O que significa militarizar 200 escolas?

Especialistas em Educação avaliam como será a gestão compartilhada com militares em 10% das escolas públicas do Paraná

A Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP) aprovou, em caráter de urgência, um projeto de lei do governador Ratinho Jr. (PSD) que visa militarizar 200 escolas públicas do Paraná – número que corresponde a pouco mais de 10% do total. Na última terça (29), a redação final foi encaminhada para sanção do próprio Governo do Estado.

A proposta está alinhada ao “Programa Cívico-Militar” do Ministério da Educação, que permite a participação de militares na gestão educacional, didático-pedagógica e administrativa das escolas. O objetivo seria “promover a melhoria na qualidade da educação ofertada no Ensino Fundamental e Médio”.

“A implantação será de escolha livre da comunidade escolar por meio de consulta pública, em municípios com mais de 10 mil habitantes e que tenham ao menos duas escolas estaduais na área urbana; e em colégios com vulnerabilidade social, baixos índices de fluxo e rendimento escolar e que não ofertem ensino noturno”, informa a Assessoria da ALEP.

A proposição garante que o modelo irá respeitar a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber”, o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” e o “respeito à liberdade e apreço à tolerância”.

Como será na prática?

Entidades ligadas à Educação vêm se manifestando contrárias ao projeto. Professores e profissionais da área adotam o mesmo posicionamento – e o Plural ouviu três deles para entender o porquê.

O professor Rafael Ginane Bezerra é pós-doutor em Educação e está vinculado ao Departamento de Teoria e Prática de Ensino (DTPEN) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Perguntamos a ele quais seriam as implicações práticas de militarizar 200 escolas – e ele apontou pelo menos seis consequências desastrosas dessa política que considera “simplista, demagógica e populista”.

“Para começar, implantar esse projeto significa ignorar toda uma política de Estado que foi construída progressivamente ao longo de mais de duas décadas”, começa. “Ou seja, investir em algo que não foi planejado é jogar dinheiro público fora.”

Segundo ele, será instituída, dentro da gestão de recursos destinados à Educação, uma lógica que “não prevê controle público do investimento”, com distribuição de verba desigual – e sem nenhum critério pactuado previamente.

Outro problema seria levar para dentro da escola pessoas que não têm formação na área da Educação, reduzindo o espaço dos professores. “Os militares possuem uma visão institucional daquilo que chamam de: ordem, disciplina e hierarquia. Isso é compatível com o ambiente castrense da instituição militar, mas não dialoga com o universo da Educação”, defende. 

Foto: CMP

O quarto ponto mencionado por Bezerra é a evasão escolar. “A lógica militar de igualdade não tolera a diversidade. O diverso é concebido como uma espécie de afronta à ordem, por isso precisa ser domado e até excluído. Um dos principais fatores que gera evasão escolar, que é o problema da inclusão, será potencializado.”

Em outras palavras, na visão do professor, alguns alunos serão “condenados ao fracasso escolar”. “Não podemos associar o desempenho do aluno à obediência. A gente sabe – por uma série de pesquisas realizadas ao longo da história – que existem alunos que são extremamente habilidosos para desenvolver suas competências em ambientes mais plurais.”

Por fim, Bezerra pontua sua preocupação com os reflexos dessa Educação na sociedade. “Serão formados indivíduos vocacionados ao autoritarismo, que passarão a reproduzir um tipo de mentalidade que deveria ser utilizada em última instância. Assim o controle militar deixa de ser última instância para se tornar primeira escolha.”

Preconceito e desigualdade

“Ao colocar prioridade sobre escolas em comunidades pobres, o projeto relaciona indevidamente pobreza e violência e denota uma forma preconceituosa com relação às pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social, sobretudo aos jovens”, coloca a professora e doutora em Educação Monica Ribeiro da Silva, que coordena o Observatório do Ensino Médio, grupo de pesquisa da UFPR.

“Sobre o abandono escolar – sobretudo no Ensino Médio, que em torno de 500 mil estudantes evadem já no primeiro ano – é de se perguntar se o papel intimidatório da presença de militares nas escolas não se tornaria indução ao abandono, especialmente na periferia”, reforça a especialista.

A professora Giselle Corrêa, doutora em Educação, acrescenta: “Muita gente diz que as escolas militares poderiam resolver a questão da violência em territórios mais vulneráveis, mas isso não é verdade, porque a violência não é da escola. A escola apenas reflete a sociedade. É de fora pra dentro e não o contrário.”

Para a educadora, essa tentativa de disciplinar os alunos denota um desejo comum dos governos totalitários. “Eles querem igualar a população, deixá-la sem espaço para a diversidade e para o pensamento crítico. A tatuagem, o piercing e o cabelo black com certeza serão restringidos.”

Monica também fala em “segregacionismo” no projeto de lei, já que ele isola algumas escolas da totalidade do sistema escolar, “o que contraria os dispositivos constitucionais da igualdade e equidade”. 

Trauma da ditadura

“Como educadora, eu vejo esse projeto como um retrocesso”, diz a doutora em Educação Giselle Corrêa. “É um passo pra trás, pra década de 70, quando o regime militar não estava posto diretamente nas escolas, mas era refletido na forma rígida de disciplina, na forma conteudista de trabalho, no tecnicismo, naquele olhar para a educação profissional sem pensar no cidadão em sua integridade.”

Para ela, fica difícil não relacionar a medida à ditadura militar. “A gente ainda tem um trauma muito próximo da ditadura. Não temos outra referência pra dizer como isso se daria hoje. É uma escola do passado, que pune, que vigia… E temos lutado muito pra que isso não exista mais”, conclui.

Foto: CMP

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8 comentários em “O que significa militarizar 200 escolas?”

  1. Cabe um esclarecimento. A grande maioria confunde Escolas Militares com Colégios Militares. Colégios Militares assemelham-se aos Colégios Civis, tem professores e equipes pedagógicas formadas por militares e civis com formação específica. Escola Militar destina-se a formar militares exclusivamente para a carreira das armas. Nestas escolas todo o processo de ensino-aprendizagem é voltado para a arte da guerra. As Academias Militares por se tratarem de curso superior possuem em seus quadros professores militares e civis. A característica comum a todos é o comportamento de alunos e professores, baseados na hierarquia e disciplina, mas principalmente no respeito. Quanto à questão de verbas pode sim haver maior investimento, porém o que não se fala é o cuidado com o patrimônio público que NÓS militares temos. Não vemos este mesmo cuidado em algumas escolas “civis”, seja por parte de professores, e principalmente por parte de alunos. Escola Cívico-Militar, assim como “Quartel” não é reformatório. O que tem de diferente são os valores como civismo, patriotismo, amor à Pátria e ao país. Se você ou seu filho não simpatizam com esses valores, por favor, não matricule ele numa dessas escolas, será muito sofrimento para ele e principalmente para os outros alunos, para a direção da escola, para os professores e para os funcionários. Ah sim, se puder faça de tudo para que ele não preste o Serviço Militar (no caso de ser homem), pois aqui tbem cultuamos os mesmos valores.

  2. Como mencionado pelas entrevistadas, há mais de 20 anos luta-se para que as características do regime militar sejam expurgadas da sociedade, uma vez que vivemos em um regime de liberdade e direitos plenos, na qual o sistema educacional que lutamos para construir seja a base de uma sociedade em que o respeito e aceitação do outro, seja ele quem for, prevaleça; inclusive quando se fala em respeito ao ambiente que nos fornece os meios de subsistência.
    Militarizar as escolas em uma sociedade em que os pais não conseguem mais ter o respeito de seus filhos pois não conseguem fazer frente ao meio em que estão inseridos é, tão somente, aumentar o problema e jogar para dentro das casas das famílias com menos recursos pessoas treinadas para darem e executarem ordens a qualquer custo e não promover a integração de saberes num mundo que pede, cada vez mais, pessoas que tenham visão global do entorno em que se encontram.
    Será que é isto que queremos?
    Será que é isso

    1. Bom dia pluralidade é isto, ter também escolas com gestão militar, opta quem quiser, mas lhe garanto que vai ter mais pessoas procurando do que vaga, então lhe pergunto “não é isso que queremos”, “cara pálida”.

      1. “opta quem quiser”, até parece
        Nem os alunos nem os professores das 200 escolas poderão escolher, e terão que aceitar essa medida autoritária e chucra sem qualquer discussão

          1. Tem consulta. Mas os detalhes estão camuflados. Não falam os pormenores para a comunidade. Ela “assina papel em branco”. É uma armadilha!

  3. Queria saber o que é CMP? Porque o nome é CMC, Colégio Militar de Curitiba. Segundo, usar fotos do CMC nessa matéria não foi uma boa escolha. As escolas civis militares serão dirigidas pela Polícia Militar e não pelo Exército. Além disso, os Colégios Militares do Exército são excelência em educação por uma série de fatores que nada tem a ver com os colégios propostos atualmente, como 50% de hora atividade, tempo de pesquisa e seleção dos alunos através de provas.
    No mais, triste essa realidade que está se impondo

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