Por que Ratinho não decreta lockdown?

Próximos dias deixarão clara a diferença entre covardia e coragem

Os dados de avanço da pandemia no Paraná deixam claro que a situação no estado é gravíssima. Considerando todas as pessoas com Covid e com suspeita de Covid que precisam de internação, o estado tem um déficit de mais de 1,3 mil vagas.

A determinação de lockdown tem se mostrado uma estratégia eficaz para rapidamente reduzir a curva de infecções, como um estudo que analisou a Itália em março de 2020, quando o sistema de saúde lá entrou em colapso. Lá, os pesquisadores viram que a redução menos drástica na mobilidade da população teve um efeito também moderado na redução de casos. Só o lockdown derrubou a curva de infecções de forma mais contundente.

Se sabemos disso, por que o governador Ratinho Jr. não decreta lockdown?

Primeiro, precisamos saber o que é, de fato, lockdown. Uma medida assim proíbe todas as atividades não essenciais e também aumenta o número de atividades consideradas não essenciais. Na prática, isso fecharia comércios e serviços que hoje estiveram funcionando, como concessionárias, salões de beleza, academias de ginástica etc.

No lockdown, toda população fica restrita a ficar em casa e só sair para ir ao trabalho (caso autorizado), a serviços de saúde, fazer exercícios ao ar livre e compras de itens básicos. A severidade do lockdown varia um pouco de lugar para lugar.

Na Inglaterra, trabalhos que não podem ser realizados de forma razoável remotamente foram autorizados em alguns casos. Na Austrália o governo restringiu até o número de pessoas que os cidadãos poderiam receber em casa. Algumas cidades pararam completamente o serviço de transporte coletivo.

O que está em vigor no Paraná até esta terça, dia 9 de março, não é um lockdown, e sim uma restrição a serviços não essenciais. E isso tem um efeito de redução de casos, mas não drástico o suficiente para desafogar o sistema de saúde.

Em Curitiba, por exemplo, o período de restrição com alerta laranja (veja o gráfico abaixo) implicou numa redução sensível no número de leitos de UTI ocupados e de mortes causadas por Covid-19. Por outro lado, o período em que o alerta mais brando esteve vigente (área em branco) foi seguido quase que imediatamente por um aumento muito expressivo tanto em óbitos quanto em número de internações em UTI.

Ou seja, o que estamos vivendo são pequenas reduções resultantes do aumento nas restrições seguidas de grandes aumentos causados pela volta das atividades. Na prático, isso nos fez ter cada vez mais leitos exclusivos ativos e a cada crise, ter que aumentar ainda mais a disponibilidade de vagas. Isso é visível olhando o impacto de todos os alertas laranja em Curitiba desde junho, quando ele foi instituído.

À primeira vista a decisão do governador Ratinho Jr. em reduzir as restrições a partir de quarta-feira parece ser resultado da pressão de grupos de interesse sobre o governo. Donos de escolas e pais protestaram inúmeras vezes em frente ao Palácio Iguaçu desde o início do ano pedindo a reabertura das escolas. Na prefeitura, a presença de donos de academia de ginástica e bares também é constante.

No entanto, não é só a pressão que explica isso. A razão para Ratinho Jr. não decretar lockdown é mais simples e mais pragmática: ela obrigaria o governo a tomar decisões impopulares e a gastar com coisas que não são “vendáveis”. Duas situações ruins para um governo populista.

O que Ratinho teria que fazer num lockdown?

  • estabelecer punições claras e fortes contra quem desrespeitar as regras
  • criar fundos estatais de pagamento de incentivos a empresas, profissionais liberais e trabalhadores formais e informais que ficarão sem renda no lockdown
  • criar bancos de alimentos para a população mais vulnerável além do pagamento de incentivos financeiros para este grupo
  • investir em bolhas de convívio e creches para crianças em situação de risco, com deficiências e filhos de famílias cujos pais estão em atividades essenciais
  • fechar o estado
  • aumentar dramaticamente o número de testes PCR para Covid-19
  • realizar rastreamento de casos e ser transparente a respeito dos resultados

Numa situação de lockdown, o estado inteiro fecharia. Seriam mantidas apenas as atividades de saúde e a produção e venda de itens essenciais como alimentos, medicamentos e insumos, combustíveis etc.

Ao invés de ceder a pressão das escolas, o governo teria que criar um fundo de financiamento para a rede privada atrelada a adesão delas a criação de bolhas de convívio. O que são essas bolhas? São grupos pequenos de alunos que participam de atividades presenciais.

Essas bolhas receberiam preferencialmente alunos com maior necessidade de estar no ensino presencial, como o caso daqueles com Síndrome de Down, com dificuldades cognitivas, além daqueles cujos pais estão em atividades essenciais e terão que trabalhar.

Obviamente que essa seria uma ação extremamente impopular entre as escolas particulares, pois eles não poderiam ofertar ensino presencial a quem querem e sim a quem precisa. Mas garantiria a injeção de recursos nas escolas, o que é essencial.

Outros setores também receberiam pagamentos para manter a remuneração de funcionários e compensar a falta de receita.

O governo também teria que pagar para um grupo significativo de pessoas pobres ficarem em casa, em especial aquelas que atuam informalmente no setor de serviços. É o caso das diaristas, pedreiros, catadores de papel etc. Não se trata de empréstimo, e sim de uma remuneração paga que, no caso britânico, chega a até 80% da renda regular da pessoa.

Essa ação teria outra consequência muito impopular: a classe média e alta não poderiam manter os serviços dessas pessoas. Quem tem empregados domésticos contratados regularmente teria incentivos para continuar pagando salários, mas sem poder convocá-los para o trabalho. Quem utiliza o trabalho dessas pessoas de forma informal ficaria proibido de contratar o serviço.

Isso também implicaria no estabelecendo de punições para empregadores que insistissem em fazer seus funcionários trabalharem mesmo que sua atividade não seja considerada essencial. Só poderiam manter o apoio de empregados domésticos casos especiais, como idosos e doentes que necessitam de auxílio.

O governo teria que impor restrições ao uso do transporte coletivo, forçando os empregadores a financiar maneiras mais seguras de levar seus funcionários de casa para o trabalho e do trabalho para casa.

Por fim, uma última ação extremamente impopular seria o rastreamento de casos. Isso implica em tornar transparente informações sobre surtos pontuais, como em escolas, empresas, fábricas etc. Também significa que o governo teria que enfrentar o debate sobre o direito a privacidade versus a segurança comunitária.

Essas ações teriam que ser mantidas mesmo depois do lockdown. Com a reabertura das escolas, por exemplo, o governo teria que divulgar casos registrados e impor restrições pontuais em locais com casos.

Casos de empresas com um ou mais funcionários contaminados também se tornariam públicos. E seriam acompanhados da obrigatoriedade de isolamento da equipe por 14 dias sem benefícios financeiros para a empresa. Ou seja, o incentivo para empresa levar a sério o protocolo sanitário seria não correr o risco de ter que fechar as portas por causa de um ou mais casos.

Como se vê, nenhuma dessas ações são boas de “marketing”. Ou seja, não dá para, como o governador fez com as doses de vacina, sair na foto. Pelo contrário, ele teria que suportar resistência e críticas até que os resultados começassem a aparecer.

Além disso, Ratinho teria que usar boa parte de seu capital político junto a prefeitos do estado inteiro para garantir que as cidades atuassem em sintonia. Mesmo junto a administradores que não fazem parte da base política dele. E o faria bater de frente contra Bolsonaro, de quem é aliado. Mas no fim, é pra isso que temos governos eleitos: o voto dá a eles respaldo para tomar decisões impopulares em prol do interesse público.

E quanto tempo isso duraria? O cientista Miguel Nicolellis, um dos mais importantes do país, diz que a atual crise poderia ser contida e reduzida com um lockdown radical de 21 dias. A experiência em outros países mostra que esse tempo pode aumentar e que os resultados efetivos vão depender da manutenção de protocolos de controle após o lockdown.

Ou seja, Ratinho teria que estar disposto a encarar o desafio por pelo menos um ano, mesmo que a população começasse a ser vacinada em massa a partir de agora. Será que ele terá coragem? Enquanto ele decide, milhares morrem sem ar, sem leitos e sem esperança.

Sobre o/a autor/a

12 comentários em “Por que Ratinho não decreta lockdown?”

  1. Parabéns Rosiane! Enfim leio um artigo diferenciado sobre o tema das restrições/medidas essenciais para segurar a transmissão do vírus e desafogar o sistema de saúde (pessoal da saude, estrutura física e materiais). Governador tem se mostrado vacilante em assumir uma posição firme pro saúde/vida da sua população. Só acho q não e por falta de coragem, sim porque ele e bolsonarista e a posição dele e ideológica…ele toma algumas poucas e vacilantes medidas só pra tentar se equilibrar com a opinião pública.

  2. Emerson de Castro

    Obrigado pelo texto Rosiane. Acho que o problema nem é tanto de coragem, mas de caráter. Sobre os custos, a conversa de que não há grana pra enfrentar as situações gravissimas funciona bem para o senso comum. Lembro do governo federal resolvendo o problema dos bancos com o Proer nos tempos de FHC. O auxílio emergencial inicialmente estudado ano passado era de 200,00, o congresso propôs aumenrar para 500,00 e pra não ficar por baixo o presidente ampliou pra 600. Tem, mas precisa ter mais que coragem.

  3. No papel tudp isso é ótimo, bonito e rebuscado. Mais quanto custaria implementar essas ações? Qual o custo ao Estado de parar tudo e ainda dar ajudar monetária às pessoas e empresas? Parace que o Paraná tem o orçamento dos EUA. Me desculpe, mas irrealidade bate forte nesse texto….mas papel aceita tudo…tela de computador também.

    1. O que sugere? Aguardarmos até termos 100 mortes por dia? Quanto isso custará? Se o Paraná não quebrar agora, morrerá num futuro próximo. Ou paramos agora ou morreremos amanha. O que sugere.

  4. Ratinho e um covarde, que dá uma semana só que não adianta tem de ser muito mais que uma semana, não resolve 10 dias, pelo menos tinha de ser 30 dias fechado tudo.

  5. Texto preciso. A tragédia anunciada. As elites agindo vorazmente, como sempre.

    Há, contudo, um detalhe importante: ainda que falte transparência na divulgação dos números, os ricos também estão adoecendo – e morrendo. Por exemplo, nas escolas privadas, estão ocorrendo casos e haverá progressivamente mais. O descontrole provocado pela hesitação do governador acarretará aumentos ainda mais significativos – trata-se de uma dinâmica conhecida: o vírus se alimenta de gente. O regime de crescimento exponencial a que estamos assistindo nos fará percorrer camadas de dor e de sofrimento cada vez mais intensas, é certo que os pobres e desfavorecidos sendo muito mais afetados.

    Ocorre que a escala da pandemia toma proporções que tangenciam a anomia. A desagregação social é um risco sério que se coloca no horizonte. Ratinho não tem capacidade intelectual e tampouco caráter para agir conforme a boa razão. Trata-se de um político medíocre e de um homem com formação precária. Portanto, um incapaz. Sua base política de apoio não passa de um grupo de aparvoados. Na ausência de mobilizações populares significativas, resta apertar os cintos.

    Vivemos um “laboratório” ímpar que nos permitirá provar os limites dessas ditas elites representadas por Ratinho (até 50 mortes por dia, no Estado? 100? Por quanto tempo?). Desdobra-se com particularidades, no Paraná, a cena brasileira. A destruição de tudo. Para a maioria, não há tempo para a chegada da vacina.

    Estamos em queda livre e experienciamos o paroxismo. Assistimos à destruição do nosso estado e do nosso país. Na falta de milagres, resta saber se e em que as mortes dos ricos resultarão e no que desembocará a miséria galopante.

  6. Parabéns pelo texto…
    O que mais me assusta no discurso do governador é ele dizer para “os patrões combinarem com os empregados domésticos um horário diferenciado de entrada e saída para não lotar os ônibus”. Com as exceções mencionadas pela jornalista, a atividade exercida pelos empregados domésticos não é essencial. Então, não esperem nada demais. É cada um por si.

  7. Creio que, basicamente, a jornalista tem razão, contudo merece algumas ponderações. Sem um apoio financeiro aos pequenos empreendedores, como fazer lockdown de 30 dias? Restaurantes, por exemplo, são categorizados: os mais badalados sobrevivem muito bem com vendas on-line; os que têm sua clientela nos que trabalham ao seu redor simplesmente fecham. Qual será a maior fonte de contágio? Salões de beleza que funcionam com todo protocolo sanitário (conheço vários) ou festas e aglomerações que são fracamente ou simplesmente não impedidas com firmeza de acontecer? Por exemplo: cassar alvará por um ano de estabelecimento que burlar a Lei; prender por seis meses promotores de festas clandestinas; e outras medidas severas.

  8. Maria Emília Loyola Ponestk

    Parabéns pelo texto tão bem escrito e esclarecedor. A cada dia vocês surpreendem para melhor! Jornalismo sério está aqui!

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