Prefeitura comete erro grosseiro ao explicar indicadores da Covid-19

Texto não explica porque Curitiba mudou critério para evitar a bandeira laranja no último dia 2

A Prefeitura de Curitiba voltou a errar ao explicar o cálculo do valor do Sistema de Monitoramento Covid-19 no dia 7 de outubro. Em um longo texto, publicado no site do governo municipal, três erros chamam a atenção do leitor mais atento. Apesar disso, o release foi reproduzido por, pelo menos, dois grandes portais de notícias de Curitiba.

O texto explicando o Sistema foi publicado depois que o Plural levantou dúvidas sobre o cálculo. Em três reportagens, o jornal mostrou que a prefeitura manteve bandeira amarela quando os indicadores apontavam para bandeira laranja, que o cálculo do sistema torna a bandeira vermelha improvável e que a prefeitura mudou valores do Sistema para evitar declarar bandeira laranja na última sexta-feira, dia 2 de outubro.

O texto com o título “Em dois meses, óbitos e casos confirmados têm queda de 50% em Curitiba” começa afirmando que “Os principais indicadores do painel de monitoramento da covid-19 em Curitiba apresentaram queda de até 50% no comparativo entre as semanas epidemiológicas de 26 de setembro a 2 de outubro e 1º a 7 de agosto”.

A afirmação, no entanto, ignora que os indicadores do sistema, como definido pela própria prefeitura, não avalia números absolutos mas, no caso de 6 dos 9 itens avaliados, compara a semana em análise com a semana anterior.

É o caso do número de casos confirmados, citado no texto como tendo caído “49% entre o início de agosto e o final de setembro”. O indicador relativo a isto, que é o de número 1, compara o total de confirmados na semana com o total da semana anterior. O indicador da semana de 7 de agosto teve resultado 1,33 e da semana de 2 de outubro, 1,05, uma variação de 21% e não 49%.

Esse indicador avalia a variação, de uma semana a outra, do total de confirmados. Na prática, resultados acima de 1 apontam para o crescimento dos casos nos últimos 7 dias.

O texto também afirma que os indicadores do total de casos e o de óbitos “são os indicadores de maior peso no painel da covid-19”, o que está errado. Segundo documentação da própria prefeitura, o indicador de novos casos tem peso 0,375 e o de óbitos, 1,75.

Os indicadores com maior peso no cálculo da nota geral do sistema são dois, de mudança na capacidade de atendimento. O primeiro mede a variação no número de leitos de UTI disponíveis, e o segundo, a variação de leitos de enfermaria. Ambos têm peso 2, maior, portanto, que 0,375 e 1,75.

No entanto, em outro trecho do material, a prefeitura volta afirmar que “os óbitos por covid-19 e os novos casos confirmados da infecção têm os maiores pesos (3) dentro do painel”.

Por fim, a prefeitura afirma que o resultado do cálculo dos indicadores varia de 0,01 a mais de 3, uma impossibilidade matemática. Isso porque, como o Plural noticiou, o sistema criado para calcular a bandeira de alerta atribui à bandeira vermelha – grau máximo de alerta na cidade – uma faixa que representa apenas 1 em 20 valores possíveis.

O cálculo dos indicadores tem três fases. Na primeira, o valor do indicador é calculado a partir dos dados da pandemia na cidade. Esse valor então é comparado com uma escala de valores definida pela prefeitura na documentação do sistema, que atribui um em três valores possíveis para cada indicador: 1 (bandeira amarela), 2 (bandeira laranja) e 3 (bandeira vermelha).

É esse valor que é usado no cálculo final do indicador. Como os únicos valores possíveis são 1, 2 e 3, o Plural simulou os valores finais em dois casos: quando todos os indicadores recebem o menor valor (1) e quando todos têm o maior valor possível (3).

No caso do valor 1 para todos os indicadores, o resultado é o seguinte:

O valor do indicador é multiplicado pelo peso e a soma de todos os resultados e dividido por 10

Com isso, o menor valor possível do Sistema é 1. Já no caso de todos os indicadores com valor 3, temos o seguinte:

O valor máximo do cálculo é 3, que indica a bandeira vermelha. É o único valor possível que indica o alerta máximo, uma vez que a própria prefeitura definiu que valores entre 2 e 2,99 equivalem à bandeira laranja.

Apesar da longa explicação, a prefeitura não se manifestou sobre a mudança de critério que reduziu o índice do sistema na última sexta-feira, dia 2 de outubro. A mudança levou o valor final da bandeira de 2,18 para 1,78, evitando a declaração de bandeira laranja.

O release da prefeitura, no entanto, contém uma declaração da secretária municipal de Saúde, Márcia Huçulak, confirmando que o valor obtido no cálculo às sextas deveria ser considerado na definição da bandeira.

“Toda sexta-feira são feitos os cálculos que definem matematicamente a cor da bandeira e, consequentemente, as medidas as serem adotadas são discutidas pelo Comitê de Técnica e Ética Médica”, afirmou a secretária.

A alteração reduziu a faixa de valores para o indicador 7: número de leitos livres de UTI. Antes do dia 2, o valor 3 era atribuído ao indicador se houvesse menos de 84 leitos livres disponíveis. No dia 2, a prefeitura passou a considerar valor 3 apenas para o caso de haver menos de 26 leitos livres de UTI.

A alteração está na documentação da própria prefeitura:

A documentação do cálculo em semanas anteriores contém a faixa inalterada, como esta aqui:

Sobre o/a autor/a

3 comentários em “Prefeitura comete erro grosseiro ao explicar indicadores da Covid-19”

  1. Já chega disso tudo. É hora do NOVO.
    Conheça as propostas do Dr. João Guilherme… sem utilização do dinheiro público em campanha. Reconsidere.

  2. Arandi Ginane Bezerra Jr

    Os indicadores que têm sido utilizados pela prefeitura de Curitiba para determinar as bandeiras (amarela, laranja e vermelha) dão ênfase a comparações com os números da semana anterior.

    Estas comparações, no contexto dos indicadores sugeridos pela CDC, são considerados dados “secundários”.

    Refiro-me ao material disponível em:

    https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/community/schools-childcare/indicators.html#thresholds

    e que norteia a reabertura de escolas. Os indicadores principais seriam:

    1-número de casos por 100.000 habitantes;
    2- % de testes PCR
    (nos últimos 14dias)

    Neste sentido, além de apontar as incoerências e erros na metodologia utilizada pela prefeitura, sugiro chamar atenção também para a necessidade imperiosa de atentarmos para os dois indicadores acima.

    Seguem alguns cálculos que realizei para Curitiba:

    Entre 25/09 e 09/10:

    3970 novos casos
    Para uma população de 1.993.000 habitantes (IBGE, 2019):

    são 199/100.000

    O número: 199.
    Segundo o CDC, pra haver risco baixo, deveria ser menor que 20.
    Números maiores que 200 representam risco altíssimo.

    O outro indicador do CDC seria a porcentagem de testes RT-PCR positivos nos últimos 14 dias.
    Segundo dados do Paraná (Secretaria da Saúde), entre 25/9 e 9/10:
    63.308 total de testes RT-PCR,
    12.819 positivos.

    Resultado: 20%.

    Segundo o CDC, pra risco baixo, deveria ser menor que 5%.
    Números maiores que 10% representam risco altíssimo.

    Outro indicador do CDC: leitos de UTI.

    9/10: 66% de ocupação em Curitiba.
    Segundo o CDC, para risco baixo, este número deveria ser menor que 10%.

    Curitiba não deveria promover a ideia de que “as coisas estão melhorando”. A situação da COVID-19 em Curitiba continua gravíssima.

    1. Rosiane Correia de Freitas

      Oi Arandi, realmente, além dos erros e inconsistências do Sistema, tem toda uma discussão sobre a validade de só se avaliar essa comparação semana a semana. Vamos continuar trabalhando nisso em novas reportagens.

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