UFPR recebe a arte dos refugiados

Expressões artísticas levam culturas e histórias de superação a campi de Curitiba

“Quando você precisa deixar seu país, você sente que nada é seu. Parece que nem o ar é seu”, lembra o sírio Amr Houdaifa, durante a abertura da exposição ‘Bordas Urbanas’, no campus Rebouças da Universidade Federal do Paraná (UFPR). A mostra – que marca o Dia Mundial do Refugiado (20/6) – vai percorrer todos os campi da UFPR e busca, pela arte, integrar culturas, expressar talentos e homenagear estudantes universitários em situação de refúgio e migração em Curitiba.

Organizada pelo movimento ‘Arte como Refúgio’, a intervenção artística envolve painéis, dança, música, poesia, oficinas, artesanato e troca de experiências. “Quebramos a ideia de fazer ações para pessoas refugiadas, ao invés disso, resolvemos fazer ações com eles. Eles participaram desde a organização até as apresentações. A proposta era: vamos fazer algo juntos; vamos nos integrar! E foi um sucesso”, conta a idealizadora do projeto, Maria Beatriz Maia, estudante de Psicologia na UFPR.

Painéis e a beleza africana no saguão da UFPR. Giorgia Prates/Plural

Ela tem a intenção de levar a exposição também a espaços culturais e outras capitais do Brasil, como forma de valorizar os refugiados, em especial os estudantes, que, segundo ela, passam por anulações, perdas de elo com suas culturas e consigo mesmos. “As incertezas são muito presentes. O sentimento de perda e exclusão é gigantesco. Mas a arte é algo comum em todas as culturas e é um instrumento muito potente de inclusão”, acredita a estudante, que integra o programa da Política Migratória e Universidade Brasileira (PMUB).

Na dança, a integração foi certa. Cinco estudantes brasileiras aceitaram o desafio e aprenderam a ginga congolesa, que teve como professora a refugiada Elisabet Nelly. “Ao longo dos ensaios, descobrimos vários aspectos da dança e da cultura congolesa. O corpo da mulher ocupa um espaço quase ritualístico ou relacionado a certo tipo de cortejo. Foi muito poderoso”, assegura Maria Beatriz, uma das alunas.

Dançar em grupo é característica da cultura congolesa. Foto: Giorgia Prates/Plural

Além de mostrar seus talentos artísticos, os estudantes refugiados foram homenageados e, quatro deles, traduzidos em painéis do artista Seth Dazrua. “No começo eu nem queria participar, mas quando vi, me emocionei”, revela Jacqueline Agossou, uma das modelos. Ele chegou ao Brasil há dois anos e aqui conseguiu voltar ao curso de Farmácia. “Não é nem um pouco fácil, mas é possível.”

“O preconceito precisa acabar”

A amizade, no entanto, nem sempre vem logo. “Demorei muito para falar com as pessoas, contar da minha vida. Os alunos nos tratam como intercambistas, como se tivéssemos dinheiro e estivéssemos aqui esperando pra voltar pra casa. Mas uma vida inteira não cabe numa mala. Deveriam compreender o que sentimos e ser mais receptíveis”, relata a venezuelana Natasha Gotopo, estudante de Medicina Veterinária.  “Neste projeto, vimos que há outros como nós e nos enxergamos, provamos que o refugiado também pode, também é capaz.”

Roda de conversa com estudantes refugiados. Foto: Giorgia Prates/Plural

Muitos falam dos obstáculos em seguir longe da terra natal e da família. “Apesar de você trabalhar e fazer faculdade, você se sente limitado, porque a terra não é sua. Você luta todo dia, você sobra. Você fica sem grupo. Pra sobreviver no Brasil, numa universidade, você tem que ser forte. Mas as pessoas precisam lembrar que ninguém escolheu deixar seu país. Isso é sempre um problema. O preconceito precisa acabar”, diz o haitiano Fabrice François, estudante de Ciências Biológicas.

“Ser expulso do seu próprio país, como se sua terra não fosse mais sua casa. Sem dinheiro, sem falar outra língua. Isso não é nada fácil. Há muitas questões envolvidas e este projeto representa nossos desafios, nossos sonhos por dias melhores”, diz o sírio Amr Houdaifa, hoje mestrando em Direito na UFPR.

União e potencial

A ideia de unificar e fortalecer a cultura dos migrantes e refugiados também está com o haitiano Wilzort Cenatus, que criou a União da Comunidade – Estudantes e Profissionais Haitianos (UCEPH). “Queremos criar uma rede envolvendo toda a comunidade de refugiados e migrantes de Curitiba, sejam estudantes ou profissionais. Podemos criar vínculos, fomentar e desenvolver nossas culturas. Precisamos de visibilidade para lutar por nossas causas e avançar em nossos direitos. Para isso temos que mobilizar todos”, percebe Cenatus.

Para o psicólogo Josafá da Cunha, professor do Laboratório Interagir da UFPR, é necessário destacar que os refugiados podem agregar muito à nossa convivência. “O olhar de potencial, ao invés de um olhar de déficit, pode fazer toda diferença. Eles chegam com trajetórias de vida muito ricas e podem nos ajudar a aprender e auxiliar a repensar os grandes problemas da humanidade”, avalia.

Encontro de culturas no saguão da universidade. Foto: Giorgia Prates/Plural

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