Conservadora? Empreendimentos gastronômicos de esquerda bombam em Curitiba

Na contramão do cânone do mercado, o posicionamento político tem gerado bons resultados para os negócios curitibanos

A polarização política que tomou conta do país a partir de 2018 levou empresários de Curitiba, historicamente considerada uma cidade conservadora, a usarem seus negócios como palanques para pautas e candidatos da esquerda.

De acordo com Achiles Junior, professor de Marketing na Uninter, cerca de 80% dos consumidores brasileiros dão preferência para comprar em empresas que se alinhem aos seus valores.

Dados da Accenture Strategy, de 2019, aumentam a percepção. Um estudo chamado “Global Consumer Pulse” aponta que 79% dos consumidores brasileiros querem que as marcas se posicionem politicamente e ideologicamente sobre temas importantes como Direitos Humanos ou meio ambiente.

“A partir da pandemia as marcas começaram a ser mais cobradas para se posicionar sobre questões sociais e voltadas para a política, mas é preciso ter cautela. Uma coisa é a Havan, que é uma marca nacional e atinge uma fatia grande de mercado, se posicionar. Isso pode prejudicar pequenos negócios se for feito de forma equivocada”, pondera o especialista.

Em Curitiba uma história que repercutiu nas redes sociais foi a de Giovanna Lima, do Bek’s Bar, que fica no Água Verde. Um post no Twitter tem mais de 39 mil curtidas. O texto, escrito em primeira pessoa, diz que a proprietária prefere “falir com dignidade que ir contra meus princípios” e termina afirmando que afastar clientes fascistas é um livramento.

O Bek’s atualmente é um reduto da esquerda curitibana e a casa está sempre lotada. Antes disso, o estabelecimento pertencia ao pai de Giovanna, que infelizmente faleceu. “Quando assumi foi muito difícil. Muitos clientes machistas, homofóbicos, racistas. Quando eu ia servir as mesas sempre tinha algum comentário [por ser LGBTQIA+] e o que eu fiz [no Twitter] não foi planejado, não. Foi mais um desabafo”, revela.

O fato é que, embora Curitiba tenha fama de conservadora, após a publicação o bar atraiu muitos clientes que se alinham ideologicamente com a esquerda. Neste período eleitoral quem vai ao Bek’s inclusive pode adquirir camisetas com a estampa do ex-presidente Lula (PT) e degustar a “pinguinha comunista”.

Outro estabelecimento que repensou as bandeiras foi o Bar do André, que fica na Trajano Reis, no São Francisco. André Fernandes da Rosa é professor de formação e assumiu o bar em 2019. Já neste período adotou uma postura mais progressista no estabelecimento, que chegou a afastar alguns clientes, mas não impactou nos negócios. “Tinha um cliente em específico, que é até meu amigo, mas que ligou e disse que se eu continuasse assim, com esses posicionamentos, não viria mais aqui. Mas acho a gente tem que se posicionar diante dessas barbaridades que estão acontecendo”, pondera.

Gabriel Castro, d’O Pão que o Viado Amassou | Alexandre Mazzo/Divulgação

O risco de perder clientes existe, mas também há uma possibilidade de segmentar o negócio. No Bar do André, por exemplo, candidatos podem deixar santinhos políticos, mas só se forem progressistas. “Outro dia veio uma moça aqui deixar os santinhos, mas era do Bolsonaro (PL). Aí pedi para não deixar. Ela insistiu e deixou, aí eu joguei fora”.

O especialista em marketing Achiles Junior explica que atender nichos específicos pode ser benéfico para as empresas, se feito de maneira correta. “O que acontece nesse caso é que eles nicharam o negócio. Quem é mais conservador não vai lá ou já vai sabendo que a empresa defende tais bandeiras. Isso é positivo porque, pensando aí na polarização, metade dos clientes é de direita e metade é de esquerda. Ou seja: todo esse espectro de esquerda pode ser atingido por esses estabelecimentos”.

LBGTQIA+

Além dos posicionamentos políticos ou partidários, defender causas de Direitos Humanos também parece ser um bom negócio na capital. Um dos casos mais emblemáticos é da padaria “O Pão que o Viado Amassou”, que fica na avenida Presidente Getúlio Vargas, no Rebouças.

O nome é uma referência ao público LBTQIA+ e o cardápio inclui “kit gay” e muitos produtos com purpurina. “[O posicionamento] já era uma condição para o negócio existir. E aí não pode ser só uma fachada, é preciso ter movimentação social, trabalhista [o local emprega pessoas LGBTQIA+] para além de uma política institucional”, explica um dos sócios, Gabriel Castro.

Na hora de pagar, por exemplo, há combos que saem por R$ 13 e outros por R$ 16,99. “Não é sobre em quem votar é sobre em quem não permanecer”, defende o empresário.

Conforme Castro quem vai até a loja já sabe qual são os valores, que também são compartilhados pelos funcionários. Este é um ponto primordial para que o posicionamento não passe de ‘lacração’.  “O que não pode acontecer confundir o CPF com o CNPJ, ou seja, posicionamentos pessoais com posicionamentos da marca. Voltemos ao caso da Havan. O Luciano Hang é amigo do presidente Bolsonaro e é uma empresa grande, mas em empresas menores, visão, valor e missão precisam estar muito claros. Não é raro vermos empresas se posicionando só porque estão todos pedindo, mas na realidade não fazem o que estão dizendo”, menciona o professor da Achiles.

Bar do André recebe evento do candidato Renato Freitas, do PT | Foto: reprodução redes sociais

Na rua Jaime Reis, no Largo da Ordem, está o Folia Bar. Grande parte do público é LGBTQIA+ e quase a totalidade de esquerda. O bar também reúne apreciadores de música brasileira e na decoração deixa bem evidente esses valores.

“A gente tem mesmo que se posicionar não só porque nosso público espera isso, mas porque é necessário. Inclusive foi uma coisa muito natural. Não abrirmos o bar pensando em atrair esse público em específico [LBGTQIA+ e pessoas de esquerda], o que aconteceu é que aqui respeitamos a diversidade, a pluralidade e a democracia, então os clientes que também têm esses valores foram chegando”, lembra Luiz Herman.

Ideologia

“Eu acredito, principalmente como empresária, que atualmente não existe mais ficar em cima do muro, embora haja separação entre o a pessoa física e o jurídico”, explica a publicitária e mercadóloga Samantha Oyama.

O nome já deixa bem claro qual o posicionamento do espaço cultural Rua Pagu, que fica no Juvevê, na Alberto Bolliger. A escolha do nome remete à jornalista Patrícia Galvão, militante comunista da política brasileira. Além disso, o bar também levanta da bandeira LGBTQIA+ com destaque às mulheres lésbicas.

O bar fará 4 anos justamente em outubro, quando ocorrem as eleições. Desde 2018 candidatos e candidatas progressistas podem usar o espaço para apresentar as propostas e neste ano não é diferente. Já houve eventos de candidaturas que defendem pautas raciais e feministas, por exemplo.

Para uma das sócias do local, o compartilhamento de valores similares e proporcionar segurança às pessoas também é uma forma de conscientizar a sociedade. “O conforto da inércia não nos cabe mais. Vivemos um tempo em que a ação é pressuposto de sobrevivência para lutarmos contra um sistema opressor e violento. hoje não se posicionar é alimentar o sistema opressor. Penso que por me encontrar em alguns pontos de privilégio por ser uma pessoa branca vinda de uma família de classe média, esse é o mínimo do mínimo que posso fazer”, defende Fabi Nespolo, uma das sócias do Rua Pagu.

Em homenagem ao Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx, nasceu o Manifesto Café. Entre bandeiras do MST, foto de Marielle Franco e líderes comunistas, o estabelecimento fica na avenida Silva Jardim, no Rebouças.

“Às vezes entra alguma pessoa aqui que não conhece, mas logo vê as bandeiras e já sabe qual o nosso posicionamento. Também acreditamos que há clientes que vêm pela qualidade”, salienta Rafael Suzuki, um dos sócios.

*Colaborou Andrea Torrente

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13 comentários em “Conservadora? Empreendimentos gastronômicos de esquerda bombam em Curitiba”

  1. O Fuga Café, próximo ao Shopping Mueller, também oferece conforto político, além de um excelente brunch nordestino, com direito a refil de café especial capixaba.

  2. Ótima matéria. Moro em uma cidade progressista, capital do Texas (isso mesmo, progressista e Texas na mesma sentença!), e sempre que vou à Curitiba visito a Rua Pagu. Se fosse para não estar à vontade iria a algum outro local bobo da cidade. São muitos. Rua Pagu é diferente. Em minha próxima ida ao Brasil visitarei os outros locais da matéria. PS: interessante é que os locais citados sobreviveram à pandemia não por estímulo ao empreendedorismo do pequeno negócio, mas ao entusiasmo e garra de seus proprietários. Coisa que o tal do “Hang” nunca entenderá.

  3. Ótima matéria, informativa e elucidativa. O Plural, como sempre, mostrando o óbvio que nem todos querem ver. Parabéns Plural, parabéns Aline, parabéns Andréa.

  4. Libia Patricia Peralta Agudelo

    Adorei esta matéria que valoriza esses locais e seus donos. Conheço e frequento a maioria, vou conhecer os outros que ainda não frequento. Todos tem excelente qualidade de comidas e bebidas, e além disso, a conversa com donos, funcionários e outros clientes é magnífica. Fico feliz de termos esses locais em Curitiba, e o melhor é que esses locais encontro pessoas de todas as idades!

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