Você sabia que Curitiba tem um Museu de Periferia?

O espaço cultural funciona como registro histórico do bairro e objetiva fortalecer a cultura das periferias

É fácil encontrar informações sobre a História de Curitiba. Ou melhor: é fácil achar informações sobre a região central da cidade, desde a fundação, passando pela visita pelo imperador e chegando ao calçadão da Rua XV. Mas e a história da periferia? Aí as coisas não são tão simples, e é preciso garimpar bem mais.

Por isso é impressionante o trabalho feito para criar uma memória de parte dos bairros periféricos da capital. O Museu de Periferia (MUPE), localizado na Vila Xapinhal, no Sítio Cercado, é uma iniciativa de resgatar e preservar a memória do bairro. Desde o ano de 2011 realiza exposições com imagens fotográficas e objetos que ilustram o histórico dos primeiros habitantes até chegar aos dias atuais.

O museu, que fica na Associação Cultural de Negritude e Ação Popular (ACNAP), é um importante registro das histórias dos moradores, inclusive das lutas por moradias, e representa um espaço de cultura periférica. Mesmo sendo um local com tanta referência histórica e aberto ao público para visitas, poucas pessoas do próprio bairro e de bairros vizinhos o conhecem.

Museu comunitário

Segundo a coordenação, o MUPE tem como missão ser um museu comunitário, para que as pessoas possam refletir sobre o ambiente do qual fazem parte, incluindo suas culturas, cotidianos e manifestações artísticas das periferias.

A exposição do museu relata a história dos primeiros proprietários de terras da região sul de Curitiba, no início do século 20, até a formação de todas as vilas do bairro Sítio Cercado. Percorrendo as fotografias e objetos, pode-se prestigiar como viveram os primeiros habitantes no período das ocupações, suas barracas, utensílios domésticos e os megafones utilizados para chamar as pessoas para os protestos de luta por moradia.

Assim são ilustradas as primeiras lideranças comunitárias, que usavam pseudônimos para garantir a segurança de suas identidades em uma época na qual ainda vigorava o regime militar.

Finalizando a exposição, as imagens mostram um Sítio Cercado da atualidade, com sua urbanização atual e o extenso comércio, bem como as lideranças atuais que ainda lutam por mais infraestrutura e organização do bairro.

O início do Museu de Periferia

Segundo a idealizadora, fundadora e coordenadora Palmira Oliveira, as primeiras ideias para a criação do Museu de Periferia começaram com as atividades que ela e o também fundador, Marcelo Rocha, já desenvolviam pelo Conselho de Segurança Comunitária do Sítio Cercado. O projeto chegou na Associação Nossa Senhora da Luta por meio de uma oficina de cultura que objetivou trazer conhecimento sobre culturas diferentes.

Dessa forma, a ACNAP trouxe pessoas para trocar ideias sobre esses projetos comunitários. A oficina contou com a participação de políticos, estudiosos e artistas, pessoas de diferentes bairros da capital. Palmira conta que seu entusiasmo para fazer acontecer o atual museu partiu da ideia de projetos comunitários muito comuns no Chile e de um encontro com Afroleide, do Museu da Favela da Maré.

Segundo Palmira, a ideia de contar a História do bairro era antiga e veio à tona a partir do encontro com Afroleide. Com o projeto escrito e aprovado, foi enviado para Brasília e o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) abraçaram a causa. Com a ideia inicial aprovada, foram realizadas viagens para participar de encontros sobre cultura, fato que abriu vários leques de informações para dar início ao projeto.

Exposição de fotos das primeiras moradias da Vila Xapinhal e da Vila Osternack. Abaixo das imagens, os troféus de campeonatos realizados na época. Foto: Silvana Bárbara

Em busca de apoio, Palmira foi à Regional Bairro Novo, porém encontrou limitações. “A Prefeitura deve ter muita coisa, sim. Ela tem o histórico de tudo, mas foi um impasse conseguir informações daquela Regional”, afirma a fundadora. Isso não impediu seu trabalho e ela mesma foi atrás das informações. Conseguiu fotos, mapas, fez pesquisas e entrevistas para o projeto acontecer. “Eu trabalhava, mas mesmo assim pegava meu carro e saía por esse bairro inteiro”, conta. Apaixonada por História, Palmira assim se define: “Eu sou a historiadora comunitária”.

Com o valor do financiamento conquistado pela aprovação do projeto, foi feito um investimento na Associação que era a antiga sede do MUPE, exclusivo para a inauguração do museu, que ocorreu em 2010. Palmira informa que a montagem dos painéis para a exposição inaugural foi trabalhosa, contudo, muito gratificante. “Passamos a noite colando fotografias para a inauguração. Cortando foto por foto, que vinham impressas em uma bobina”.

Localização do Museu

Sobre o motivo da localização do museu, a coordenadora afirma que o local foi quem “puxou” o projeto. Os moradores queriam contar um pouco da História da ocupação, por isso foi ficando na vila atual. Junta-se a esse contexto o fato de que o Museu de Periferia precisava de um espaço físico. Palmira conta que procurou escolas e a Prefeitura, que ofereceu a Vila Tecnológica, no Bairro Novo B, porém essa ideia nunca foi concretizada. Então os moradores cederam o espaço.

A ideia inicial era a de descentralizar a História em diferentes Associações, com uma sede própria em cada vila, com o histórico específico de cada uma delas. Contudo, o MUPE ficou concentrado no Xapinhal.

Importância e significado

A fundadora conta que, quando começou a residir no Bairro Novo B, no Sítio Cercado, logo pensou em fazer algo por ele. Por isso se tornou Conselheira de Segurança Comunitária, para contribuir com projetos de melhorias para o bairro. “Nos anos de 2010 e 2011, o Sítio Cercado estava no auge da
criminalidade, principalmente no Xapinhal e na Vila Osternack”, diz.

Segundo Palmira, depois do período mais crítico da pandemia, a criminalidade reduziu bastante. Afirma que algo mudou, talvez a conscientização das pessoas.

O nome Xapinhal tem um significado relevante. O batismo foi feito pelos próprios moradores que ocuparam a vila, oriundos de locais diferentes, e é uma junção dos bairros Xaxim, Pinheirinho e Alto Boqueirão. Dessa forma, suas características definem um pouco de cada lugar. É um mesclado de pessoas de vários lugares. “O loteamento eles mediam com as cordas, iam esticando e marcando”, informa a coordenadora do MUPE.

Construção do acervo

Com relação ao acervo, além do trabalho da coordenação que foi atrás, os moradores também contribuíram com muito material. Por meio de uma parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR) que durou oito meses, o professor de História Wagner Tauscheck fez todo o levantamento e um bolsista trabalhava no museu com digitalização e catalogação do acervo. Com o falecimento do professor, a parceria terminou e o museu não está mais recebendo doações para o acervo por falta de espaço para armazenamento e da necessidade de ter uma pessoa para fazer a catalogação.

Segundo a coordenadora, no início do projeto ocorreram desafios na Vila Osternack, por causa da resistência de alguns moradores da época. No momento atual, além da necessidade de mais espaço, há o desafio maior de manter o acervo e o de melhorar a infraestrutura da Associação. “Problemas com infiltração e umidade danificam o acervo”, aponta a coordenadora.

Também por ser um museu de periferia, as limitações e os desafios são diferentes. “Queria montar uma sala com tecnologia, como aquela exposição do Van Gogh, na qual as pessoas entram e passeiam com projetores. Mas é um sonho”, diz Palmira.

Outro desafio apontado é o de fazer com que a importância do MUPE seja percebida pelas crianças, para que saibam sobre a História de suas famílias. Nesse sentido, há uma parceria com o Colégio Medianeira, pela qual duas vezes por ano a coordenação do museu vai à essa escola contar a História do Sítio Cercado. Essas ações são importantes para levar a cultura periférica aos moradores de bairros considerados “nobres”, para que as pessoas conheçam uma periferia que vai além da forma negativa como comumente é mostrada na mídia. Por carinho, por amor e com muita vontade de continuar levando o projeto adiante, Palmira conclui: “Ter estrutura, manter e levar às escolas. Esses são os
maiores desafios. Grandes, ainda precisa muito trabalho.”

Serviço
Museu de Periferia (MUPE): Rua Francisco José Lobo, 945, Sítio Cercado.
Visitas realizadas às quintas-feiras, a partir das 14 horas, com agendamento. Fone: (41) 98834-5228

Este texto é parte do projeto Periferias Plurais, em que o Plural convida seis jovens de Curitiba e região a falar sobre suas vidas e suas comunidades.

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