Em “Na Estica”, Ton Black explora os espaços de memória afro curitibanos

Novo single trafega pelas questões da negritude, resistência e autoestima

Aprendendo a viver os traumas de um negro drama, esse é o preço de ser um preto “tipo A”, (em Curitiba). Ton Black canta isso na música “Na Estica”, lançada no início de março. O single em questão apresenta a relação entre um homem negro e o dia a dia na capital mais afro sul do país, que, independentemente da sua postura, será alvo constante de comentários e olhares tortos, seja por suspeita ou repulsa. 

Baseado em algo real, a canção nasceu após uma experiência invasiva. Num dia normal, uma viatura se aproximou e o guarda insistiu em observá-lo com o olhar que costuma usar para julgar e oprimir. Ao perceber a situação, Ton digeriu seco o que havia acontecido e escreveu uma canção como resposta. Nesta faixa, o músico registra o seu cotidiano como jovem periférico na cidade, enfatizando a importância de se manter autêntico e não se deixar influenciar pelo preconceito. 

Recheada de musicalidade, “Na Estica” apresenta uma mensagem de resistência com leveza, mas também utiliza lugares históricos de Curitiba como cenário, destacando a riqueza cultural e a representatividade negra na cidade. A faixa, produzida pela Faraoh Records, selo independente dedicado aos artistas negros de Curitiba, apresenta-se como uma trilha sonora de autoestima e resistência, com sonoridades que oscilam entre o R &B e o Hip Hop.

No refrão, o cantor propõe um rolê tranquilo num domingo ensolarado, para aproveitar como se fosse um dia de folga, mas sem se esquivar do engajamento sociopolítico. No videoclipe que acompanha a faixa, Ton percorre por espaços de memória negra da cidade. Entre os pontos estão a praça 19 de Dezembro, onde se encontra as esculturas conhecidas popularmente por “Homem Nu” e “Mulher Nua”; a Sociedade Operária Beneficente 13 de maio, que representa um monumento da resistência negra; a escultura “Água Pro Morro”, na praça José Borges de Macedo, que presta homenagem a Emerenciana Cardoso Neves, artista e cantora negra; e a Praça Santos Andrade, que possui uma placa em homenagem à comunidade afro curitibana.

“Esses lugares retratam a resistência. Na produção, pensamos em mostrar os principais espaços ligados à comunidade negra da região e dialogar com a rotina. Em geral, mesmo enfrentando a correria ou as obrigações, estou num dia de lazer e passeando por monumentos que me conectam à minha ancestralidade”, relatou o compositor.

Everton Vieira — o Ton Black — nasceu e cresceu na periferia de Caçapava, município paulista que tem cerca de 90 mil habitantes. Seu contato inicial com a música começou na infância, com a música gospel, influenciado pela sua família. Começou a envolver-se com a quarta arte nas igrejas aos 10 anos. Esta fase resultou em dois álbuns inspirados no MPB. Atualmente, aos 23 anos, suas influências rondam entre o R&B, Neo Soul, Funky, Jazz e o Hip Hop. O processo de composição da escrita aborda perspectivas sobre a identidade, a negritude e as relações sociais e amorosas.

Assim que ingressou no curso de Publicidade e Propaganda da UFPR, em 2019, Everton arrumou as malas e embarcou na BR-116 rumo São José dos Pinhais, região metropolitana da capital. Ao chegar em terras curitibanas, despertaram questionamentos raciais em relação à aceitação de ser um indivíduo negro. Os gatilhos surgiram nos dilemas, na desigualdade acadêmica, nas abordagens policiais e no estranhamento cultural.

Foi neste turbilhão de coisas que nasceu Ton Black, nome e projeto artístico que remete à necessidade de resgatar legados e origens. Em uma nova investida, a canção recém-lançada faz parte de um mergulho na cultura negra que deve resultar num disco previsto para o fim deste ano. “A ideia é fazer um resgate de origem. Por muito tempo eu me afastei e neguei, mas foi algo que sempre teve na minha essência. O Black Music está ligado à minha trajetória e à minha família”, afirmou o músico.

Prestes a concluir a graduação, o futuro publicitário planeja utilizar o que aprendeu na universidade e construir a sua carreira musical em Curitiba. Este material em si é um exemplo disso. O videoclipe de “Na Estica”, além de fazer parte do lançamento musical, também é um projeto acadêmico do curso de Publicidade e Propaganda na UFPR, produzido pelo cantor e seus colegas de curso Guilherme Olímpio e Michel Vier.

Este texto é parte do projeto Periferias Plurais, em que o Plural convida jovens de Curitiba e região a falarem sobre suas vidas e suas comunidades. O projeto tem patrocínio do escritório de advocacia Gasam.

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