Baseada em delações, decisão que prendeu Beto beira o manifesto

A decisão que mandou o ex-governador tucano Beto Richa nesta segunda-feira se apoia acima de tudo em delações premiadas e em atos que podem ou não ter sido feitos de má fé. A prisão preventiva, decretada pelo juiz Fernando Bardelli […]

A decisão que mandou o ex-governador tucano Beto Richa nesta segunda-feira se apoia acima de tudo em delações premiadas e em atos que podem ou não ter sido feitos de má fé. A prisão preventiva, decretada pelo juiz Fernando Bardelli Silvas Fischer, da 9ª Vara Criminal de Curitiba, também tem um tom que beira o manifesto político, em defesa do encarceramento de criminosos do colarinho branco.

Há vários pontos que vêm sendo debatidos pelo Direito brasileiro, principalmente depois do surgimento da Lava Jato, e que provavelmente levarão a decisão de Fischer a ser derrubada rapidamente pelas instâncias superiores. O principal ponto é a aparente fragilidade dos elementos exigidos pela lei penal para que alguém seja detido antes do final do processo.

No caso de Beto, além da “conveniência da instrução penal”, algo que é bastante subjetivo, é difícil ver quais outros fatores poderiam levar à prisão preventiva. Há uma indicação de que Beto teria tentado coagir Maurício Fanini a não entregar provas. Mas Fanini já entregou as provas e fechou delação: como isso poderia ser um problema agora?

O segundo elemento encontrado pela promotoria e aceito pelo juiz é a garantia da ordem pública. E aqui, além de subjetivo, o argumento é perigoso. Delineado como foi pelo juiz, isso pode querer dizer que basta a vontade popular de que um polítrico seja preso (além de uma fumaça mínima de boa justiça) para que se decrete sua prisão.

O texto de Fischer tem textos que vão claramente nessa direção. A partir da página 14, quando começa a falar da sensação de que só pobres vão presos no Brasil, a impressão é de que o juiz passa a querer justificar a prisão de criminosos do colarinho branco ainda que isso não esteja estritamente de acordo com a letra da lei.

O trecho começa com a descrição de um quadro:

“O quadro intitulado “ocultos em cárcere”, da jovem artista curitibana Maria Cecília Tucunduva, traz a imagem de três garis sem face, vestidos com seus uniformes alaranjados. A crítica social presente na obra faz referência ao paradigma da cor laranja, também presente nos uniformes dos presidiários, que é utilizada pelas classes dominantes como meio de despersonalizar os oprimidos.

A associação das prisões às pessoas de baixa renda não é sem propósito, trata-se de uma inconveniente realidade facilmente constatável por qualquer pessoa que tenha a mínima noção de como se opera o sistema prisional.”

A seguir, Fischer diz que a tese de que só se podem punir crimes na época em que eles acontecem, e não depois, é o grande motivo da impunidade no país. Portanto, se opõe a essa teoria. Muito bem. Mas há mais. Para ele, é preciso que o Judiciário não se contente em ser um poder contramajoritário.

Epa, espera. Contramajoritário é palavra não só bonita como de respeito. Significa basicamente que a Justiça não pode se deixar levar pelos humores da turba. O povo elege governantes e Parlamento, mas os juízes têm que resistir ao populismo. Ou não?

Fischer diz que o Judiciário tem de atender às expectativas da população, sob pena de apenas reforçar a ideia de que só pobres vão presos e de que governantes ficam impunes.

Por exemplo:

“As manifestações a favor da liberdade de políticos acusados de graves delitos de corrupção, apoiadas no discurso da função contramajoritária do Poder Judiciário na defesa dos direitos fundamentais, esconde interesses escusos de manutenção do poder e favorecimentos pessoais. As tentativas de retirar o caráter democrático do direito, ignorando a necessidade de um consenso refletido pela população e concebendo-o como um saber hermético só acessível a uma elite cultural, retiram toda a legitimidade e validade da decisão judicial.”

Ou:

“Qualquer resposta ou medida que não seja a decretação da prisão dos Investigados implicaria no total descrédito do Poder Judiciário frente aos cidadãos e, consequentemente, na confirmação de que o sistema criminal em nosso país só alcança pessoas de baixa renda.”

Embora a intenção seja boa – evitar a impunidade – esse tipo de pensamento se aproxima de um perigoso populismo do Judiciário. Isso pode levar inocentes à prisão somente porque a opinião pública não compreenderia que a Justiça precisa seguir certos procedimentos.

No caso de Richa, é provável que ele saia condenado. Mas as provas contra ele ainda parecem bastante circunstanciais. Houve o desvio de verbas, claro. E ele assinou os aditivos das obras. Mas o que liga uma coisa à outra (além do instinto, da convicção que cada um possa ter) são as delações premiadas. Nada mais.

Pau que bate em juiz de Chico tem que bater em juiz de Francisco. No caso do tríplex, este blog apontou que não via provas suficientes para a condenação. A decisão contra Beto Richa vai no mesmo caminho.

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