É hora de resgatar os conselhos de Curitiba

Conselhos municipais oferecem maneiras do cidadão participar diretamente da elaboração e fiscalização de políticas, mas muitos falham nisso

Na semana passada eu comecei uma nova atividade: assumi uma cadeira no Conselho Municipal de Acompanhamento Controle Social do FUNDEB como representante de pais de alunos dos CMEIs de Curitiba. Trata-se de um órgão formado por representantes dos estudantes, dos pais, dos professores e da prefeitura que deve acompanhar o uso dos recursos do fundo na cidade.

Como se sabe, mesmo numa cidade como Curitiba, o Fundeb é parte fundamental do financiamento da educação pública. Participar do Conselho não traz nenhuma vantagem ao conselho, exceto pela oportunidade de tomar café de repartição pública e poder cobrar explicações dos gestores municipais.

Veja só, você cidadão comum pode ser (como eu) indicado por seus pares e acabar eleito para uma vaga em um conselho e com isso poder cobrar diretamente os gestores dos órgãos públicos. Isso existe para usuários do SUS, para pais de alunos e alunos da rede municipal, para adolescentes, para mutuários da Cohab.

A lista é enorme. Curitiba têm 45 conselhos municipais. Todo conselho é obrigatoriamente formado por representantes de grupos de interesse do setor. Uma vez instalado, o conselho pode pedir informações, convocar pessoas, cobrar ações.

Eu acompanho os conselhos municipais como repórter há quase vinte anos. Já vi brigas homéricas, discussões acaloradas, debates interessantes. Mas há, infelizmente, uma tendência nos últimos anos dos conselhos se tornarem cada vez mais cordados.

Veja o exemplo do Conselho Municipal de Saúde, responsável por acompanhar todos os gastos do SUS em Curitiba. Na pandemia de Covid-19 a Secretaria Municipal de Saúde simplesmente excluiu o Conselho das discussões sobre o tema e tudo bem. O órgão também mantém até hoje entre seus conselheiros uma mulher que, como representante do órgão, atacou com ofensas racistas um funcionário da Câmara.

Outro problema grave dos conselhos é a falta de informações. No Portal dos Conselhos, inúmeros conselhos não têm sequer a composição informada. Atas e pautas de reuniões são impossíveis de encontrar. Muito menos dados para contato.

O Plural tem noticiado com frequências as eleições de membros para conselhos, bem como outras informações sobre esses órgãos justamente para ajudar a estimular cidadãos como você, leitor/leitora, a encontrar o seu lugar num desses conselhos.

Como repórter eu já fui inúmeras vezes impedida de participar de reuniões de conselho (que, salvo exceções, são públicas), proibida de ver documentos públicos e até mesmo desconectada de uma teleconferência sem nenhuma explicação.

É provável que você também não tenha um caminho fácil se quiser participar. Tem gente que adora criar empecilhos inexistente. Um dos mais populares é alegar que algo é “sigiloso”. Então anote aí: a Lei de Acesso a Informação e a Constituição Federal de 1988 determinam que a regra na administração pública é a publicidade, o sigilo é exceção.

Mais ainda: o sigilo precisa ser justificado (peça a justificativa por escrito) e não pode implicar em negar toda a informação. Explico: se um documento é sigiloso porque contém o nome de alguém com direito a privacidade, então o órgão pode cobrir/esconder o nome e dados pessoais desse alguém, mas não negar o documento todo.

Outra dica é: estude. Vá preparado/preparada para as reuniões para poder tirar todas suas dúvidas e fazer todas as perguntas que julgar necessárias. Isso é mais difícil do que parece. Na minha primeira reunião no Conselho do Fundeb fui impedida de fazer questionamentos duas vezes. A desculpa: a pessoa apresentando tinha mais slides para mostrar. Oras, a função do Conselho não é ver slide, é tentar entender se a política pública está atende a população que precisa atender.

Na minha experiência o mais difícil é aprender a se sentir confortável em ser “a chata que pergunta”. O clima dos conselhos de Curitiba é muito de auto-congratulação. Um show de auto-elogios. Mas não é pra validar ego de gestor público que os conselhos existem. Eles existem porque a democracia pressupõe que o aprimoramento do governo depende do escrutínio público. Como os “coachs” de instagram adoram dizer: mar calmo não faz bom marinheiro.

Não é deselegante, não é inadequado perguntar. Perguntar, aliás, serve ao único propósito de ajudar as pessoas a obter informação. Se eu pergunto ao prefeito porque ele não investiu em ciclovias para o Cajuru, conforme consta no Plano Municipal de Ciclomobilidade, não é para dizer que ele é um bom ou mau prefeito, mas sim para ele ter a oportunidade de explicar o raciocínio por trás dessa decisão.

É importante que os gestores da prefeitura se acostumem com a ideia de prestar contas, dar explicações e justificar decisões. Conselhos municipais atuantes são parte essencial disso. Mas isso só será realidade quando eles deixarem de ser um chá de senhoras para virar o que realmente devem ser: órgãos de discussão e fiscalização.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima