O novo (e triste) papel do leite condensado

O produto surgiu em 1820, graças ao empenho de um pesquisador francês, e foi ganhando o mundo, do consumo caseiro a guerras e outros negócios e trambiques

Sobre a reportagem do portal Metrópoles, a respeito das despesas do governo federal com base no painel de compras do Ministério da Economia, no ano passado os órgãos sob a chefia de Jair Bolsonaro gastaram mais de R$ 1,8 bilhão em alimentos – um aumento de 20% em relação a 2019. E, entre os gastos que mais chamaram a atenção, e não era pra menos, constam R$ 15.641.777,49 com leite condensado – e pouco mais de R$ 5 milhões na compra da fruta desidratada.  

A lista inclui ainda, além de arroz, feijão, carne, batata frita e salada, biscoitos, sorvete, massa de pastel, geleia de mocotó, picolé, pão de queijo, pizza, vinho, bombom, chantilly, sagu e até chiclete.  

Jair Bolsonaro: R$ 15 milhões gastos com leite condensado. Crédito da foto: Marcelo Camargo/ABr.

Método patenteado  

Quanto ao leite condensado, alguém voltou no tempo e aos registros (positivos) do produto, resultante da remoção parcial de água do leite, sendo frequentemente adicionado de açúcar. Surgiu graças a experiências do francês Nicolas Appert, em 1820, na pesquisa para esterilização e conservação de alimentos em embalagens herméticas. E, em 1828, o inventor francês Malbec aplicou o método de Appert ao leite fresco de vacas para criar o leite condensado.  

E nova forma de tratar o leite se expandiu pela Europa, chegando aos Estados Unidos em 1853, onde um homem de negócios chamado Gail Borden tratou de patentear o método em 1856.  

Alistamento forçado  

Nos Estados Unidos, durante a Guerra da Secessão (1861-1865), o leite condensado também marcou presença. Coisa do tal Gail Borden. Foi a maneira surpreendente de preservar os estoques de leite e reduzir o volume, contornando a, por supuesto, falta de refrigeração. Até então, a fórmula para produzir leite condensado não tinha merecido muita atenção. E o comando das tropas dos estados do Norte tratou de incluir o produto na ração dos soldados. E, estes, quando voltavam para casa, de licença ou já dispensados do serviço militar, falavam sobre o tal “leite diferente”. As encomendas cresceram tanto que o inventor sofria para atender todos os pedidos.  

Imagine ele no Brasil de hoje – e só com os pedidos do Palácio do Planalto?  

Com aviso em caixa alta  

Ernesto Geisel sobre Jair Bolsonato: “um mau militar que pedia um novo golpe”. Crédito da foto: Arquivo Nacional.

Vale lembrar uma entrevista feita em 1993 e que, quatro anos depois, viraria livro de Maria Celina D’Araujo e Celso Castro, publicado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Título: “Ernesto GEISEL”. Isso mesmo: GEISEL em caixa alta, letras maiúsculas.  

O entrevistado? Não era um capitão, mas um general, o general Ernesto Geisel, quarto presidente da ditadura civil/militar de 64. Nela, o ex-general de plantão da dita redentora não deixa por menos:  

– Jair Bolsonaro é um mau militar que pedia um novo golpe.  

Ainda da entrevista: Geisel afirmou que os “militares devem ficar fora da política partidária, mas não da política geral”. Segundo ele, todo político que começa a se “exacerbar em suas ambições logo imagina uma revolução a cargo das Forças Armadas”.  

Uma pergunta ainda no ar  

E temos uma música do final dos anos 1980, mais precisamente 1987 – composta por Renato Russo, vocalista da Legião Urbana. Um nocaute já no título: “Que País É Esse?” O alvo: escândalos políticos, desigualdades sociais e injustiças. E a obra, segundo a revista Rolling Stone, passou a integrar a lista das 100 maiores músicas brasileiras.  

Vale a pena (sempre) ouvir ou ler:  

“Que país é esse?” 

Nas favelas, no Senado  

Sujeira pra todo lado  

Ninguém respeita a Constituição  

Mas todos acreditam no futuro da nação  

Que país é esse?  

Que país é esse?  

Que país é esse?  

No Amazonas, no Araguaia  

Na Baixada Fluminense  

Mato Grosso, Minas Gerais  

E no Nordeste tudo em paz  

Na morte eu descanso  

 Mas o sangue anda solto  

 Manchando os papéis  

Documentos fiéis  

Ao descanso do patrão  

Que país é esse?  

Que país é esse?  

Que país é esse?  

Que país é esse?  

Terceiro mundo se for  

Piada no exterior  

Mas o Brasil vai ficar rico  

Vamos faturar um milhão  

Quando vendermos todas as almas  

Dos nossos índios num leilão  

Que país é esse? Que país é esse? Que país é esse?  

Para ir além

Quando uma palavra mata a charada
Da crença que o rei não erra ao impeachment

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