:Plural explica – mensagens vazadas da Lava Jato: crime ou jornalismo?

Olá leitores e leitoras do plural.jor.br, esse é o episódio de estreia do Plural explica. E nosso tema de hoje é o vazamento de mensagens do Telegram de membros da Força Tarefa da Lava Jato e do ex-juiz e ministro […]

Olá leitores e leitoras do plural.jor.br, esse é o episódio de estreia do Plural explica. E nosso tema de hoje é o vazamento de mensagens do Telegram de membros da Força Tarefa da Lava Jato e do ex-juiz e ministro da Justiça, Sérgio Moro.

Vamos explicar como mensagens de aplicativos de mensagens podem ser obtidas e porque a decisão de publicá-las é jornalística.

Neste domingo, o site Intercept publicou a primeira parte de uma série de reportagens baseadas em mensagens obtidas do aplicativo Telegram de integrantes da Força Tarefa da Lava Jato. Em editorial, o Intercept explicou que as mensagens foram enviadas à redação por uma fonte anônima e que englobam dois anos de comunicações. Também informaram que há mais mensagens, áudios, vídeos e documentos que serão alvo de novas reportagens .

Mas como mensagens do Telegram podem ser obtidas? O aplicativo não é seguro e criptografado? E mais, como se tratam de mensagens privadas, seria ilegal o Intercept publicá-las? Em nota, a Força Tarefa disse que o caso é um ataque a operação Lava Jato e a segurança dos procuradores, seus familiares e amigos. Teria o Intercept sido irresponsável? O que eles publicaram é jornalismo ou é crime?

Vamos começar pelo Telegram. Visto como aplicativo seguro, o Telegram é geralmente indicado como alternativa ao Whatsapp. No entanto, tanto um quanto o outro utilizam como segurança a criptografia das conversas ponta a ponta. Ou seja, quando escrevo algo no Telegram ou Whatsapp, essa mensagem é criptografada quando deixa meu telefone e descriptografada ao chegar ao destinatário. Apenas eu e o destinatário temos a chave da criptografia, o que quer dizer que se alguém interceptar essa mensagem no caminho, não poderá acessá-la.

Pois bem, isso protege o usuário de sistemas que vigiam o envio de pacotes via internet. Pacote é como a gente chama grupos de dados que transitam na rede. Como a rede é descentralizada e pública, esses pacotes podem ser interceptados. A criptografia dos programas de mensagens evita que isso seja um risco.

Mas então como conseguiram as mensagens? Bem, dadas as informações disponíveis até o momento, o mais provável é que o aparelho celular de alguém tenha sido clonado. Explico: o processo de criptografia é feito no aparelho, portanto quem tem acesso a ele consegue ter acesso as mensagens sem essa proteção. As mensagens disponibilizadas até agora pelo Intercept apontam para uma hipótese: a de que o alvo da clonagem tenha sido o procurador Deltan Delegnoll, uma vez que ele é o ponto comum a todas as mensagens publicadas.

Tanto o Telegram quanto o Whatsapp, bem como outros aplicativos e até mesmo o sistema operacional dos celulares tanto Apple quanto android utilizam a identidade do aparelho como parte da verificação de identidade do usuário. Traduzindo: quem clonou o aparelho também teve acesso a outros dados de outros aplicativos, inclusive de sistemas de backup na nuvem, como o Google Drive ou o iCloud, da Apple.

E como se clona um celular? Por engenharia social. A pessoa se comunica com alguém que acredita ser conhecida dela que manda um link ou um pedido para que o usuário informe o código de verificação do whats enviado por sms, por exemplo. No caso da invasão do comitê democrata na eleição americana de 2016, a porta de entrada foi um link malicioso enviado por email para figuras importantes dentro do partido.

Não é difícil imaginar que a fonte do Intercept, ou a fonte da fonte do Intercept (uma vez que não necessariamente quem vazou foi quem conseguiu as informações) seja alguém extremamente qualificado que fez uma clonagem bastante sofisticada.

Dito isso, é importante que se note que nem Sergio Moro nem os integrantes da Força Tarefa negaram a veracidade das mensagens. Pelo contrário, denunciaram a ação do suposto hacker que obteve as informações.

Mas hackear o celular é ilegal? Sim. Trocas de mensagens em aplicativos são protegidas por sigilo de correspondência sob a constituição brasileira. Quem obteve e vazou essas informações certamente está sujeito a responder criminalmente por isso. E o Intercept? Não, o intercept não cometeu, parece, nenhuma ilegalidade.

Ué, como assim? Explico: o jornalismo é regido pelo interesse público. De fato, o jornalista não pode cometer ilegalidades para obter suas informações. Mas ao receber essas informações obtidas por outros, ele tem a responsabilidade de

  • Determinar se há interesse público no material
  • Checar as informações obtidas e confirmar sua veracidade
  • Publicar com eventual retirada de informações que não sejam de interesse público ou coloquem em risco alguém

 

Há interesse público? Sim. A relação dos procuradores com o então juiz Sergio Moro é um desrespeito as regras do judiciário e uma demonstração de que o processo foi viciado. Em português claro: o juiz precisa julgar dando igual oportunidade para acusação – no caso, os procuradores – e a defesa. Quando ele se envolve na investigação, essa equidade de tratamento é rompida. E isso é base para a defesa acusar o juiz de estar impedido de atuar naquele caso.

Se Moro tinha interesse investido na condenação e prisão de Lula, ele não podia ter atuado no julgamento das ações contra o ex-presidente. E isso não vale só para Lula. Vale para todas as pessoas condenadas dentro dos processos da Operação Lava Jato.

O Intercept aponta em diversos momentos das reportagens ter checado e confirmado informações que estavam no material entregue a eles. E, por fim, até o momento não há nada publicado que coloque em risco a vida de alguém, a não ser a dos próprios jornalistas envolvidos na reportagem.

Mas quando houve o vazamento das ligações de Dilma para Lula a esquerda reclamou que era ilegal. Por que agora pode? São situações diferentes. Lula teve o telefone grampeado com autorização judicial em 2016. As conversas, inclusive uma com a então presidente Dilma, indicavam que o ex-presidente tomaria posse como Chefe da Casa Civil. E se tornaram públicas depois que o então juiz Sergio Moro retirou o sigilo do material.

Nesse caso não foi um vazamento, mas uma gravação autorizada e que foi tornada pública com o aval da Justiça. Na época, o que a defesa de Lula questionou foi a validade legal da retirada do sigilo.

Na reportagem do Intercept deste domingo, as mensagens do Moro sugerem que ele fez um cálculo político ao liberar as gravações, ou seja, a decisão que deveria ter sido técnica, não foi técnica, foi política.

A divulgação das gravações de Lula foi parte importante do processo que culminou com o impeachment da presidente Dilma Roussef.

Ué, mas jornalista pode vazar e juiz não pode autorizar? Bem, a função do jornalista é informar. Muito embora o conteúdo jornalístico possa embasar a condenação pública de alguém, o jornalismo em si não tem poder nem de polícia, nem de juiz.

Historicamente o Brasil já viu reportagens resultarem em impeachment, caso da Dilma e do Fernando Collor de Mello. Mas também há casos em que apesar da cobertura intensa da imprensa, o resultado não foi afetado, caso do ex-deputado estadual Fernando Ribas Carli, que causou a morte de dois jovens ao dirigir em alta velocidade e embriagado e que, apesar da imprensa e da comoção social em torno do caso (inclusive com a eleição da mãe de uma das vítimas para o Congresso, a deputado Cristiane Yared) não vai passar um dia sequer na cadeia.

Um juiz tem que zelar para a qualidade técnica das decisões que profere, uma vez que elas serão colocadas a prova em outras cortes e, mais importante, tem consequências. Sem Moro a pressão para o impeachment da Dilma talvez não fosse suficiente para retirá-la do cargo. Mas mais importante ainda, Moro, ao condenar Lula, retirou do ex-presidente a chance de concorrer à presidência em 2018 e entregou, virtualmente, o cargo a Jair Bolsonaro, que, por fim, deu a Moro o cargo de ministro da Justiça e prometeu a ele uma vaga no Supremo Tribunal Federal.

Neste domingo o que o Intercept revelou é que havia algum interesse de Moro e dos procuradores e prender Lula. Qual a dimensão desse interesse é algo que as próximas reportagens podem revelar.

Eu sou a jornalista Rosiane Correia de Freitas e o Plural Explica edição um fica por aqui. Quer entender como algo funciona, por que algo acontece? Mande sua dúvida para nós no email [email protected].  Até a próxima.

 

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