunda metade do século XX.

Apesar de ter nascido em Nogales (Arizona), Mingus cresceu na região de Los Angeles. Ele e sua família mudaram-se para o sul da Califórnia quando era ainda muito pequeno, passando a conviver com muitos imigrantes mexicanos e uma grande comunidade negra local. A família, que pertencia ao African Methodist Episcopal Church, favoreceu o contato do jovem Mingus com o repertório dos cultos religiosos e dos cânticos litúrgicos da igreja que frequentavam. Por isso mesmo, ainda criança desenvolveu interesse pelo piano e pelo trombone e inclusive chegou a tocá-los na igreja. O violoncelo e o contrabaixo vieram de estudos posteriores que iniciou na adolescência, com o orientação de outro excelente baixista do jazz, Red Callender (1916-1992), e sobretudo com Herman Rheinschagen, que havia atuado na Filarmônica da Nova York.

O jovem Charles Mingus no início da década de 1940, ao 20 anos de Idade, em Los Angeles. Foto: reprodução.

Essa formação inicial realizada com estudo detalhado do instrumento fizeram dele um baixista relativamente conhecido do meio musical de Los Angeles, e em pouco tempo Mingus já fechava pequenos contratos para animar festas e bailes no início dos anos 1940, num momento de reconfiguração musical em que swing passava por um processo importante de modificação, conforme já apontamos anteriormente numa coluna sobre Charlie Parker. Isso também se estendeu a Mingus que, apesar de toda a disposição para o trabalho em bandas de swing, não ocultava sua formação clássica e fazia questão de demonstrar a admiração que tinha pelo obra de Richard Strauss. Sendo assim, com apenas 20 anos idade já tinha trabalhado na sessão rítmica de várias bandas mais tradicionais como a Dixieland, de Kid Ory, e a bigband de Louis Armstrong. Além disso, durante toda a década de 1940, organizou e liderou inúmeras sessões de gravação em Los Angeles que, infelizmente, se tornaram pouco conhecidas em virtude da má distribuição do material pelas pequenas gravadores pelas quais passou. Mas pode-se notar nos registros que restaram dessa época uma imensa variedade de temas e estilos experimentados por Mingus: passou pelo boogie-woogie, rhythm and blues, swing e até acompanhou de forma coadjuvante vários crooners, além de ter participado de outras tantas peças comerciais.

Um registro dessa fase da produção de Mingus, “Shuffle bass boogie” (composição do próprio baixista) pode ser conferida na sessão abaixo, realizada em janeiro de 1946, pelo Charles Mingus Sextet, do qual faziam parte Charles Mingus (arranjador e baixo), Karl George e John Plonsky (trompetes), Henry Coker (trombone), Willie Smith (sax alto); Lucky Thompson (sax tenor), Gene Porter (clarinete), Wilbert Baranco (piano) e Lee Young (bateria). Um boogie-woogie nada inovador, mas que a mão esquerda do piano é caracteristicamente reforçada pelo baixo de Mingus:

Charles Mingus Sextet interpreta “Shuffle bass boogie”, Los Angeles, janeiro de 1946.

Foi a partir de 1947 que Mingus começou a despontar na cena do jazz e deixou de ser apresentado como mero componente da sessão rítmica das bandas que acompanhava. Naquele ano, iniciou colaboração com a banda do vibrafonista Lionel Hampton, com o qual produziu aquela que talvez seja a sua primeira composição mais arrojada para os padrões mainstream do swing e que dialoga mais acentuadamente com o léxico sonoro do bebop. Ao ouvirmos “Mingus fingers” claramente percebemos as primeiras experiências atonais e a influência clara de sua formação clássica, a partir das quais o próprio Mingus formulou sua teoria sobre composição e arranjo desenvolvidos nos anos seguintes. Embora seja um tema para a bigband de Hampton, uma banda extremamente popular naqueles anos de swing, a construção harmônica de “Mingus fingers” faz citações diretas ao modelo ellingtoniano de sobrepor os metais (trompetes, trombones e saxofones) em “camadas” e dispô-los em riffs que, por sua vez, contrastam com as frases de Hampton ao vibrafone e com o desenho melódico de Mingus ao contrabaixo. Noutras palavras: nessa sessão produzida pelo selo Decca, há doses interessantes de vanguardismo que nos permite situar a criação de Mingus além dos limites convencionais do jazz dançante. Abaixo, ouve-se a Lionel Hampton and His Orchestra com Leo Sheppard, Duke Garrette, Walter Williams, Wendell Culley, Teddy Buckner (trompetes), Andrew Penn, James Robinson, Brit Woodman, James Wormick (trombones), Bobbu Platter, Benny Kynard (sax alto), Morris Lane, John Sparrow (sax tenor), Charlie Folkers (sax barítono), Lionel Hampton (vibraphone), Milt Buckner (piano), Billy Mackel (guitarra), Charles Mingus (baixo e arranjos) e Earl Walker (bateria).

Lionel Hampton and His Orchestra interpreta “Mingus fingers”, composição de Mingus que revela sua aproximação com o atonalismo, bem como o cuidado na construção de arranjos mais sofisticados comparados aos do jazz mainstream.

Contudo, foi a partir de 1950 que Mingus iniciou sua trajetória de celebração no circuito jazzístico. Neste ano deixou Los Angeles por Nova York e lá começou a receber atenção dos meios especializados em música moderna e imediatamente estabeleceu contato com Red Norvo (1908-1999), vibrafonista dissidente do bebop e que naquele momento iniciava uma série de experimentações com pequenos grupos. Norvo, que já era consagrado por ter acompanhado músicos e intérpretes em inúmeras sessões desde os anos 1920, incorporou Mingus ao seu grupo com o qual gravou dois álbuns pela Savoy Records no ano de 1950 com relativo sucesso, a ponto do trio (formado por Norvo, Tal Farlow e Mingus) ser apontado em 1950 como revelação do chamado “jazz de câmara”.

Red Norvo (vibrafone), Tal Farlow (guitarra) e Charles Mingus (baixo), em 1951. Foto: reprodução.

O virtuosismo de Mingus chamou atenção de outros músicos, compositores e bandleaders que atuavam em Nova York no início da década de 1950. Em virtude disso, passou a ser requisitado por artistas como Charlie Parker, Bud Powell, Stan Getz e até mesmo pela Orquestra de Duke Ellington. Em paralelo a essa atividade habitual – de músico contratado por grupos para executar um repertório de terceiros – Mingus esteve envolvido em diferentes projetos autorais por ele gestados na década de 1950.  Um deles foi a criação da gravadora Debut Records. Criada em sociedade com o baterista Max Roach, a Debut foi fundamental para abrir espaço a músicos que não tinham oportunidade de trabalho nos grande selos naquele momento, mas que também serviu à experimentações de Mingus e Roach no campo da música. Passaram pela Debut Records Pepper Adams, Art Blakey, Paul Bley, Kenny Clarke, Miles Davis, Dizzy Gillespie, J.J. Johnson, Elvin Jones, Thad Jones, Hank Jones, Wynton Kelly, Jimmy Knepper, Lee Konitz, John Lewis, Charlie Parker, Oscar Pettiford, Bud Powell, Art Taylor, Mal Waldron, Kay Windding, entre muitos outros. Nos sete anos de existência, entre 1951 e 1958, a Debut Records produziu aproximadamente 170 sessões que ampliaram o contato com um público ainda mais diversificado do jazz, indo além das propostas de gravadoras comerciais e ainda consagrou demais nomes do bebop, hardbop e do free jazz.

Outro projeto importante de Mingus que se consolidou nesse período foi Jazz Composers Workshop, uma espécie de cooperativa pioneira lançada por um grupo heterogêneo de músicos experimentalistas, encabeçada por Teo Macero e que mais tarde se tornou produtor da Columbia Records, supervisionando a produção dos trabalhos de Mingus, Monk e Miles Davis, realizadas por este selo. Inúmeras foram as experiências que eclodiram na Jazz Composers Workshop, pois com a paulatina saída de cena do bebop devido ao seu esgotamento, novos “laboratórios” musicais emergiram e a cooperativa contribuiu decisivamente à produção da chamada “terceira corrente”, que mesclava as conquistas do bebop com os novos elementos do cool jazz, acrescido de arranjos e estruturas harmônicas que referenciavam o repertório da música de concerto. Um exemplo dessa experiência pode ser ouvida em “Level seven”, composição do pianista Wally Cirillo, aqui executada por Mingus (baixo), Teo Macero (sax tenor), Wally Cirillo (piano), Kenny Clarke (bateria), gravada em 1955 nos Estúdios de Rudy Van Gelder (Nova Jersey).

Experiências realizadas pela Jazz Composers Workshop foram fundamentais para ampliar o horizonte atonal do jazz, aqui conduzidas por Mingus.

Mas é partir de 1956 que a discografia de Mingus começou a receber atenção de um público mais amplo e da crítica especializada. Neste ano assinou um importante contrato com a Atlantic Records e gravou para este selo aquele que talvez seja o álbum divisor de águas de sua carreira, mas do próprio jazz.  Pithecanthropus Erectus trouxe uma série de inovações harmônicas, arranjos sofisticados e complexos, com mudanças de andamento e uso livre de recursos atonais que Mingus vinha estudando e aprofundando há alguns anos. A composição homônima que abre o álbum possui um caráter de peça dividida em movimentos que o próprio Mingus explicou no texto de contracapa, atribuindo à obra um sentido de construção narrativa épica e não apenas mais um adendo sonoro do mercado da música. Mingus afirmava na contracapa: “escrevo as músicas só mentalmente e depois as explico, peça a peça, aos meus músicos. Esboço ao piano a estrutura geral, para que ele se familiarizem com a minha interpretação, com o espírito que quero imprimir ao tema, e depois apresento as escalas e as progressões de acordes que serão empregadas. Levo em consideração o estilo de cada músico, tanto em conjunto como nos solos individuais. A cada um deles proponho uma série de notas que serão tocadas em qualquer acorde, mas eles ficam livres para escolher as notas preferidas e podem executá-las segundo sua própria técnica, exceto quando pretendo atingir determinado clima”.  Neste álbum há inúmeras inovações formais como mudanças de tempo e andamento, emprego de acentos polirrítmicos e liberdade tonal que dão aos músicos Jackie McLean (sax alto), J.R. Monterose (sax tenor), Mal Waldron (piano) e Willie Jones (bateria) e Mingus (baixo), uma liberdade até então poucas vezes experimentadas no jazz.

O tema de Pithecantropus Rrectus (1956) abre novas perspectivas para improvisação coletiva dos músicos e reafirma a trajetória vanguardista de Mingus no jazz.

A pesquisa de Mingus por novas formas de expressão musical o levaram cada vez mais próximo do free jazz, tanto pelo fato de sua música exprimir o resultado de um trabalho coletivo de criação musical, mas também porque uma parte significativa de músicos, compositores e instrumentistas que aderiram à proposta de liberdade no jazz fizeram-no como contraponto às questões sociais, raciais e da luta pelos direitos civis que atravessaram a sociedade norte-americana em meados da década de 1950. Ou seja, Charles Mingus, tal qual artistas como Max Roach, Ornette Coleman, Archie Shepp, Sonny Rollins, Abbey Lincoln e tantos outros engajaram-se na luta contra o racismo e fizeram de suas obras espaço para o engajamento político contra a segregação racial no EUA.

E esse movimento perdurou nas obras seguintes de Mingus. Em 1957, ainda contratado pela Atlantic Records, produziu outro grande álbum decorrente das experiências coletivas ensaiadas em Pitecanthropus Erectus. O disco The Clown, além de partilhar das premissas anteriormente apontadas por Mingus no processo de criação em grupo, vislumbrou outros elementos considerados por ele fundamentais na “reconstituição” da cultura negra e na recomposição das tradições africanas. Elementos da música folk, do blues, da cultura e da religiosidade populares se tornaram, a partir de The Clown, mais significativas na discografia mingusiana.  Este “retorno às raízes” fez o compositor não apenas voltar às tradições culturais das comunidades negras norte-americana, mas acentuar ainda mais a luta antirracista e o seu apoio irrestrito ao movimento pelos direitos civis ao final daquela década. Nesse sentido, uma das canções mais emblemáticas de The Clown,é “Haitian fight song”, que o próprio Mingus assim definiu na contracapa: “eu diria que esta música carrega um sentimento folk bem contemporâneo. Meu solo ao contrabaixo é profundamente concentrado. Não consigo tocar essa canção direito, a menos que esteja pensando o preconceito, o ódio e a perseguição e como isso é injusto. Há tristeza e choro nisso, mas também há determinação”. O registro dessa sessão ficou a cargo e Charles Mingus (baixo), Shafi Hadi (sax alto), Jimmy Knepper (trombone), Wade Legge (piano) e Dannie Richmond (bateria).

“Haitian fight song” umas mais emblemáticas canções de protesto de Charles Mingus, registrada no álbum The Clown (Atlantic, 1957).

De 1957 em diante a veemência de Mingus no campo político foi se acentuando cada vez mais. O seu engajamento na luta contra o racismo se tornou parte fundamental da sua obra e do seu processo criativo. Em entrevistas concedidas, em aberturas de festivais e em performances com os demais músicos de sua banda, Mingus externava claramente sua posição política, o que fazia dele também um artista censurado pelas grandes gravadoras. Um exemplo disso, foi a composição “Fables os Faubus”, registrada em 1959 pela Columbia Records e depois uma segunda versão registrada pela Candid. Essa composição fazia menção direta a Orval Faubus, que em 1957, desrespeitando a Suprema Corte do EUA, impediu que estudantes negros frequentassem a Little Rock Central High School (Arkansas), como parte de sua política segregacionista. Houve repercussão internacional do caso, que levou a um confronto direto de Faubus com o então presidente Eisenhower. O episódio resultou também numa série de intervenções de intelectuais e artistas contra Faubus e levou Mingus à elaboração de “Fables of Faubus”, uma composição satírica e cáustica na qual descreve o governador como um idiota e ridículo. Registrada no álbum Charles Mingus Presents Charles Mingus (1960), a sessão traz Mingus (contrabaixo), Ted Curson (trompete), Eric Dolphy (sax alto) e Dannie Richmond (bateria), como se ouve abaixo:

“Fables os Faubus”, versão registrada pela gravadora Candid, em dezembro de 1960.

Essa versão mais politizada de “Fables of Faubus” foi proibida pela Columbia Records, que seria gravada no álbum Mingus Ah-Um (1959). Ainda que a grande gravadora tivesse se recusado a gravar, isso não impediu Mingus de recorrer a uma pequena gravadora, a Candid, para gravar a versão que ele considerava mais adequada ao contexto da sua luta política. Aliás, desse momento em diante muitos artistas começaram a falar mais abertamente sobre a discriminação racial nos EUA através de suas composições e, sobretudo, os músicos do free jazz aderiram a essa proposta que visava liberdade estética, mas sobretudo liberdade política. Por seu turno, desdenhavam e desprezavam o jazz mais comercial e reivindicavam que músicos e compositores tivessem maior controle sob seu próprio trabalho de criação – coisa que Mingus já realizava desde 1951 quando havia criado a Debut Records.

Versão de “Fables of Faubus” registrada pela Columbia, na qual as menções ao governador Orval Faubus foram suprimidas da letra escrita por Mingus.

De fato, a irrupção das lutas sociais e políticas contra a segregação racial esteve associada a outros tantos fatores que se apresentaram ao campo musical, no final da década de 1950 nos EUA. Além deste aspecto relativo ao conteúdo das obras jazzísticas, houve também – conforme apontamos no processo de desenvolvimento do repertório de Charles Mingus – uma abertura maior para pensar a forma musical para além dos limites da padronização do standard. Além das experiências com o atonalismo, uma concepção rítmica inovadora (com mudanças de tempo e compasso), a dissolução da métrica, da batida e da simetria foram elementos que revigoram a composição no campo do jazz e ampliaram seus horizontes. No caso de Mingus, particularmente, essas associações acrescidas da busca por uma identidade, uma tradição e uma oralidade da cultura africana, levaram sua música a experimentações que ao mesmo se inserem no cenário do free jazz, mas também recompõem uma musicalidade originária, como um arqueólogo que constrói seu objeto de pesquisa a partir da coleta de fragmentos fósseis. Como escreve Joachim Berendt, “Mingus, quem chamou o jazz de ‘música clássica negra’, teve uma consciência especialmente aguda da tradição musical negra e, na verdade, viveu esta tradição. […] Mais que nenhum outro músico abriu o caminho às livres improvisações coletivas do novo jazz”.

Um dos registros mais efusivos de Mingus sob essa perspectiva se deu em 1960. Quando retornou à Atlantic Records produziu o álbum Blues and Roots, justamente reforçando essa premissa de busca das tradições, mas sem secundarizar um aprimoramento da forma musical mais livre e espontânea possíveis. Desse álbum, a composição “Wednesday night prayer meeting” talvez seja um dos registros mais singulares que sintetiza a proposta mingusiana de reconstruir os elementos da tradição (sugerindo o cenário de um encontro de oração de quarta-feira à noite), emulado pelos seus aspectos mais rústicos, mas sem desconsiderar a pesquisa formal capaz de transmitir esse conteúdo da maneira mais autêntica possível. Na sessão registrada ao vivo no Festival de Antibes (França, 1960), “Wednesday night prayer meeting” é executada por Mingus (contrabaixo), Ted Curson (trompete), Booker Ervin (sax tenor), Eric Dolphy (sax alto) e Dannie Richmmond (bateria). Sua atmosfera parece remontar, concomitantemente, a experiências de criação coletiva proposta por Mingus, um apelo à liberdade dos músicos no interior da peça que, apesar de coletiva, não prescinde do elemento individual representado pelo solista em cada instrumento. Também o ambiente do culto religioso transborda nos 12 minutos de improvisação, na “fala” de cada um dos instrumentos/solista. Com especial destaque ao solo de Eric Dolphy ao sax alto (aos 5min e 11 segs), quando o grupo parecer ter alcançado seu momento de transe mais profundo de “oração”. Essa sessão possui elementos tão marcantes do free jazz, na sua relação com as tradições negras seculares e religiosas, que parece adiantar outra experiência também fundamental que foi A Love Supreme, de John Coltrane, gravado em 1965.

Wednesday Night Prayer Meeting” executada por Mingus e banda no Festival de Antibes, em 1960. Uma das sessões que sintetiza o projeto mingusiano de criação coletiva, recomposição das tradições musicais negras e a ampliação da liberdade formal no jazz.

Por fim, vale dizer que a música de Mingus devolveu ao jazz o sentido da improvisação coletiva. Sobretudo depois do swing, a improvisação do solista era considerada resultado de um isolamento produzido pelo acompanhamento rítmico. Com Mingus e suas jazz workshops, a improvisação volta a ser coletiva num grau que se desconhecia mesmo nos dias de jazz de New Orleans, como frisou Joachim Berendt. Um processo criativo que desvelou não apenas uma nova forma de conceber a música, mas a sociedade que reverbera essa mesma sonoridade. Não à toa, conclui Berendt, que os revolucionários álbuns de Mingus tenham sido gravados nos final da década de 1950, ou seja, precedendo o despertar de consciência política e social da década seguinte.


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