A grande farsa da vacina

Teatro de Greca e Ratinho Jr promovem falsa noção de que a vacinação está avançando

A essa altura da pandemia qualquer pessoa minimamente informada e que não tenha se entregado à insanidade bolsonarista sabe de algumas coisas com certeza: é preciso usar máscara, tratamento precoce não funciona e precisamos vacinar a população para sair deste caos. Também sabe que a crise que vivemos é muito grave e triste, com mais de três mil pessoas morrendo todos os dias em todo país só de Covid-19.

Em toda situação de crise é importante manter a moral das pessoas, a chama da esperança. Isso não serve só para manter o bem-estar das pessoas. Serve também para mantê-las pacatas, acomodadas esperando a tormenta passar.

Na pandemia de Covid-19 a grande chama de esperança se chama vacina. Se vacinar mais de 70% da população o país tem chance de sair do buraco em que está. A maneira mais fácil de fazer isso era garantindo a compra de doses e a produção própria o quanto antes, o que exige um trabalho diplomático sério na negociação com parceiros estrangeiros e a liberação de verbas.

O Brasil falhou miseravelmente nisso. Nosso governo não só não fez um esforço diplomático, como permitiu que alguns de seus membros ativamente dinamitassem relações com parceiros estratégicos sem nenhuma razão (como o filho do presidente ofendendo a China em um tweet, como um aluno malcriado de quinta-série). Há dinheiro, mas ao não negociar adequadamente, o Brasil perdeu o lugar na fila.

Sem vacinas suficientes, o que resta ao governo e seus aliados como o governador do Paraná, Ratinho Jr, e o prefeito de Curitiba, Rafael Greca? Em Curitiba, a farsa da vacina é tão simples que chega a ser genial. Há semanas, a prefeitura de capital tem convocado a cada dia um novo grupo por idade, isto antes de ter que suspender as aplicações por falta de doses. Também anunciou o início da vacinação dos guardas municipais.

Apesar dessa aparente agilidade, só 60% da população estimada nesta fase da vacinação já recebeu pelo menos a 1.ª dose e 14% está de fato imunizada após 77 dias de vacinação. Entre os idosos, o percentual de vacinados é de 54% e de imunizados só 8%. Nem mesmo os profissionais de saúde, que deveriam ser prioridade nesse processo todo, foram 100% imunizados na cidade.

Se considerarmos a população como um todo, apenas 9% recebeu a primeira dose e só 2,9% estão totalmente imunizados. No ritmo atual, Curitiba levaria pelo menos mais 8 meses para vacinar todas as pessoas só do grupo prioritário.

Ao mesmo tempo que mantém a ilusão de que a vacinação está avançando, a prefeitura de Curitiba faz pouco ou quase nada para conscientizar a população sobre a importância da vacina, muito embora exista um bocado de desinformação sobre o assunto. Mesmo a convocação das pessoas para a vacinação se dá basicamente pelo aplicativo (o que pressupõe que a pessoa tem um smartphone e o aplicativo instalado e configurado nele) e pela imprensa.

A prefeitura também não gastou um centavo para informar as pessoas a respeito do risco e da ineficácia de tratamentos “precoces” da Covid-19, mas se deu ao trabalho de estabelecer um protocolo para que médicos do SUS pudessem receitá-los e também pediu ao governo federal comprimidos de cloroquina.

O prefeito Rafael Greca também faz questão de frisar em entrevistas e coletivas de imprensa que compraria vacinas se tivesse autorização para tanto. Greca, porém, esquece convenientemente de informar que empresa nenhuma irá vender para prefeituras, primeiro pelo volume irrelevante da compra (os EUA, por exemplo, compraram 300 milhões de doses só da Pfizer) e segundo porque desde o início da colaboração internacional para desenvolvimento de vacinas houve um consenso de que só haveria, num primeiro momento, vendas para países.

Já o governador do Paraná, Ratinho Jr, inventou uma “vacinação” de domingo a domingo também num esforço hercúleo para fingir que está dando conta do desafio, quando na realidade só imunizou mesmo 2,6% da população. Faltam doses para mais, enquanto o governo do Paraná perdeu a chance de fabricar por aqui a vacina russa Sputnik.

Anúncio do governo do Paraná sobre a vacinação de domingo a domingo veiculado nas redes sociais.

Acelerar a vacinação não só em Curitiba, como em todo o país depende de um trabalho efetivo do governo federal para garantir insumos para o Butantan e para a Fundação Osvaldo Cruz aumentarem a produção das vacinas em solo brasileiro. Greca e Ratinho podiam muito bem unir forças com quem cobra isso de Bolsonaro, mas perder os eleitores bolsonaristas de ambos, parece, é um preço que nenhum dos dois está disposto a pagar.

Com isso, ficamos agora com o último grande ato da grande ilusão da vacina: a ideia de que teremos filas paralelas de vacinação graças a compra, por empresários, de doses para seus funcionários. Com exceção de imunizantes sem aprovação dos órgãos reguladores, não há a menor possibilidade das grandes empresas por trás das vacinas já testadas venderem algumas centenas ou mesmo um milhão de vacinas para o Veio da Havan poder voltar a vender bugiganga sem ser incomodado.

Esse grande teatro de mau trabalho legislativo só consegue prolongar a ilusão de que estamos andando para frente, e não escorregando para trás sugados pelas covas que engolem milhares de mortos todos os dias. E abre um precedente grave de desrespeito a preceitos básicos da nossa Constituição e do nosso sistema de saúde. E a única coisa que podemos fazer é não nos deixar enganar.

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5 comentários em “A grande farsa da vacina”

  1. vera lucia kovalski

    É muito triste ver uma nação que tinha tudo para ser a mais potente, sucumbir dessa forma, em mentiras e enganos. Tudo em nome do poder e dinheiro. Até onde podemos resistir? Essa matéria é a triste realidade do país.

  2. Celia Regina de Oliveira Guerra Vicente

    Triste realidade de um país que se recusa a abrir os olhos para o gravíssimo problema de saúde que enfrenta. Pior ainda são as farsas criadas em busca de possíveis votos, mas será que nós, os eleitores sobreviveremos!?!?

  3. Luiz Carlos da Silva

    Bom dia. Ótima matéria. Só um detalhe, o título “a grande farsa da vacina”, em um primeiro momento, dá a impressão de que a vacinação não resolve nada. Talvez se fosse “A grande farsa da vacinação em Curitiba e no Paraná” ou algo assim ficasse melhor.

  4. RONALD JOSE MAGALHAES

    É exatamente e infelizmente isso o que está acontecendo. E arrisco dizer, quanto só aspecto de interesse eleitoreiro, que eles estão mesmo é perdendo votos de tucanos, centristas e até ‘ciristas’. Pela total incompetência mesclada à indiferença e insensibilidade.
    Enfim, parabéns pela matéria. Ao jornal e à jornalista. Nesse dia emblemático, parabéns.

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