A mística poética de Cidinha da Silva

Nos contos de “Um exu em Nova York”, autora mistura realidade com elementos fantásticos da africanidade

A obra da mineira Cidinha da Silva entrou na minha estante por indicação do Leia Mulheres Curitiba, que conta com curadoria da tradutora e pesquisadora, Emanuela Siqueira. O livro de contos “Um exu em Nova York” foi a obra de janeiro de 2020 do clube.

Ainda não consegui prestigiar os encontros do grupo, que passou a se reunir on-line em razão da pandemia, mas sempre acompanho a lista de livros e fico atenta às autoras selecionadas. Vale a referência para quem quer conhecer mais autoras mulheres.

“Um exu em Nova York” foi publicado em 2018 pela Pallas editora, e premiado pela Biblioteca Nacional em 2019. A obra é curta, são 20 histórias e um glossário distribuídos por 80 páginas, mas densa. Em meio a uma realidade crua, que muitas vezes retrata a experiência negra, Silva insere elementos fantásticos ligados à cultura de origem africana. O glossário auxilia o leitor a conhecer um pouco mais da cultura que dá origem ao candomblé, por exemplo. 

Livro é curto, mas denso. Imagem: Pallas Editora/Divulgação

É uma poética mística – mesmo ao escrever sobre violências, a autora se vale de metáforas e sutilezas finas. Mesmo o elemento mais fantástico tem raízes, e uma história, no mundo real. Em “Kotinha”, Silva narra a agressão perpetrada por dois crentes a um terreiro, e pelo meio do caminho apresenta entidades, saudações e a linguagem que permeia e estrutura desse lugar sagrado.

Já, em “Válvulas”, Silva traz à baila os falsos profetas que usam de suas posições religiosas para cometer abusos. “Renasci e procurei um pastor. Ouvi pregações, troquei o sabão da costa pelo industrializado e, ao invés da salvação, apareceu o salvador em meu ateliê”, escreve. 

Outra narrativa altamente verossímil é “Farrina”, texto no qual a autora relata o encontro entre duas mulheres negras em um museu em Nova York. Enquanto observa e narra Farrina, a mulher que também tem dreads, a autora fala da história e da narrativa por trás da vivência como pessoa negra. Cada detalhe carrega um significado que, ao final, forma a imagens construídas por Silva.

Mesmo quando fala de atividades que nos são tão comuns – quem não conhece o Instagram hoje em dia? – Silva tem uma descrição simbólica: “Voltou a sentar-se e mexeu no celular, divulgava fotos, aquele exercício comum de publicizar a intimidade que deixa as pessoas viciadas”, narra durante o diálogo com Farrina. 

Entre histórias baseadas no mundo real, e elementos místicos fantásticos, Silva coloca pequenas e agradáveis surpresas ao leitor mais atento – e disposto – a mergulhar em suas narrativas.

Livro

“Um exeu em Nova York”, de Cidinha da Silva. Pallas Editora, 80 páginas, R$ 28. 

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