Polícia investiga tentativa de homicídio contra imigrante guineense em Curitiba

Crime aconteceu em dezembro e jovem morreu nesta semana por conta de hepatite

A Polícia Civil (PC) está investigando uma tentativa de homicídio contra Quintino Correia, de 25 anos, natural de Guiné-Bissau e que morava em Curitiba há quase dois anos. O crime aconteceu em 23 de dezembro, quando Correia seguia de bicicleta na Alameda Doutor Carlos de Carvalho com destino ao Boqueirão, onde trabalhava como servente de pedreiro. Um homem desconhecido atirou duas vezes.

Segundo o boletim de ocorrência registrado na data pelo 12.º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM) a vítima foi ferida no braço e tórax. O rapaz foi socorrido pelo Siate e levado para o hospital Cajuru, onde passou por cirurgia e se recuperou.

O boletim da Polícia Militar foi registrado como “lesão corporal de natureza grave”. Em princípio, amigos e familiares pensavam que se tratava de uma tentativa de assalto malsucedida. Só que nenhum bem foi levado.

O boletim registrado pela PM

O servente de pedreiro recebeu alta dias depois e iniciou a recuperação em casa. E, embora tenha sido vítima de disparos, o inquérito policial para investigar o que houve só foi aberto no dia 4 de fevereiro deste ano, depois de a própria vítima ir até a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e registrar um outro boletim de ocorrência.

Amigos e familiares questionam por que a PM não encaminhou o primeiro registro da situação para a Civil. Ao Plural o tenente Rafael Risoni explicou que o trabalho dos policiais neste caso foi prestar apoio ao Siate. “Quando a vítima é encaminhada para atendimento médico, é registrado o boletim e automaticamente enviado ao sistema para a Polícia Civil. Terminado isso, a PM deixa de acompanhar o caso”, disse.

Na quinta-feira (24 de fevereiro), Quintino Correia faleceu no Hospital Evangélico. A causa da morte, de acordo com a certidão de óbito, foi “choque refratário, discrasia sanguínea, insuficiência hepática” causadas, de acordo com conhecidos da vítima, por um quadro de hepatite autoimune.

Houve racismo?

A delonga na conversa entre as polícias prejudicou a investigação. O inquérito da PC trata de tentativa de homicídio – isso porque ainda não é possível apontar que o falecimento por hepatite tenha sido consequência dos tiros.

O boletim da PM diz que o fato teve início às 6h09 e que terminou às 6h12. O registro da ocorrência foi feito as 6h56. Ou seja, o atendimento da ocorrência foi breve.

Os investigadores da PC falaram com algumas pessoas nas imediações, no entanto, com o passar do tempo é mais difícil encontrar provas que tenham materialidade, por exemplo: estojos deflagrados ou imagens de câmeras de segurança.

“É uma área muito comercial, então neste horário tudo estava fechado. Não houve testemunhas. O próprio Quintino nos disse que estava sozinho quando ouviu alguém dizendo ‘ei’ e disparando”, revelou a delegada que conduz a investigação, Tathiana Guzella.

Quando foi ouvido no registro do boletim, Correia disse que não conhecia o atirador e que não tinha desafetos.

A investigação só começou depois que a vítima registrou outro boletim diretamente na delegacia

Um primo e amigos da vítima corroboram. “A gente quer saber o que aconteceu, porque ele era evangélico, não bebia, não tinha inimigos. Só saía para trabalhar ou para jogar bola e ir à Igreja”, lamentou o amigo da vítima Samora Augostín Ca, que também é de Guiné-Bissau.

Por enquanto, a PC está sem suspeito e, por consequência, sem motivação. Há hipótese de que ele tenha sido atingido por engano.

Pessoas próximas de Correia ouvidas pelo Plural questionam se o crime pode ter sido motivado por racismo ou xenofobia, mas a DHPP afirma que até agora não há nenhuma evidência que leve a investigação neste sentido, embora não descarte a possibilidade.

Despedida

O corpo do jovem está no necrotério do hospital Evangélico, mas só pode ficar armazenado até o próximo dia 3 de março. O problema é que familiares não têm o dinheiro necessário para transladar o corpo até Guiné-Bissau.

A estimativa é de que sejam necessários cerca de R$ 30 mil. Os conhecidos estão levantando dinheiro entre eles e não descartam a possibilidade de uma vaquinha para custear o transporte. Até agora foram levantados pouco mais de R$ 2 mil.

Outro agravante é que os pais do jovem ainda não foram comunicados sobre o falecimento. “A mãe dele é doente, então ninguém quis chegar e falar de uma vez. Estão estudando como contar”, disse o primo de Correia, Wilson Ca, ao Plural.

A advogada Ivete Caribé da Rocha tem auxiliado no caso. “Os familiares deles moram no interior e há uma demora para que o passaporte seja emitido. Eles iriam demorar em média duas semanas para chegar. É uma dificuldade imensa”, lamentou.

Ela entrou em contato com a Polícia Federal (PF) e a embaixada de Guiné-Bissau para que a família tenha mais agilidade nesta liberação, mas ainda não tem resposta. “Eles têm muito respeito pela morte, pela pessoa que faleceu. A ideia de que a família pode não ver o filho é um problema.”

O inquérito policial deve ser concluído dentro de alguns dias.

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