Sistema de aluguel de bikes ignora Plano de Ciclomobilidade de Curitiba

Plano finalizado em 2019 identificou áreas na periferia que teriam maior adesão à bicicleta como meio de transporte, mas ficaram de fora da rede de estações da Tembici

A implantação do sistema de compartilhamento de bicicletas em Curitiba deveria, por força do edital e do contrato assinado entre a Prefeitura de Curitiba e a M1 Transportes Sustentáveis Ltda, seguir a política pública de mobilidade. Mas na primeira fase, o projeto ignorou pontos cruciais do Plano de ciclomobilidade curitibano, bem como dados técnicos da estrutura cicloviária e de demanda pelo uso da bicicleta como modal de transporte.

O Plural já havia noticiado que das 34 estações já instaladas só três estão a menos de um quilômetro de um terminal de ônibus. E nenhuma está instalada em um terminal, muito embora a divulgação oficial do projeto insista que o objetivo é a integração entre os dois modais: bicicleta e transporte coletivo.

A reportagem do Plural agora analisou o sistema de compartilhamento de bicicletas e o Plano de Ciclomobilidade de Curitiba, publicado em 2019. A conclusão: até o momento o novo sistema ignorou vários pontos essenciais do plano, inclusive áreas detectadas como de grande interesse e uso da bicicleta como modal de transporte.

Uma das falhas mais notáveis se refere a integração do sistema com o percurso intercampi UFPR entre os campi Juvevê, Cabral e Agrárias. Esta região está entre as cinco prioritárias da Fase 1 de expansão da malha cicloviária, mas ficou de fora da rede de estações instaladas até o momento pela Tembici na cidade. Ainda com base no plano municipal, o público universitário e estudantil em geral está entre os principais a usar a bicicleta como modal.

Em Curitiba, segundo o documento, as escolas e universidades são 38% dos destinos de quem usa bicicleta como meio de transporte, mais do que a média nacional, que é de 25%. Entre as estações já instaladas, apenas os campi Reitoria e Santos Andrade estão contemplados com opções próximas. Mas não há, por exemplo, estações nas imediações do prédio de Música da UFPR, no Batel. O aluno que precisa se deslocar entre os dois campi precisa andar um quilômetro do prédio da UFPR até a Praça Espanha.

A situação dos campi centrais da UFPR ainda é melhor que do campus da PUC-PR, no Prado Velho, que não foi contemplada por nenhuma estação Tembici. A mais próxima, na Rodoferroviária, fica a cerca de 2,5 quilômetros de distância ou 15 minutos de trajeto pedalando num trecho principalmente plano. Mas o ciclista só poderá usar o sistema se conseguir ir e voltar dentro do limite de 60 minutos estipulado porque não há estação no campus da PUC.

A área tem, além da PUC, diversos colégios públicos e privados de grande porte, como o TecPUC, o Colégio Sesi Internacional, o Medianeira e o Colégio Estadual Manoel Ribas. Há também o potencial de integração com os Campi Centro Politécnico e Jardim Botânico da UFPR através da estrutura cicloviária já existente na Linha Verde, o Terminal Capão do Imbuia e a Rodoferroviária, todas áreas identificadas no plano de ciclomobilidade da cidade. Destas, apenas a Rodoferroviária tem estação Tembici instalada.

O público universitário também ficou sem uma integração entre o Terminal Campina do Siqueira e o Terminal Campo Comprido com os campi da Universidade Positivo e da UTFPR, na Cidade Industrial.

Além do público jovem, estudante, que já foi identificado como mais disposto a adotar o modal bicicleta, a região Leste também é a que tem maior índice de uso desse meio de transporte: 4,7%. A média da cidade é de 1,8%. Dentro dessa área, o Cajuru é uma zona de calor importante, que além de estudantes tem trabalhadores interessados em utilizar o modal.

A pesquisa de origem e destino (O.D.) realizada em 2017 elaborou o mapa de calor com o fluxo de
bicicletas. As manchas com maior incidência de calor estão posicionadas muito próximas aos Setores Estruturais , na região central e com destaque na região leste da cidade na região do bairro do Cajurú onde ocorrem manchas de maior intensidade.

Plano de Estrutura Cicloviária de Curitiba – 2019

Na região do Cajuru, o Plano identificou uma demanda de deslocamentos que tem como destino a região norte da cidade. Já na região oeste, a Cidade Industrial também é apontada como área potencial para o modal bicicleta e a integração desta com a Rede de Transporte Coletivo. A diferença entre essas duas áreas e as já contempladas pela Tembici é a renda per capita da população, menor nesses dois bairros que na Regional Matriz.

Por outro lado, a pesquisa de Origem e Destino que embasa o Plano de Estrutura Cicloviária, a adesão a bicicleta como meio de transporte é maior justamente entre a população de menor renda.

Por outro lado, tanto a população do Cajuru quanto a Cidade Industrial tem menos acesso à bicicleta que a da Regional Matriz. Ou seja, as duas regiões contém mais gente interessada em usar a bicicleta e com perfil para o uso, mas sem acesso ao veículo.

Pesquisa Origem/Destino Grande Curitiba – 2014/2015

No plano municipal de ciclomobilidade há a previsão inclusive de integração da região do Portão Fazendinha com a Cidade Industrial, criando um corredor de vias para o transporte com bicicleta que atenderia a população trabalhadora que mora na regional Portão, mas trabalha nas indústrias e empresas da Cidade Industrial. Do terminal do Portão à rua Desembargador Cid Campelo, no CIC, por exemplo, são seis quilômetros pela Rua João Bettega.

Curitiba terá mais 16 estações Tembici

Atualmente o sistema instalado pela Tembici em Curitiba tem 34 estações em oito bairros. Segundo tanto a prefeitura e a empresa que gere o sistema, serão 50 estações no total. A localização das 16 restantes, porém, não foi informada por nenhum dos dois. Apenas que a implantação completa acontece até o fim de agosto.

Esses dados também deveriam estar anexos ao contrato assinado pela Prefeitura e a empresa concessionária, mas não estão no Portal de Transparência do município. A assessoria de imprensa da Tembici se limitou a informar que: “Até o fim de agosto, quando o sistema estará completo, o projeto irá conectar diferentes modais, estando próximo a importantes conexões com o transporte público como as estações do Tubo e terminais como Cabral, Portão, Guadalupe e Campina do Siqueira, além da Estação Rodoferroviária”.

Na próxima fase de implantação serão disponibilizadas 250 bicicletas elétricas, o que deve ampliar o raio de atuação delas de 12 quilômetros para 25 quilômetros, no caso de trajetos entre estações Tembici e de 6 para 12,5 quilômetros no caso de percursos que terão que incluir o retorno. Isso porque com o motor elétrico, as bicicletas motorizadas chegam a uma velocidade máxima de 25km/h. No caso da bicicleta mecânica, o Plano de ciclomobilidade de Curitiba calcula uma velocidade média de 12km/h.

Histórico

Curitiba tem uma fama nacional conquistada a principalmente partir dos anos 1990 por ter conseguido implantar um planejamento urbano real, com regras construtivas, eixos de mobilidade e, claro, um sistema de transporte coletivo integrado a tudo isso. Foi uma das primeiras cidades brasileiras a conseguir integrar iniciativas privadas e públicas em uma política pública de urbanismo, numa história que começou a tomar forma nos anos 1970, cujos louros os curitibanos e os políticos da cidade colhem até hoje.

Isso tudo não é obra de só uma pessoa ou instituição. Mas sim de uma sinergia entre os estudos técnicos, políticas públicas e a implantação de projetos. Pois bem, na implantação do sistema de bicicletas públicas compartilhadas inauguradas no último dia 17 de julho, parte dessa tradição parece ter sido deixada para trás.

Desde 2019 Curitiba tem um plano de ciclomobilidade que estipula critérios para políticas públicas no setor. O documento foi elaborado a partir de pesquisas como a de Origem e Destino, feita em 2014/2015, para identificar gargalos da rede de transporte da cidade, na gestão do então prefeito Gustavo Fruet (PDT) e herdado por Rafael Greca (PSD) em 2018. Também continha um inédito levantamento da estrutura cicloviária da cidade.

Quando abriu edital para selecionar uma nova empresa para explorar o serviço de locação de bicicletas na cidade, Curitiba determinou que o projeto escolhido deveria seguir os critérios estipulados no plano. O critério está tanto no edital quanto no contrato assinado pela Prefeitura de Curitiba e a M1 Transportes Sustentáveis Ltda em novembro de 2022.

O contrato prevê que a empresa irá instalar, administrar e fazer a manutenção de sistema de compartilhamento de bicicletas em Curitiba pelo prazo inicial de 36 meses. Trata-se de uma outorga sem ônus, ou seja, o governo municipal não receberá diretamente nenhum valor pelo serviço, apenas eventual aumento de arrecadação com impostos cobrados sobre o serviço prestado.

Por outro lado, a empresa arcará com todos os custos de instalação e manutenção do sistema e se compromete a devolver os espaços públicos ocupados pelas estações da forma como receberam. Além da receita com a locação das bicicletas, o serviço também pode explorar espaços publicitários nas estações e bicicletas.

A prefeitura, porém, se comprometeu a reforçar a implantação e adequação de estrutura cicloviária nas regiões contempladas pela Tembici, o que de fato aconteceu no Centro da cidade, com a sinalização das ciclorrotas. Mas como consequência, a falta de adesão da Tembici ao plano de ciclomobilidade também resultou na mudança da política pública que deveria investir na periferia, para a região central.

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