Faraoh Records, uma gravadora para a periferia preta de Curitiba

Fundada por dois amigos, gravadora estimula artistas da periferia de Curitiba com shows, gravações e clipes

O nome do lugar vem do nome de um dos fundadores, Luan dos Santos Farah (conhecido por seu nome artístico @o.lulo). Na vontade de resgatar sua ancestralidade, ele e seu sócio Gabriel (também conhecido como @internoego) eles escolheram o nome do projeto: Faraoh Records. O pai de Luan foi funcionário de uma gravadora entre 2010 e 2013. O dono mudou para outro estado e deixou o estúdio para o pai de Luan, que teve que administrar e cuidar sozinho da estrutura do estúdio e adquirir sua clientela.  Em 2018 Luan foi morar com seu pai no estúdio, que passou a fazer parte de todos os dias de sua vida. Podia trabalhar em suas músicas junto com o sócio Gabriel – amigos desde a infância, os dois seguiram o mesmo caminho na criação musical – mas apenas uma vez por semana, no domingo, quando o pai não usava o estúdio para trabalho.

Sendo assim, todo domingo os dois iam para o estúdio e ficaram gravando suas músicas. Na época essa era a única coisa que eles queriam: fazer música. E no mesmo ano, 2018, criaram a Faraoh. Essa foi a rotina deles mais ou menos até 2021, quando em meio à pandemia o pai de Luan decidiu sair do estúdio e morar na praia. Luan ficou com no estúdio: assim como no antigo Egito, o poder era hereditário.

O estúdio passou a ser totalmente de Luan e a Faraoh funcionava como empresa, diariamente. O time cresceu, com Gabriel Vianna, Ageu Luis, a irmã de Luan, Leticia Farah, e Pedro Koti. O ano de 2021 foi o início de seus projetos, viabilizando músicas de artistas da cena, realizando vários clipes. Por meio de editais, eles sustentavam a casa e davam continuidade para seus sonhos e para o sonho de outros artistas. Quando eles estavam começando a ter uma estrutura, e planejavam usar editais para fortalecer a casa, ainda naquele ano, em novembro, o pai de Luan ligou dando a noticia que a proprietária queria a casa. Houve medo e ninguém sabia para onde ir. A Faraoh ficou instável. 

Procurando lugares, Luan achou uma nova casa para a Faraoh Records: R. Euclides Bandeira, 1890 – Centro Cívico. Em 2022 os músicos alteraram todo plano de negócio e estrutura da Faraoh, pretendendo deixar a casa com uma estética urbana – e hoje em dia lá acontecem projetos, eventos, encontros e muitas trocas.

Foto: Divulgação

Luan diz que “é muito gratificante ver o impacto que a arte traz na vida das pessoas, ver o brilho no olho das pessoas quando entram no estúdio e se expressam, dão voz aos sentimentos, ao que elas estão vivendo”.

Para ele, “saber que artistas pretos têm um local onde é por um espaço pra eles, auxiliando na carreira e nas produção de suas músicas e dando suporte técnico e mental para os artistas, elevando eles e sua arte. sabendo que trabalhar com cultura já é difícil saber que a Faraoh é um espaço pra eles, é satisfatório”. 

Muitos artistas veem a necessidade de sair do estado para serem vistos, em função da falta de acolhimento na cidade. Eles tentam ganhar visibilidade e estrutura em outra cidade. Isso por mais que a cultura tenha evoluído entre nós. Muita coisa mudou em Curitiba: pretos estão consumindo a arte preta e dando valor; em uma cidade onde espaços são vistos como uma ameaça, pessoas que tem o que falar como vândalo; há mais exemplos de artistas pretos saindo da cidade e tendo mais reconhecimento. Aqui, os espaços são preenchidos por artistas brancos. 

O intuito da Faraoh é justamente dar o suporte necessário para seus artistas. A casa tem 9 artistas que contam com a estrutura e o suporte necessário para gravar músicas, clipes, fazer lançamentos e aprendem a trabalhar a imagem do artista. 

Luan diz que “É bom ver como todos se sentem à vontade e seguros para gravar e mostrar sua arte aqui dentro” 

Sabendo que o espaço tinha mais potencial, em 2022 o grupo recebeu um patrocínio da Budweiser para ampliar ainda mais o negócio. E, desde então, o espaço passou a receber mais eventos e dar espaço para pessoas que desenvolvem sua arte, trabalho, recebendo expositores, grafiteiros, cantores, rappers, DJs, tatuadores, todos com espaço para mostrar seus trabalhos no espaço.

Houve muitos eventos como; Baile da D’Paula, Quintal de Aruanda, Giras, Afrotum, Baile Charme CWB, Mic Aberto, shows de bandas autorais de curitiba como a Soul Ébano. Houve show de artistas da cena curitibana como Lulo, Ag Loc, lele, Wes ventura, Liah Vitória, Serginho Smith, Pecaos, entre muitos outros. 

A casa recebeu muita atenção e também muitas denúncias pelos últimos eventos que promoveu. A polícia foi na casa mais de uma vez, assim como a fiscalização da prefeitura. Como a casa é toda grafitada, há quem pense que o que acontece ali deve ser suspeito. Como se a casa fosse descuidada. Até a proprietária tem suas reclamações e ameaça querer a casa  de volta, tornando tudo ainda mais difícil.

“Quando está fluindo a casa recebe vários eventos, e tem essas coisas que atrapalham”, diz Luan. O racismo estrutural tem efeitos claros na consolidação da casa, com muitos eventos e pessoas pactuando o espaço e as diversas trocas que acontecem na casa. O foco principal é fazer da Faraoh um espaço cultural a ser reconhecido pelo governo como um espaço cultural que tem impacto social. A Faraoh tem intenção de se estabelecer como referência para a cultura hip-hop e afro de Curitiba.

 A Faraoh vem lutando justamente para que o governo reconheça a casa como um espaço cultural, sendo um lugar já com interesse público  e com impacto social e artístico.  “Se está incomodando é por que está no caminho certo”.

Com o crescimento do espaço, e se expandindo surgiu o projeto para causar mais impacto social, oferecendo cursos na casa, com professores negros para dar aula às pessoas veneráveis, para os artistas independentes, se tornando um espaço de produção e capacitação para esses artistas. O projeto está previsto para iniciar ainda esse ano.

Todo projeto feito pela Faraoh é sinônimo de uma das missões da Faraoh, que é resgatar vidas. “Assim como o rap me salvou, a arte me salvou, a ideia é salvar vidas e fornecer caminhos, rotas e possibilidades”, diz Luan.

A Faraoh é um dos lugares que teve uma importância pra mim como pessoa preta residente em Curitiba, na procura de lugares que façam sentido estar. Um lugar onde tem um protagonismo negro e que oferece oportunidades não só para artistas, mas para quem consome arte e quer consumir mais arte representativa, como eu. Mostra o corre que é para empreender na cultura, as barreiras que existem e lugares que podem ser acessados frequentando um ambiente como aquele, percebendo as trocas que se pode ter. É um lugar que envolve ancestralidade e espiritualidade. Como diz na música de Djonga: “se cada um é um universo, quem salva uma vida salva um mundo inteiro”.

Espaços como esse valem a pena existir na cidade e devem crescer cada vez mais para alegria de muitos e tristeza “deles”. Assim como músicas pretas e periféricas me salvam todos os dias, a existência de lugares como a Faraoh Records me faz ter sentido, independente das lutas que existem no caminho. É um lugar onde os artistas podem dizer: “O mundo é nosso”. 

Este texto faz parte do projeto Periferias Plurais, em que o Plural convida jovens de Curitiba a falarem de suas vidas e de suas comunidades. O projeto tem apoio do escritório de advocacia Gasam

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