“Estar perto de Fernando Karl era uma festa do amor e do intelecto”

Na segunda (16), o poeta faleceu em Curitiba, após uma parada cardíaca

“Perdemos um multiartista, uma máquina de inventar coisa nova. A cabeça dele não parava um segundo, coisa de outro mundo. Estar perto de Fernando Karl era uma festa do amor e do intelecto”, fala o escritor e tradutor catarinense Vinícius Alves. Na voz, há um misto de espanto e encantamento. Ontem, ele e os amigos foram pegos de surpresa pela notícia do falecimento do poeta Fernando Karl, aos 60 anos, vítima de uma parada cardíaca. 

O comunicado veio junto com uma torrente de boas memórias. “A gente se conheceu moleque, há mais de 40 anos. Ele era um cara extraordinário que trabalhava no jornal A Notícia de Joinville – e começou a insistir para que eu escrevesse também. Encheu a minha paciência até eu aceitar, rs. Foi uma experiência maravilhosa, fiquei dois anos e meio publicando todas as segundas.”

Histórias como essa não são raras. Fernando Karl foi um cara pra lá de produtivo e incentivou muita gente a criar também. “Jornalista, escritor, dramaturgo, roteirista de cinema, músico, artista plástico, professor e descobridor de talentos. Muita gente deve ser escritor e pintor por causa do Fernando. Com ele não tinha água parada. Apesar da mansidão. Ele não era um cara esporrento, sabe? Era tímido como um monge zen, mas as ideias, a maluquice… Ele botava todo mundo pra fazer as coisas sem mover um dedo.”

Vida e obra

Fernando José Karl nasceu em Joinville, no dia 4 de fevereiro de 1961. Segundo os amigos, perdeu os pais muito cedo e passou a viver com a avó em São Francisco do Sul. “Morei um mês com ele na casa da avó, que havia pertencido ao Padre Canísio. Fica ao lado do hospital, no alto de uma colina e com uma vista deslumbrante da Baía da Babitonga. Nesse período travamos altas conversas sobre arte, poesia e vida”, relembra o escritor Rodrigo Garcia Lopes.

A vista da casa da avó, onde Fernando morou durante 30 anos. Foto: reprodução/Facebook

Eles se conheceram na década de 1990, quando Fernando editava o suplemento de cultura Nicolau, em Curitiba, ao lado de Wilson Bueno. “Depois eu fui trabalhar no caderno Anexo do jornal A Notícia, de Joinville, em 1996. Fiquei um ano e, antes de sair, sugeri ao Joel Gehlen que chamasse o Fernando para minha vaga. Ele foi.”

Anos depois, Karl voltou para Curitiba, onde morou até o fim da vida. Entre idas e vindas, escreveu muito. Publicou Brisa em Bizâncio (poemas, 2002) e O livro perdido de Baroque Marina (romance, 2010, Prêmio Cruz e Sousa), só para citar alguns destaques. “O Fernando criou um trabalho próprio entre os escritores de sua geração, e é considerado um dos poetas mais importantes que Santa Catarina gerou”, elogia o amigo.

Despedidas

“O Fernando era um cara de uma sensibilidade à flor da pele, criativo, produtivo, altamente lírico, mas sem jamais se descuidar do trabalho de linguagem, dessa arte de palavras que é a poesia. Lia uma barbaridade, e ia transfigurando essas leituras em seu trabalho. Era um poeta em tempo integral e também um excelente pintor. Era muito emotivo e sempre, nas vezes em que o cruzei, o achei meio atormentado. Apesar disso, era engraçado e tinha muito senso de humor”, conta Lopes. “Sua morte inesperada foi um baque para todos. Vai fazer falta.”

O escritor Fábio Brüggemann, que apresentou Fernando a Vinícius nos anos ‘90, também prestou suas homenagens dizendo que o amigo “escrevia para não morrer, ao mesmo tempo que parecia morrer a cada suspiro de indignação por não compreender o que, afinal, era ser e existir”. Num desabafo, ele comentou que Fernando escrevia de forma compulsiva. “Algumas vezes, discutimos por conta dessa compulsão, porque eu dizia que era inevitável a tautologia. Mas ele respondia que a morte era tautológica”.

“Não acredito em nada que seja metafísico. A vida é água, curta, passageira, e não vou aqui dizer que ele estará em outro plano, e estas coisas todas. Morreu, e pronto, acabou, se foi, apesar dele mesmo dizer que era impossível que fosse só isso. Talvez nossa amizade tenha se pautado o tempo todo por este descompasso entre um ateu e um poeta quase místico”, escreveu Brüggemann.

Em suas belas palavras, ficam os escritos de Fernando Karl. “Os quais, muitos deles, me pedia que tirasse os excessos. O Fernando era indomável. Ninguém lhe tirava o excedente. Só a morte mesmo.” 

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