Gestante sofre aborto e relata desamparo na maternidade

Jovem diz que faltou empatia e acompanhamento psicológico no hospital onde mais nascem paranaenses pelo SUS

Apesar do atendimento humanizado ao abortamento estar previsto em norma técnica do Ministério da Saúde, as dinâmicas do trabalho dependem de cada maternidade, pública ou privada. Nesta semana, uma curitibana foi às redes sociais reclamar do atendimento prestado por uma delas. A publicação tem milhares de curtidas e comentários. Após sofrer um aborto retido, Mayra Rocha de 23 anos relatou detalhes do que viveu na Mater Dei, maternidade de Curitiba onde mais nascem bebês pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Paraná.  

A representante imobiliária estava com 10 semanas de gestação quando descobriu que seu bebê havia parado de se desenvolver. Em acompanhamento pelo SUS, ela foi encaminhada da Unidade Básica de Saúde Santa Cândida para a Maternidade Mater Dei, no Centro da Capital, no dia 17 de agosto. Lá, o médico a informou que seria preciso voltar no outro dia, em jejum. Foi quando soube que não teria direito a um acompanhante, devido ao coronavírus.

“A questão é que eles permitiam para mães que têm filhos vivos na barriga, por que para mim, que perdi, não podia, se eu seria submetida a um trabalho de parto? Eles deram remédio para dilatar o colo do meu útero como num parto. Eu tomei a mesma anestesia que as mães de cesariana tomam, a nossa única diferença foi um bebê vivo e o companheiro para abraçar”, inicia o relato.

A seguir, Mayra conta os detalhes. Neles, diz como se sentiu durante todo o processo de abortamento. Ela afirma que ficou sozinha sem saber ao certo o que ia acontecer. “O quarto era no meio de vários outros quartos com mulheres que haviam acabado de ter seus bebês; choro de bebê o tempo todo na cabeça.”

O encaminhamento para o centro cirúrgico foi no fim da tarde. “O médico entrou na sala para iniciar, não olhou na minha cara, não se apresentou, não me disse absolutamente nada. A enfermeira foi quem me explicou que eu levaria anestesia para fazer uma curetagem.”

Mayra, porém, diz que sentiu dor. “Eu falei pro médico que estava sentindo e ele usou a frase: ‘Você podia começar a colaborar agora’. (…) Eu senti ele enfiando coisas dentro de mim”, assegura.

“Me tiraram do centro cirúrgico, me colocaram no corredor junto com uma família que havia acabado de conhecer seu bebê; o pai com a mãe e o bebê, e eu ali sozinha, passando mal, comecei a vomitar com muita dor, apenas colocaram um lençol em cima e assim fiquei por quatro horas.”

No quarto, já de madrugada, “sentindo uma dor que parecia ter mil facas dentro de mim, chamei a enfermeira e ela mandou eu ir tomar banho”, recorda. “Eu tive que me levantar sozinha, me segurar para não cair, pegar minhas coisas e ir tomar meu banho me arrastando. A enfermeira ficou dentro do banheiro enquanto eu me lavava. Assim que desliguei o chuveiro ela já saiu, não me ajudou nem a pegar o sabonete.”

De volta à cama, o som de “cinco bebês chorando ao mesmo tempo e você tendo que passar pela dor de ter perdido o seu. Não pude nem ter alguém ao meu lado devido ao coronavírus, mas usei a mesma máscara do dia que cheguei até a alta”, observa.  

“Ouvi enfermeiras entrarem no quarto e falarem: ‘Agora vou cuidar das que têm bebês pra mim’. Isso é desumano, é cruel. Não existe um protocolo para perdas gestacionais, não existe um local privado que possamos sentir nossa dor sem ter que olhar e ver famílias felizes comemorando a chegada de seus filhos. Deveria existir humanidade e empatia para quem perde seu bebê.”

Mayra tenta superar o que viveu. Foto: Arquivo Pessoal

Ela fez denúncias na ouvidoria da própria Mater Dei e também pelo 156 da Prefeitura de Curitiba, mas não teve nenhum retorno. “Tive meus outros dois filhos lá, ambos com o mesmo médico plantonista. Sofri violência em ambos, mas como meus filhos saíram vivos, eu acabei como muitas: aceitando a violência.”

Uma semana depois do aborto, Mayra segue com muitas dores físicas e psicológicas. “Não consigo dormir direito.” Ela quer que a história sirva de alerta para que outras mulheres não passem por isso. “Eu procurei uma advogada, mas ela disse que um processo nesse momento de pandemia é muito complicado, já que eu não tive acompanhante, não tenho testemunhas, e eles têm todo o hospital, toda a equipe a favor deles.”

Mater Dei responde

Maternidade fica no Centro de Curitiba. Foto: Mater Dei

Procurada pelo Plural, a Maternidade Mater Dei, do Grupo Nossa Senhora das Graças (HNSG), informou que o quarto em que Mayra ficou era reservado para tratamento e não para mães com bebês. A proibição de acompanhante se deve ao coronavírus. “Entendemos o seu sofrimento, diante de uma perda, porém não há como desrespeitar normas vigentes em tempos de covid-19.”

Só podem permanecer no hospital os acompanhantes de gestantes menores de idade, com instabilidade clínica ou em algumas condições específicas do recém-nascido.

Segundo a instituição, a paciente foi informada do procedimento a que seria submetida. “Normalmente em procedimento de curetagem é realizada a anestesia geral (endovenosa) no qual a paciente fica inconsciente. Entretanto, em virtude da pandemia, optou-se pela anestesia raquidiana, devido ao risco da necessidade de ventilação, o que é contraindicado. Foi utilizado todo o protocolo recomendado e, apesar de ser possível que a paciente ainda sinta a pressão dos materiais sobre o corpo, o fato é que ela deixa de sentir dor nos locais afetados. Após a realização do ato anestésico, o médico obstetra entrou e explicou novamente o procedimento a ser realizado.”

Sobre Mayra ter ficado no corredor após a cirurgia, a maternidade diz que ela permaneceu no REPAI (Recuperação Pós-anestésica Imediato) por duas horas após o procedimento, “não sendo correta a informação dada pela paciente, de que ficou no corredor nesse período e por quatro horas”.

“Após algumas horas, conforme orientação médica e protocolo, foi encaminhada ao banho acompanhada pela enfermagem e, em seguida, liberada dieta leve, possível naquele horário. Embora a paciente tenha ficado internada em quarto separado, destinado para essas situações, infelizmente, é difícil isolar eventuais choros de bebês em uma maternidade. A Mater Dei lamenta pela impossibilidade de maior isolamento da mesma em relação aos demais bebês.”

O hospital reconhece que a estrutura é antiga, mas passa por melhorias, inclusive o reparo da rachadura fotografada no quarto de Mayra.

“A Mater Dei informa, portanto, que o procedimento de curetagem foi realizado, com indicação médica e sem qualquer intercorrência, com alta em boas condições.”

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima