Viva e pulsante, Roseane Santos lança “Fronteiriça”, seu primeiro disco solo

Trabalho é a celebração de 18 anos de música da cantora carioca radicada em Curitiba

Roseane Santos é considerada uma “entidade acessível” do cenário musical curitibano. Carioca de nascença, foi em Curitiba que, nos últimos 18 anos, ela se profissionalizou como cantora e criou em torno de si uma rede afetiva de artistas e admiradores de seu trabalho. Agora ela se desnuda em seu primeiro disco solo, o aguardado “Fronteiriça”, com lançamento nesta segunda-feira (27).

O álbum – que começou a ser produzido em fevereiro de 2019 e foi finalizado no mês passado – tem dez músicas, sendo sete composições próprias ou parcerias. As demais são assinadas por amigos como o poeta Francisco Mallmann e a atriz Leonarda Glück. O trabalho já pode ser ouvido gratuitamente no Deezer e no Spotify.

Aos 54 anos, Rose celebra porque é chegado o momento de compartilhar trechos de seu caderno de escritos e tantos outros de seus mistérios transformados em boa música afro-brasileira. “Sou eu de hoje, viva e pulsante”, diz ela, passeando pelo passado que dá forma ao presente.

Como começa a sua história com a música?

Minha história musical começa lá atrás, ainda no Rio, como estudante de música e musicista amadora. Eu fazia o Conservatório Villa Lobos e cantava no coro da UERJ. Mas não considero profissional porque eu não recebia por esse trabalho. Uma vez a gente recebeu um regente canadense e ele disse: “Sabem qual é a diferença entre vocês e o coro que eu rejo no Canadá? A diferença é que vocês não recebem”.

E de onde vinha o seu sustento?

Como profissão, eu era arte-educadora, dava aulas. 

Quando isso mudou?

Vim a Curitiba pela primeira vez em 2002, quando fiz a Oficina de Música. Foi apaixonante. Fiquei um mês respirando música e achando aquilo muito maravilhoso. Então prestei vestibular para a FAP [Faculdade de Artes do Paraná], passei e, em 2003, já estava morando aqui. Como eu tinha contato com as Noivas de Allfreddo, ingressei no grupo e comecei a cantar, ensaiar, aprender repertório. Tive uma passagem longa pelo Conservatório também. Eu conciliava. No meio do ano de 2003, por convite de uns rapazes da minha sala, fui dar uma canja para uma orquestra de gafieira que já existia há alguns anos, mas que não tinha cantora, que era a Maria Faceira. E lá fiquei oito anos. Gravando disco, DVD, fazendo shows, saindo de Curitiba… Foi essa a transição de uma musicista amadora para uma musicista profissional. Curitiba foi um portal maravilhoso.

E depois você ainda passou pelo Serenô, né?

Sim, começou em 2006, se eu não me engano. Às vezes eu confundo as datas. Mas talvez esse tenha sido o trabalho na noite que me deu maior projeção, porque a gente tocava todo sábado no mesmo espaço, que era a Sociedade 13 de Maio, e não tem como não criar vínculos com a plateia. Era um show a cada sábado. Nunca era uma noite em que se chegava, plugava o instrumento e tocava. A gente sempre tinha um diferencial, fosse um convidado ou tema, um motivo pra festa. Eram noites cheíssimas, tinha gente que ficava pra fora, tinha rodízio de primeiro e segundo tempo…

Parece que Curitiba te deixou à vontade…

Eu confesso que tive algumas crises, no começo, querendo retornar, mas sempre tinha uma coisa que me convidava a ficar. A faculdade, os trabalhos crescendo… E depois eu criei raízes. Tive casa, gatos, casei, descasei e casei de novo. Fiz conexões. Eu trago uma bagagem, mas falo muito do lugar onde vivo. Tem muito de Curitiba no meu trabalho; a minha visão da Curitiba que eu habito, que eu enxergo, com as pessoas que eu convivo. Ao chegar em Curitiba, fui buscando lugares onde eu me sentisse à vontade.

Como boa taurina!

Bem taurina [risos]. Total. Eu continuo indo para o Rio, a minha família está lá. Acho a cidade linda, apesar dos mil problemas. Mas eu sinto muita falta de voltar para Curitiba, para a minha casa, para as relações que eu criei.

Inclusive, me parece que os seus trabalhos também são bastante afetivos. Vejo isso na sua parceria com o Luciano Faccini ou com o Francisco Mallmann, por exemplo. Além de uma intersecção entre artes muito interessante, também tem algo de afeto. 

Sim. Eu tenho um amigo que se chama Graciliano Zambonin, que fez parte da primeira leva do Maria Faceira. Ele é um cara elegantíssimo tocando bateria, sabe? Um moço do interior do Paraná, amante do fandango, muito apaixonado pelo que faz. E uma vez, em viagem, ele falou assim pra mim: “Sabe o que eu entendi, Ro? Que pra fazer música melhor, o ideal é conviver com os seus parceiros musicais”. E eu acho que quando você fala do afetivo, tem a ver com isso. A gente precisa, de fato, estar falando a mesma língua, mesmo que as nossas artes sejam distintas. Quando você cita o Lu e o Mallman, está falando sobre isso. A gente vibra na mesma sintonia. Pensamos coisas parecidas e nos ajudamos no que ainda não nos apercebemos. Eu aprendo muito nessas relações. 

Hoje mesmo eu estava falando com o Daniel D’Alessandro, que também está no disco, e ele me disse que você é uma entidade acessível [risos].

Sim, é uma frase do Klüber [risos]. Muito bom. 

Perguntei a ele o que isso significava. Ele respondeu que, além de experiente e generosa, você não é professoral.

Que ótimo! Eu sou antiga, né? Eu sou do tempo do LP, do tempo em que você achava que quatro era seu número de sorte, porque a música quatro do LP era sempre maravilhosa. Até passar uns anos e você descobrir que a queima do disco, no espaço físico da faixa quatro, é a melhor. É onde se tem os melhores harmônicos. Então os caras pegavam a canção de trabalho e colocavam ali, por isso era sempre maravilhosa. Hoje a gente vai atrás de likes. Eu aprendo muito com a galera sobre as coisas, sobre a vida.

Roseane e banda. Foto: Elenize Dezgeniski

Os músicos que trabalham com você, apesar de serem mais jovens, dizem que você é mais jovem do que eles [risos].

É, a galera fala sobre isso [risos]. Mas eu acho que a música me deu uma coisa, enquanto profissão, que foi não me fechar num lugar de conforto. Eu quero saber o que vem ali à frente, me apaixono pelos músicos que estão aparecendo, quero ouvir o que eles fazem. E se eu puder estar junto, atrair para perto, eu vou fazer. O disco tem muito disso. 

Com toda essa história, por que o seu primeiro disco solo só veio agora?

Eu acho que era o momento em que eu estava preparada mesmo. Eu tentei, não vou dizer que não. Mas eu gosto de grupo, queria isso e dava minha energia pra isso. Depois de um tempo eu parei de insistir, deixei que o disco viesse no tempo dele.

Quando foi isso?

Eu estava começando a colocar os meus materiais para fora de mim e dos meus cadernos. Fiz um show, “O Amor”, com um apanhado de músicas que tinham a ver com a minha história. Eu alinhavava essas músicas com fragmentos de textos meus que falavam sobre o amor entre mulheres. Foi a primeira vez que coloquei os meus escritos para fora. Na sequência, algumas pessoas me disseram: “E aí, vamos continuar?”. O próprio Luciano falou disso. Mas tinha uma coisa ali que, hoje, com distanciamento, consigo ver: de certa forma, era eu resolvendo coisas do meu universo do amor romântico. E eu já tinha resolvido. Então, se fosse para investir em algo, seria num trabalho novo. Aí veio um show que a gente chamou de “Lábia”. Como tenho muito apreço pelas palavras, pelos textos, escolhi a dedo o que ia cantar. O Fronteiriça começa aí. Foi quando dei permissão ao Luciano para olhar os meus cadernos e tirar uma música.

Qual saiu?

“Guelras”. 

Você gostou?

Num primeiro momento, me deu um impacto. O meu texto era muito maior, eu falava mais coisas. Fiquei meio mexida, toda cheia de apegos, mas a música era muito maravilhosa. Eu esqueci o texto e me dediquei à canção. A partir daí, eu, mesmo que timidamente, a cada momento que a gente se encontrava, sentia tanta coragem que passei a mostrar músicas que antes achava tolas. Eles prontamente recebiam aquilo, transformavam musicalmente – porque o meu violão é ridículo [risos] – e ficava um negócio grandioso. Com essa vivência também passei a criar coisas novas. Foi muito bom. Eu me via compondo.

Quais faixas são composições suas?

Três não são composições minhas: “Pedras e escritos” (Francisco Mallmann e Luciano Faccini), “Não obedeço” (texto de Leonarda Glück e canção de Ary Giordani) e “Lábia” (Luciano Faccini e Bia Figueiredo). Sete são minhas, dentre elas parcerias. “Ancestralidade”, “A sereia e a fiandeira”, “Valsa da lua”, “Pequena ladainha de cura” e “Canção praieira” são minhas. “Guelras” é minha com o Luciano; “Pastel na praça” é minha com a Ana Modesto.

O que esse disco traz da Rose?

Eu estou contando a minha história. Falo de mim, dos meus amores, das minhas lutas, das parcerias. Até mesmo nos textos que não são meus, como “Pedras e escritos”, eu me vejo. Ele diz: “Segura pela mão as suas amigas, seus amores antigos e recentes”, e isso é muito de agora. Eu estou numa fase em que estou sendo muito cuidada. 

Pra você, o que significa “Fronteiriça” dando nome ao disco?

Mil coisas. Mas eu prefiro achar que é menos um limite e mais um espaço de conexão. A minha fronteira que encontra a sua fronteira. É uma abertura de caminho, um lugar de liberdade, um lugar de esperança: chegar à fronteira. O disco é cheio dessas fronteiras, minhas e das outras pessoas. 

Como você está se sentindo com o lançamento?

Estou nervosa por conta de estar me cuidando e repousando, por questões de saúde, mas é o que eu posso agora. Apesar disso, estou muito feliz. Quero que chegue dentro dos ouvidos, quero saber como as pessoas vão receber.

Ansiosa?

Eu cheguei a ficar ansiosa, no começo do ano, porque tudo foi atrasando. A gente lançaria de abril para maio, mas veio a pandemia e o tempo virou outra coisa. Não posso dizer nem que ele ficou relaxado, não sei nem se a gente ainda pode chamar de tempo [risos]. Mas eu me abrandei e entendi que não havia motivo para correr, a vida pedia que a gente parasse. E a gente parou tudo. Eu fiquei sem ouvir o disco quase dois meses, pra não ficar com o ouvido viciado.

Está oficialmente fechadinho desde quando?

Há um mês. 

E como decidiram quando lançar?

Aí veio a astrologia [risos]. Vai ser touro? Acho que não dá tempo. Gêmeos? Não sei se eu quero. Câncer? Deus me livre. Leão? Todo mundo disse que seria um disco exibido e eu falei: “Tomara”. 

Está belíssimo e maduro, dos arranjos à sua voz de sereia [risos].

Eu costumo dizer que meu maior defeito é a minha maior qualidade, porque eu sou fanhosa, cheia de rinite. É assim que eu sou [risos].

Como é ver esse disco nascendo de uma história de 54 anos?

Eu acho que tenho uma bagagem, uma vida pregressa, mas nunca pensei em mim como estando madura. Dizem que pareço jovem porque sou um pouco sem noção mesmo [risos]. Já tenho 54 anos e talvez a vida tivesse que ser de um outro jeito, mas, pra mim, não. É isso. Eu vou vivendo. No disco, está a minha história, mas sou eu agora. Sou eu viva.

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