Restauro do Teatro Paiol resgata a cor original, diz especialista

Arquiteto Leandro Gilioli afirma que “a tinta sempre dá briga”, mas uma investigação chegou ao tom amarelado do Paiol que inspirou memes nas redes sociais

Uma chuva de memes desabou sobre Curitiba. Não era para menos, pois a memória afetiva da cidade foi traída quando notaram que a reforma do Teatro Paiol apagou o aspecto desgastado pelo tempo com uma pintura cor de abóbora. O Plural noticiou em primeira mão o choque dos curitibanos, e a revolta do arquiteto Abrão Assad, responsável pela reciclagem que transformou o depósito de pólvora de 1906 em um teatro em 1971. Você pode ler essa matéria aqui.

Com a péssima repercussão do caso, o prefeito Rafael Greca já disse em redes sociais que “a primeira pintura não ficou boa. Será jateada por vap [Wap, lavadora de alta-pressão]. Vamos trabalhar no meio termo de bom gosto”. Mas tudo leva a crer que a péssima ideia não foi cobrir o edifício com tinta, mais ou menos como aconteceu no caso do mural do Jack-Bobão recentemente apagado com aval da Fundação Cultural de Curitiba (FCC).

A questão, argumentam os responsáveis pela obra, é que a aplicação de reboco novo e pintura foram decisões corretas quando se tem em vista a restauração de patrimônio histórico, executadas conforme projeto desenvolvido pela própria FCC.

O que diz quem executou da obra

O arquiteto, professor (de graduação e pós-graduação) e especialista que executou a obra, Leandro Gilioli, procurou o Plural para esclarecer pontos técnicos que passam despercebidos aos nossos olhos e até aos olhos de quem é profissional da área. Na largada, ele – que já foi estudar técnicas de restauração na Itália, país que mais entende do assunto – afirmou que não há nada de “desastroso” ali. A diferença de agora, para o que foi feito nos anos 70, é que não foi possível executar um trabalho apenas conservativo. A opção viável foi fazer restauro e, para isso, adotar uma abordagem mais interventiva.

“A partir do momento que se faz um estudo histórico e há justificativas para indicar a intervenção, eu posso fazer de uma forma e você de outra. Isso não significa que eu estou fazendo o certo e que você está errado”, diz o especialista ao garantir que a expectativa de vida do imóvel aumentou muito, apesar do impacto visual. A prefeitura, em nota enviada ontem como resposta aos questionamentos do Plural, fala de pelo menos mais 50 anos de uso com segurança para o Teatro. A perspectiva, em um cenário ideal, chega a cem anos segundo o especialista, prazo que não passaria de um ano sem as intervenções.

Para explicar a validade de sua análise técnica, contrária a diferentes opiniões expressas em jornais e postagens que transformaram o tema em hype nas redes, Gilioli conta que a decisão nem foi dele. O especialista assumiu a execução da obra ao ser contratado pela Projete Engenharia e Construção Civil LTDA, vencedora do edital de licitação de concorrência pública CP/002/2021/SMOP-OPE-FCC, para “Restauro, Recuperação Estrutural das Alvenarias Externas, Revisão da Cobertura e Manutenção do Teatro Paiol”. Conforme documentos disponíveis no portal da transparência da Prefeitura de Curitiba, quem assinou o projeto de restauração foi: o engenheiro Jorge Paraense Cavalcante de Castro; o arquiteto Leonardo Afonso Brusamolin Jr; e a arquiteta Silvia Elvira D’Agostini Bueno Zilotti, os três são integrantes do quadro de funcionários da FCC.

A cor da discórdia

O tom de abóbora que foi classificado por muitos como uma descaracterização do imóvel não apareceu por acaso, até porque se trata de um prédio público que é Unidade de Interesse de Preservação (UIP), na prática o status é de imóvel tombado. A cor surgiu na investigação do passado escondido dentro das paredes,  conhecida como prospecção da camada pictórica. Nessa pesquisa, é utilizado um bisturi para ver as camadas que foram pintadas anteriormente.

O resultado é sempre polêmico, apesar de não ser uma decisão arbitrária dos arquitetos. “O que foi decidido pela equipe do projeto foi adotar a [cor] original, porque a tinta sempre dá briga. Vai pôr a terceira [cor encontrada], vai para a quarta, a última? Vamos pôr a original, porque é a original”. O processo ainda envolve um teste de cor, para se chegar na tonalidade mais próxima da encontrada e precisa prever que escurecerá logo.

O especialista afirma que não esteve envolvido com a decisão sobre a cor e confessa que “sinceramente” também achou que ficou muito clara, apesar de ser a mais próxima do que era a cor original do Paiol.

O reboco

A imagem da construção circular com paredes de tijolos que mostravam a ação do tempo, sem qualquer pudor, estava cristalizada entre os curitibanos. Ela foi uma escolha do projeto de retrofit (reciclagem arquitetônica para novo uso) assinado pelo arquiteto Abrão Assad, em 1971. A decisão, para manter o charme do prédio foi manter “da pátina feita pelo tempo”, ele fala. 

Gilioli afirma que foi uma ação correta de conservação no reboco, que preencheu fissuras com cimento, e por 50 anos foi “repetida” pontualmente. Mas como a passagem do tempo é impiedosa com as construções, explica ele ao fazer uma analogia com o envelhecimento do corpo humano, a situação piorou até se mostrar insustentável. “Infiltrou muita água, havia perda de 80% a 90% do reboco, conforme constatado no exame de percussão [bater e avaliar se o som é oco, o que significa que o revestimento está solto). O reboco gerou alguma discussão durante a obra por órgãos da prefeitura, mas não resultou em alteração do projeto”, conta ele.

Não existe obrigação de se manter a marca do tempo. Essa é uma abordagem possível, outra é – se existe a referência – recompor a fachada como era originalmente. O que foi decidido foi tirar o reboco e recompor. Os comentários de que a escolha foi irresponsável são “desrespeitosos”, segundo Gilioli, porque existiam três rachaduras de grande proporção, perigosas, que pediram a execução de grampeamento (onde barras de aço são aplicadas, como em grampos de grampeador e cobertas por cimento) que gera marcas gigantescas. Isso seria uma das patologias (danos) que o diagnóstico do prédio apontou, um projeto de patrimônio histórico que envolve ainda pesquisa histórica, iconográfica, cronologia.

Abrão Assad

O arquiteto que cuidou do Paiol em 1971, Abrão Assad, reclamou por não ter sido consultado, sendo que em outros momentos fez consultorias para diferentes situações voluntariamente. E teve seu pedido de uma reunião com os responsáveis pela reforma, feito em sua carta aberta, atendido. No encontro recente estiveram presentes representantes do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) e da FCC, entre eles a presidente da fundação, Ana Cristina de Castro.

Não há ainda documentação oficial sobre as decisões que serão tomadas daqui para frente, mas o que foi acordado é que segunda-feira (19) o arquiteto fará uma visita técnica à obra em companhia de profissionais do Ippuc. O objetivo é realizar testes, uma prospecção, para avaliar o quanto é possível resgatar “a alma do prédio” e como fazer isso.

“Nós vamos recuperá-lo, não como era, porque é impossível recuperar o que foi perdido, mas dando uma característica coerente com a qualidade e a importância que o prédio tem para a cidade de Curitiba”, diz Assad.

Nota da Prefeitura

A prefeitura, em resposta a perguntas feitas pela reportagem, emitiu uma nota sobre o caso na qual consta que a “recuperação” do imóvel não está concluída e que era urgente devido à ruína do telhado e outros problemas estruturais.

“A reforma foi precedida de estudos técnicos e a cor amarela trabalhada conforme prospecção realizada por arquitetos especializados em patrimônio histórico. O projeto elaborado pela Fundação Cultural de Curitiba (FCC) foi aprovado pela Comissão do Patrimônio Histórico e Cultural (CAPC) e submetido ao programa Cultura: Preservação, Promoção e Acesso do Governo Federal”, diz o texto.

A nota emitida confirma outro apontamento feito por Gilioli sobre a técnica usada para a pintura, feita “a base de cal, para a proteção da alvenaria e que, com a ação do tempo, gradualmente devolverá o caráter rústico da fachada da edificação (efeito “desgaste” de cor e reboco). Vale lembrar que o tom da tinta também varia conforme a umidade da parede”.

No texto também é citado o arquiteto Abrão Assad como colaborador na comissão que agora será responsável pela busca do “efeito de cor de aspecto antigo, que costumava caracterizar o imóvel”.

Sobre o/a autor/a

4 comentários em “Restauro do Teatro Paiol resgata a cor original, diz especialista”

  1. Pelo que entendi a decisão de “manter a patina do tempo” não funciona pra sempre, porque nsda mais é que a cobertura estética das fissuras que vão aparecendo, sem uma reforma estrutural mais incisiva

  2. Ninguém fala da reforma de 2018, quando o próprio Assad participou com o IPPUC, na ocasião reabertura para a Oficina de Música daquele ano. Como é que pode algo que foi reformado há quatro anos atrás já estar completamente deteriorado, como dá de entender no posicionamento da Município e arquitetos? Ou a reforma do recente 2018 foi completamente ineficaz, ou está sobrando dinheiro para ficar reformando patrimônio da cidade de quatro em quatro anos…

  3. Então, a restauração era para o “Teatro Paiol” ou para o “Paiol de Pólvora”? Pergunto porque, se era para restaurar o Teatro, não tem qualquer razão de ser pintar com a cor original do paiol de pólvora.

  4. O problema desta gestão é que primeiro eles fazem como bem querem e depois que reclamam voltam atrás e fazem do jeito certo. Fico imaginando o que não vemos. Estas e outras barbáries estão passando e precisamos ficar de olho pra fiscalizar estes trabalhos de “zeladoria” pública.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima