Só 15% das famílias podem pagar preço médio da casa própria em Curitiba

Levantamento escancara desigualdade social da cidade quando o assunto é moradia

“Em 2015, eu comprei um apartamento ainda na planta, de uma construtora popular. Foram R$ 171 mil parcelados em 35 anos pela Caixa Econômica”, conta a professora de redação Luana Gabriela da Silva, de 33 anos. Ela é formada em Letras e Jornalismo e, na época, até que ganhava bem: o salário chegava a R$ 5 mil, dinheiro suficiente para pagar a parcela de R$ 1,4 mil. Acontece que nos últimos anos ela se viu na mesma situação de grande parte da população brasileira, mergulhada até o pescoço na crise econômica.

“Eu recebi o apartamento em 2017, mobiliei e no ano seguinte perdi o emprego numa das escolas que melhor me pagavam”, relembra. A princípio, ela achou que seria fácil se recolocar no mercado, mas não foi bem assim que as coisas se deram. “Fui pegando o que aparecia de trabalho, mas não consegui mais nada registrado, só bico mesmo – ou freela, como dizem os mais ricos.”

O resultado é que a renda que em 2015 era de R$ 5 mil caiu drasticamente. Em 2019, foi para R$ 1,5 mil. Em 2020, chegou a R$ 1,2 mil. “E aí o que aconteceu? Pra conseguir me manter, tive que sair do apartamento e voltar para a casa da minha mãe. Ele está alugado há dois anos e assim vou pagando as contas. No meio do caminho, consegui abater um pouco das parcelas do financiamento com o FGTS, mas a partir de setembro elas voltam a ser de R$ 1,4 mil e não tenho ideia do que fazer”, desabafa.

A mãe de Luana vive de aluguel em Curitiba e decidiu comprar uma casa em outra cidade. Em breve, ela vai precisar sair do ninho outra vez. “Consegui mais aulas pro segundo semestre deste ano, então o meu salário vai passar pra R$ 2,5 mil, mas assim: com R$ 1,4 mil a prestação mais R$ 360 de condomínio, sobra pouquíssimo pra pagar o mercado, a internet para trabalhar, enfim. Complicado, né?”

Capital social pra quem?

O perrengue para pagar a casa própria em Curitiba não é exclusividade da Luana. Na verdade, a maioria das famílias nem sequer consegue financiar uma moradia por aqui. “O preço médio dos imóveis na cidade é de R$ 676 mil. Considerando os parâmetros da Caixa Econômica Federal, notamos que para conseguir financiar um imóvel deste valor médio, a renda familiar a ser comprovada deve ser em torno de R$ 15 mil reais”, afirma o pesquisador Andrei Crestani.

Andrei é doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) e um dos idealizadores do estúdio urbideias, cuja missão é acessibilizar conteúdos sobre cidade e paisagem. Em parceria com a Incorporadora WeeFor, recentemente a equipe fez um levantamento que refuta o estigma de Curitiba como “capital social”, sobretudo quando o assunto é moradia. 

Segundo Richard Viana, arquiteto e urbanista que integra o time urbideias, o grupo analisou a renda mensal média por domicílio em cada bairro da cidade, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Depois, comparou esses números com o preço médio pago por metro quadrado na compra de apartamentos e residências nos bairros curitibanos, a partir de dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES). 

A conclusão foi de que a conta não fecha: a assimetria é gigantesca. “Apenas 15% das famílias curitibanas teriam possibilidade de acessar o financiamento, considerando a renda familiar. E estes 15% estão concentrados nos bairros centrais de Curitiba”, fala Andrei. 

Os mapas criados pelo estúdio ajudam a espacializar a informação. Imagem: urbideias

Desigualdade

Perguntamos se a experiência de mercado da equipe urbideias corrobora essa conclusão e resposta foi afirmativa. Não à toa, Curitiba é a 8ª capital mais desigual do país, de acordo com o IBGE.

“Se observarmos – especialmente fora da região central – notamos uma paisagem da segregação: é comum em diversos bairros periféricos encontrarmos de um lado empreendimentos e do outro habitações em condições de pobreza, muitas vezes até mesmo sem saneamento básico. Já nas regiões centrais, ao pesquisar em site de compra e aluguel de imóveis, observamos um valor inacessível para grande parte da população, restando a possibilidade de apartamentos ultracompactos, de 20 a 35 metros quadrados, que em nossa opinião não são capazes de oferecer suporte para uma qualidade de vida adequada, especialmente em um momento pandêmico em que tanto temos que permanecer em nossas casas”, conclui Andrei.

O índice gini mede a concentração de renda numa determinada região. Imagem: urbideias

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1 comentário em “Só 15% das famílias podem pagar preço médio da casa própria em Curitiba”

  1. Renata Albuquerque

    Que conteúdo incrível! Está faltando perspectivas críticas como esta que o urbideias trouxe sobre a cidade…Curitiba é uma cidade para poucos..esta história da “Londres brasileira” é uma narrativa danosa pra nossa população real, brasileira, e a margem!

    Parabéns urbideias pelo trabalho e plural pela reportagem.

    PS.: urbideias, não sou da área, mas fui ver e tem muita coisa boa no instagram de vocês! Amei

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