Por que aulas presenciais voltaram só nas escolas particulares?

Ratinho e Greca não liberaram retorno na Rede Pública, que mantém o ensino remoto

A Educação foi considerada atividade essencial pelos deputados do Paraná e vereadores de Curitiba, que aprovaram leis a respeito, facilitando a reabertura das instituições de ensino para aulas presenciais durante a pandemia. Em 2021, elas começaram no início de fevereiro, mas antes do fim do mês, em 26/2, foram suspensas pelo Governo do Estado, por conta do agravamento de casos e mortes por Covid-19. Nesta semana, elas foram autorizadas a reabrir com até 30% dos alunos em sala. A permissão, porém, não vale para as escolas da Rede Pública, que mantêm o ensino remoto.

As razões que levaram à exclusividade da reabertura apenas para quem pode pagar foram questionadas pelo Plural. De acordo com a Secretaria Estadual de Educação (Seed), o decreto que autoriza a retomada não faz diferenciação entre as Redes. “A decisão de adiar o retorno presencial na Rede Estadual de Ensino se deu por conta da quantidade de pessoas envolvidas que seriam convocadas a trabalhar (ao todo são cerca de 90 mil profissionais na Rede), muito acima da Rede Particular”, diz em nota.

O Sindicato dos Professores no Estado do Paraná (Sinpropar) prepara uma assembleia para ouvir a categoria, que está preocupada. “Temos que ter um tratamento igualitário e com segurança; nos preocupa muito a saúde dos professores, por estarem expostos às aulas num momento inadequado. Quem tem que nos orientar é a saúde pública, que precisa dar o aval para todos e não só para Rede Particular”, avalia o presidente da entidade, Lineu Ferreira Ribas.

“Estamos tomando as medidas para notificar as Secretarias para explicar porque desta diferença, assim como o Ministério Público do Trabalho. Estamos cobrando da entidade patronal e das escolas que forneçam toda estrutura para garantir a segurança dos professores”, diz Ribas. “Também estamos recebendo denúncias da categoria.”

Casos e surtos de Covid-19 nas escolas foram responsáveis pelo fechamento de diversas instituições em fevereiro. “Se não pode voltar, não pode voltar ninguém, pois está perigoso para todos. Não somos contra a volta, desde que seja com proteção aos professores e com vacinação de todos como prioridade”, reforça o dirigente sindical, destacando que atualmente são 45 mil docentes em escolas particulares do Paraná.

Interesses privados

“Essa autorização não considera o direito à Educação de crianças e adolescentes da Rede Privada. Ela atende aos interesses dos empresários da Educação e de algumas famílias que não estão preocupados propriamente com a Educação, mas com a terceirização dos cuidados de seus filhos”, afirma a professora Claudia Silveira Moreira, doutora em Educação e pesquisadora do Núcleo de Políticas Educacionais (Nupe) da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Segundo ela, a volta presencial não deveria acontecer neste momento em nenhuma escola. “A retomada de atividades somente é possível com a pandemia sob controle. A Fiocruz publicou orientações precisas a esse respeito e o trabalho deve ser seriamente considerado na tomada de decisões. O resto é achismo.”

Na avaliação da pesquisadora, a Rede Privada tem endossado a ideia de que quantidade é sinônimo de qualidade, “então sobrecarregam os estudantes de atividades para agradar as famílias que pagam as mensalidades”.

Para a docente, “estamos a alimentar um círculo vicioso de sobrecarga de atividades que não tem nada de pedagógico. Não se discute a saúde mental coletiva, nem de estudantes, nem de famílias, nem de professores. Isso é transformar a escola numa máquina de moer gente, não é educar”.

O Sindicato das Escolas Particulares do Paraná (Sinepe) divulgou que 95% das instituições privadas de Curitiba estão aptas ao modelo híbrido, o qual oferece o ensino remoto e também o presencial, que fica à escolha dos pais. O Sinepe defende que o limite de alunos por turma seja de 50%, e não de 30% como decretado pela Secretaria Estadual de Saúde (Sesa). Segundo a entidade, as escolas se organizaram para atender desta forma e, nesse percentual, conseguirão atingir o ponto de equilíbrio econômico para o funcionamento.

Saúde mental

A doutora em Educação Cláudia Moreira, da UFPR, aponta que a pandemia já dura tempo suficiente para que um protocolo de saúde mental fosse construído. “Não é possível simplesmente retomar tudo como se nada estivesse acontecendo. Estamos testemunhando e, muitas vezes, sendo vitimizados pelo horror da morte que espreita, pela desassistência, pela crise econômica. Professores da Rede Privada temem o desemprego. Não é possível aprender Português, Matemática, Geografia, Ciências num clima de terra arrasada. Também fica difícil ensinar nesse ambiente.”

Os impactos disso sobre a saúde mental de quem trabalha na escola podem ser muito graves, ressalta, e os professores precisam se dividir entre os 30% que estão na escola e os 70% que estão acompanhando as aulas de casa. “Do ponto de vista de planejamento e do trabalho, é uma sobrecarga potencialmente horrível, pois não dá para simplesmente fazer de conta que estão todos na mesma sala. Não estão.”

Não é o momento

“Qualquer oportunidade de interação social, como no transporte, aglomerações de entrada de escola, pais se encontrando, funcionários, professores, todas as oportunidades de interação, com o aumento muito significativo da transmissibilidade que nós estamos vendo no Brasil, vão ser oportunidades a mais para a contaminação”, explica o médico epidemiologista Moacir Pires, do escritório regional do Ministério da Saúde no Paraná.

“A escola não é um ambiente só das crianças e é muito importante entender isto. A escola tem professores, tem funcionários, tem pais que vão levar e buscar. Há interações outras que não são só das crianças. Enquanto nós não tivermos uma taxa de transmissibilidade muito reduzida, qualquer aumento de interação é risco e, portanto, não é momento de volta às aulas”, conclui o epidemiologista.

Na última semana, o Ministério Público do Paraná emitiu nota na qual afirma que a autorização ou proibição das aulas presenciais deve “assegurar o tratamento equânime às Redes de Educação Pública e Privadas, atingindo de forma igualitária os alunos de um mesmo ente federativo”. Procurado nesta quarta-feira (7) pelo Plural, o MP não se manifestou até o fechamento desta reportagem.

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5 comentários em “Por que aulas presenciais voltaram só nas escolas particulares?”

  1. Educação é serviço essencial. Sociedades médicas pelo mundo (e.g., na Alemanha e Estados Unidos) defendem o retorno as aulas como medida de proteção da saúde mental das crianças. Obviamente, o retorno as aulas devem vir com cuidados redobrados para a proteção de todos os envolvidos. Numa realidade em que pais e mães precisam trabalhar mesmo que remotamente, é óbvio que os pais e mães não estão preocupados apenas com a educação, mas também com o cuidado das crianças. Neste sentido, a escola tem um papel fundamental.
    Precisamos das escolas abertas, e a discussão não deve ser se as escolas devem voltar, mas sim como voltar sem prejuízos físico ou mental para nenhuma das partes.

  2. Os professores do ensino privado estao sendo levados ao matadouro por interesses financeiros das escolas e faculdades particulares. E o governo estadual e municipal coniventes com isso. Quais serao os interesses secretos dogovernador e do prefeito de Curitiba?

    Qual o posicionamento dos secretarios de saude?

    1. A prioridade tem de ser as crianças e adolescentes na escola. Felizmente as escolas privadas se prepararam. Infelizmente as escolas públicas, não. E esse é um problema de longa data. Os governos não tratam as escolas como prioridade. Pelo visto o povo também não. É chocante ler que uma doutora em educação presume que a vontade dos pais é de terceirizar o cuidado com os filhos.

  3. Bárbara Villa Verde Revelles Pereira

    ” Não é possível aprender Português, Matemática, Geografia, Ciências num clima de terra arrasada. Também fica difícil ensinar nesse ambiente.” Menos Freireano impossível.

  4. Obrigado pela matéria, Mauren. Creio que estamos vivendo uma espiral de loucura. Eu tenho estranhado muito essa questão da normalização da situação. E sempre me pergunto sobre as manifestações dos sindicatos de trabalhadores da saúde e da educação.

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