“A professora da minha filha é lésbica e o professor de meu filho é gay. Nenhum dos dois acredita em Jesus como salvador. Eu não quero meus filhos andando com essa gente. Então vou ensinar em casa”, diz um pai, na internet, ao comentar sobre o Ensino Domiciliar, modalidade não autorizada no Brasil, mas defendida também pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Com seu apoio, e o da bancada conservadora no Congresso, a tentativa de regulamentar o Ensino Domiciliar, ou ‘homeschooling’ – apresentada em diversos Projetos de Lei (PL) nas últimas duas décadas – promete sair do papel em breve.
A nova movimentação vem com o parecer da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados sobre o PL 3179/12 do deputado Lincoln Portela (PL-MG). Quase dez anos depois, o texto ganha um substitutivo e apoio no Congresso. A proposta tem como relatora a deputada paranaense Luísa Canziani (PTB) e visa regulamentar a modalidade, criando regras para o ensino domiciliar, que mesmo não reconhecido já é adotado por 15 mil famílias no país, segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED).
A ideia, segundo a deputada, é garantir o direito dos estudantes e o dever dos pais. Para isso, a criança precisará estar vinculada a uma escola, que fará a validação e o monitoramento do plano pedagógico, além de uma prova anual.
O PL é defendido pela base de apoio de Bolsonaro, especialmente pela bancada evangélica, que vê na educação formal um “perigo” para a perpetuação de seus “valores cristãos”. Segundo os apoiadores, o projeto permite que os pais escolham como querem educar seus filhos e evita a criminalização de famílias que já praticam a atividade no país. Além disso, “preserva valores morais, culturais, ideológicos e religiosos, reduz a exposição do aluno a drogras, bullying e sexualidade precoce”, permitindo horários flexíveis e atenção diferenciada.
Contra
A modalidade, no entanto, é criticada duramente pela oposição e pela maioria dos educadores por dificultar a socialização dos alunos, impedir o contato com diferentes pensamentos, aumentar a exposição à violência doméstica e desconsiderar a formação pedagógica, além de seu alto custo.
“Isso é um retrocesso enorme em termos civilizatórios, porque estamos deixando de discutir a necessidade de escola boa para todo mundo para discutir o privilégio de manter os filhos em casa, a salvo de tudo e todos. É um clima de ‘cada um por si e salve-se quem puder’”, aponta a doutora em Educação, Claudia Silveira Moreira, professora e pesquisadora do Núcleo de Políticas Educacionais (Nupe) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Segundo ela, o PL visa “atender a uma minoria de famílias que vê a escola como um mal a ser combatido e que tem recursos pra bancar tutoria doméstica”.
Além do projeto no Congresso Federal, há propostas semelhantes tramitando na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) e na Câmara de Vereadores de Curitiba.
Pontos principais
*A modalidade será opcional aos pais;
*O estudante precisa estar vinculado, ou seja, matriculado em uma escola regular, ainda que não a frequente;
*Um dos responsáveis precisa ter Ensino Superior, em qualquer curso, ou contratar professor com a qualificação;
*Ambos precisam apresentar declaração de antecedentes criminais;
*Registro constante das atividades pedagógicas e envio à escola vinculada;
*Participação do estudante em avaliações nacionais, estaduais e municipais;
*Todo o processo terá acompanhamento e supervisão da escola;
*Os conteúdos curriculares seguirão os propostos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC);
*O aluno deve ter garantida sua convivência familiar e comunitária;
*Encontros semestrais entre as famílias que praticam a modalidade para troca de experiências e criação de vínculos.