Nova temporada de “Dirty John” mostra a mulher traída na perspectiva do #MeToo

Série sobre crimes reais conta a história da mulher que matou a tiros o ex-marido com sua atual esposa

A nova temporada de “Dirty John” está em cartaz na Netflix. Apesar de manter o nome, referência ao golpista cuja história foi contada na primeira temporada, “Dirty John” agora conta outro drama: o assassinato de Daniel e Linda Broderick por Betty Broderick. Daniel e Betty foram casados por 16 anos. A união acabou no que foi chamado de “o pior divórcio da América”.

Os oito episódios se concentram na história de Betty. Nascida numa família católica, ela conhece o futuro marido na faculdade. Daniel e Betty se casaram em 1969, quando ele ainda estava na faculdade de medicina. Para manter a família, ela trabalha mesmo grávida da primeira filha.

Formado, Daniel decide que não quer ser médico, e é aprovado na Escola de Direito de Harvard. Grávida da segunda filha, Betty continua a ser responsável por manter a família enquanto o marido estuda. Para pagar as contas, ela vende Tupperware, realiza pequenos trabalhos e cuida das crianças.

O sacrifício resulta numa vida confortável quando Daniel começa a advogar e, por fim, monta seu próprio escritório dedicado a casos de erro médico. É justamente quando a vida parece ter chegado ao final feliz prometido que o marido larga Betty para ficar com Linda, uma moça muito mais jovem contratada para ser sua assistente.

Betty e o divórcio

Ao seguir esse caminho, a série explora o comportamento errático de Betty após o divórcio sob uma nova ótica: a de que Daniel usou a esposa para chegar ao sucesso, mas a descartou assim que conquistou o que queria. Tendo dedicado 16 anos ao casamento, a empregos temporários e aos quatro filhos do casal, Betty tem poucos recursos financeiros e emocionais para lidar com a perda abrupta do mundo ao qual pertencia.

A situação é exacerbada pela importância dele como advogado (Daniel é presidente da Ordem dos Advogados local durante o divórcio). Com isso, Betty tem dificuldades para conseguir um advogado e perde a guarda das crianças, apesar de ter sido sempre a principal responsável por elas.

Magoada, ela começa a deixar mensagens grosseiras na secretária eletrônica do ex-marido e as gravações são usadas no processo como prova do desequilíbrio dela. Também falha em acompanhar os procedimentos do divórcio, o que permite que o ex-marido reduza a avaliação dos bens do casal, faça a Justiça impor multas a ela pelo “mau comportamento” e basicamente a exclua da vida das crianças.

A injustiça da situação acaba sendo um contraponto forte ao fim trágico do novo casal, morto a tiros em casa por Betty. Não desculpa totalmente a protagonista, mas dá a ela um retrato mais profundo do que o de “mulher traída e magoada”.

Também mostra o ex-marido como um homem obcecado pelo sucesso e que, após anos de luta, não quer ser lembrado por Betty do começo difícil de ambos. Daniel se vê como dono por direito de tudo que conquistou, e falha em ser justo no processo de divórcio, exacerbando uma situação já explosiva.

Efeito devastador

A série consegue mostrar o efeito devastador do divórcio na vida de uma mulher cuja principal atividade durante anos foi cuidar da família. De repente ela se vê em outra casa, sem os confortos da que construiu, sem os amigos e a rotina social que tinha ao lado do marido.

A série, no entanto, não coloca o espectador só no papel de defesa de Betty. São muitos os momentos em que torcemos para que ela consiga se livrar da obsessão pelo ex-marido e a namorada, o que a cega inclusive para a necessidade dos filhos. É essa obsessão que é explorada ao máximo por Daniel para prejudicá-la no divórcio.

É um roteiro bastante diferente da primeira temporada da série, quando o programa mostrou a história de outra mulher, uma bem-sucedida designer de interiores Debra Newell, que se apaixona e acaba vítima do golpista John Meehan (Dirty John). Mas curiosamente o título e subtítulo da série (“O golpe do amor”) servem bem à história de Betty, que caiu no golpe do final feliz no casamento depois de anos de penúria e dedicação.

Com a segunda temporada, “Dirty John” consegue se firmar como uma série de crimes que envolvem mulheres sem reduzi-las a vítimas ou vilãs. É uma evolução que as coloca como protagonistas de seus próprios dramas e dilemas.

O fim do oitavo episódio tem um gosto amargo, mas também flerta com um outro mundo possível, no qual Daniel e Betty se respeitam e os tantos erros de ambos são evitados. Quem sabe para um próximo casal em crise?

Streaming

A primeira e a segunda temporada de “Dirty John” estão disponíveis na Netflix.

A história de Debra Newell, protagonista da primeira temporada também pode ser ouvida no podcast que deu origem a série, da equipe do jornal “Los Angeles Times”: Dirty John.

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