Aumenta número de partos domiciliares em Curitiba

Para protagonizar o parto, mais gestantes em Curitiba optam por ter bebês em casa

“Desde que soube da gravidez, sabia que não queria hospital.” A certeza é da empresária Claudia Pacheco, que em abril deu à luz Flora, em perfeitas condições de saúde. O trabalho de parto durou dez horas e foi realizado em sua casa, em Curitiba, diante dos cuidados profissionais de duas enfermeiras obstétricas, uma doula e um grupo de apoio, que contou com o marido e o primogênito da família, Joca, de 2 anos. Como Cláudia, várias mulheres vêm se interessando, e optando, pelo Parto Domiciliar Planejado. Por ele, buscam fugir de intervenções cirúrgicas e protagonizar, elas mesmas, o momento mais marcante na vida de qualquer mãe. Os dados são baixos, se comparados ao total de partos. As informações sobre o método e o incentivo a ele são restritos. Ainda assim, em Curitiba, a quantidade de gestantes que decidiu ter seus bebês em casa cresceu 26% nos últimos dois anos.

No Brasil, não há leis ou programas que estimulem o parto domiciliar, mas também não há proibições. A escolha é da mulher e deve ser respeitada, desde que observadas as condições adequadas de atendimento. É o que defende a Organização Mundial da Saúde (OMS). Dar à luz em um lugar em que se sinta segura é um direito da mãe. “As dez horas que passei em casa foram incríveis. Meu lar, meu cheiro, minha cama! Em casa eu acendi a luz, apaguei, coloquei música, desliguei, me tranquei no quarto, saí andar. Tudo sem as interferências que tive no hospital na primeira gestação, como luz acesa, frio, gente entrando e saindo o tempo todo, maca desconfortável e vários etc…”, lembra Claudia.

O ambiente pouco humanizado e as frequentes intervenções medicamentosas e cirúrgicas (como a cesária) são relatados por mulheres como causas que as levam a parir em seus próprios lares. “Buscava um parto 100% natural, sem intervenções. Descobri que teria maiores chances em casa pois ele respeita o protagonismo da mulher e do bebê”, acredita a cirurgiã-dentista Thaynara Priesnitz, que optou pelo método em seus dois partos.

Thaynara e a chegada de Malu: o segundo parto em casa.

Só em 2018, segundo a prefeitura de Curitiba, o número de cesarianas na rede particular de saúde foi de 85% (8.531 cirurgias, contra 1.702 partos normais). Já na rede pública (SUS), o parto normal é mais frequente (64% – 7.344 cirurgias), se comparado ao número de cesárias (36% – 4.058 cirurgias).

Mesmo com os esforços do governo federal em reduzir as intervenções cirúrgicas, o Brasil é considerado pela OMS como um dos países que mais realizam cesárias no mundo, com índices que ultrapassam os 50%. Segundo a entidade divulgou em 2018, nas últimas duas décadas, medicamentos antes utilizados para complicações (como a ocitocina) passaram a ser extensivamente usados para acelerar nascimentos.

Por aqui, a pesquisa Nascer no Brasil, da Fundação Oswaldo Cruz, revelou, ainda em 2012, que as brasileiras e seus bebes são desnecessariamente expostas a riscos adversos no parto e no nascimento. As com nível social mais elevado sofrem maior número de intervenções obstétricas, como a cesariana, dando à luz bebês com menos de 39 semanas. As mais pobres, conclui a pesquisa, são submetidas a partos extremamente dolorosos.

“As intervenções devem acontecer nos casos de necessidade e com cautela, não como rotinas”, analisa a enfermeira obstétrica Cristina Topala, do Grupo Quatro Apoios. “A tecnologia, apesar de seus muitos benefícios, tirou a autonomia das mulheres. Elas não acreditam mais no próprio potencial, no corpo, no natural. Foram levadas a acreditar que o parto é do profissional, que ele é quem vai ‘resolver’. O que fazemos é retomar esse empoderamento, instruindo, orientando, mas, acima de tudo, apoiando a escolha da mulher. Ela será a protagonista do seu parto.”

Quem pode

Qualquer mulher saudável, com o pré-natal em dia, sem doenças consideradas de risco para a mãe ou para o bebê, pode optar pelo parto domiciliar. Para isso, não é preciso nenhum aviso ou cadastramento em órgãos de saúde pública (apenas o pré-natal), porém, o planejamento é essencial. “As intercorrências são raras, mas podem acontecer. Então temos que preparar um plano B, ou seja, saber para qual maternidade a mãe deseja ser transferida se necessário. Também é importante fortalecermos o psicológico desta mãe, que deve estar ciente de que todo o trabalho será dela”, destaca a enfermeira obstétrica Cristina.

“A diferença é que no parto em casa a mulher é quem manda. Ela pode se movimentar, se alimentar, dormir, deitar, tomar banho de chuveiro, de piscina, de banheira, ficar em posições verticalizadas, que são super favoráveis. Tudo é muito livre. Crianças e animais fazem parte do ambiente; não há restrição”, lembra Cristina.

Para o auxílio no trabalho, que pode durar mais de 24 horas, muitas buscam grupos de apoio, como o ‘Quatro Apoios’, do qual faz parte Cristina,  equipe que realizou 38 partos domiciliares só em 2018. Eles oferecem orientações e acompanhamentos profissionais – como psicólogos, doulas e enfermeiros – desde os primeiros meses de gestação até o pós-parto. “No primeiro encontro com o grupo, soubemos que seria em casa, pois enxergamos o parto como um acontecimento familiar e queríamos muito que nosso filho mais velho, de 3 anos, participasse; e ele participou de tudo”, conta Thaynara.

A orientação profissional é que, assim como no hospital, o parto conte com a presença de um obstetra. Ele pode ser um médico ou um enfermeiro, devidamente pós-graduado e registrado em seu conselho de classe (CRM ou Coren, respectivamente).

“A lei do exercício profissional nos permite atender partos de gestante saudável, de baixo risco, identificar as complicações e atuar, se necessário, até a chegada do médico”, explica Adelita Denipote, enfermeira mestre em Tecnologia em Saúde e doutoranda em Enfermagem Obstétrica.

Declaração de Nascido Vivo é emitida após o parto. Documento tem validade em todo o Brasil, mas não substitui a certidão de nascimento.

Os profissionais ainda precisam estar cadastrados na Secretaria da Saúde de seus municípios. Somente desta forma eles estão autorizados a retirar a Declaração de Nascido Vivo (DN). O documento é obrigatório para o registro de nascimento do bebê no cartório. Em Curitiba, 13 enfermeiros estão liberados para retirada do DN. Em 2018, nenhum médico obstetra solicitou o documento na Secretaria da Saúde da capital.

“As mulheres deveriam saber…”

Informações sobre partos domiciliares são pouco divulgadas entre as mulheres. Geralmente vêm de experiências de amigas ou pelos grupos de apoio. “Meu incentivo aconteceu descobrindo, por meio de uma amiga, que existia esta possibilidade, pois eu nem sabia que isso era possível”, relata a dentista Thaynara.

“A maior dificuldade é trabalhar dentro de um modelo que vai totalmente contra o modelo hegemônico, tecnocrático e biomédico. Não há incentivos nem informações suficientes. As mulheres deveriam saber sobre os riscos e benefícios do parto em casa e a diferença entre os modelos de atendimento; saber que em países de primeiro mundo ele é comum”, ressalta Adelita, responsável por cerca de 40 partos domiciliares nos últimos quatro anos.

Na Inglaterra e na Holanda, por exemplo, o incentivo do governo a este modelo de parto é constante. Para as brasileiras, a opção está distante de ser rotina. De acordo com o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), no Paraná apenas 367 grávidas (0,2% do total) tiveram partos fora do hospital em 2017. O número se manteve exatamente o mesmo em 2018, informou a Secretaria Estadual da Saúde.

Em Curitiba, grávidas que tiveram seus filhos em casa foram 81 (0,3%) em 2017 e 102 no ano passado (0,4%). Um crescimento de 26%. No último ano, apenas dois óbitos foram registrados neste tipo de método na capital, sendo de bebês prematuros (20 e 34 semanas), portanto, não planejados.

“O parto domiciliar planejado é considerado uma escolha viável. Sua ocorrência representa um percentual pequeno quando comparado aos nascidos vivos em hospitais do Paraná, fato que não diminui a importância de que aconteça de forma viável e segura, mas que fortalece a necessidade de políticas públicas a serem implementadas nas maternidades, com vistas às Boas Práticas de Atenção ao Parto e Nascimento ocorridos em hospitais”, avalia a técnica da Divisão de Atenção à Saúde da Mulher, da Secretaria Estadual da Saúde, Carolina Poliquesi.

Na capital, o trabalho da Secretaria da Saúde é focado no parto humanizado, tendo um hospital de referência para o atendimento a gestantes, a Maternidade Bairro Novo. “Temos leis e diretrizes voltadas a práticas de melhoria no atendimento humanizado. Nossa estrutura é toda voltada ao bem-estar da mulher, com técnicas integrativas e profissionais qualificados, além da presença do acompanhante”, ressalta a médica obstetra Ângela Leite Mendes, da Rede Mãe Curitibana Vale a Vida.

“Como temos uma boa rede de atendimento humanizado, não incentivamos o parto domiciliar, pois as intercorrências podem acontecer e causar sofrimento fetal ou materno. Nestes casos, o tempo de deslocamento até um hospital pode agravar o problema”, observa a médica.

Maternidade Bairro Novo é referência no parto humanizado. / Foto: Pedro Ribas/SMCS

Riscos e desafios

“Muitas têm receio do parto domiciliar por desconhecer como funciona esse processo. São colocados muitos medos e traumas. O parto em casa tem – para gestação de risco baixo ou habitual – o mesmo índice de riscos que um parto hospitalar”, pondera a enfermeira obstétrica Cristina.

Apesar do atendimento domiciliar, ela reforça não ser contra instituições hospitalares. “Pelo contrário, são nosso respaldo para situações adversas. Porém, a classe médica não nos apoia. Na verdade, nem a classe da enfermagem. Parece um mundo à parte. Acham que fazemos um trabalho rústico, de parteiras que atendiam quando não se tinha acesso ao hospital. A questão é que uma mulher esclarecida e empoderada apresenta ‘riscos’ para aquele profissional que não está disposto a respeitar e aplicar as técnicas mais atualizadas e humanizadas de atendimento ao trabalho de parto e parto”, diz.

A dificuldade de levantar dados oficiais sobre partos em residências no Brasil se estende à inexistência de números relativos a intercorrências associadas a este método, já que não há registros específicos sobre bebês que chegam aos hospitais em decorrência de problemas durante o trabalho de parto domiciliar. A maioria das pesquisas vem de estudos universitários. Os médicos, em geral, afirmam que os riscos neste tipo de procedimento são maiores, sendo que o tempo de transferência da mãe e do bebê é fator determinante em casos de intercorrências.

“Vejo como um risco desnecessário para o binômio mãe-feto. Nenhuma entidade médica deve incentivá-lo. Deve-se, sim, lutar por um melhor ambiente hospitalar para o parto, pois é mais fácil tornar o ambiente hospitalar pleno e agradável do que o domicílio um lugar seguro”, afirma o presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Paraná (Sogipa), Jan Pawel Andrade Pachnicki.

Para o médico, o parto deve ser realizado dentro do ambiente hospitalar, com equipe completa (médico obstetra, neonatologista, anestesista, enfermeira obstétrica, técnicos em enfermagem e demais profissionais). Segundo ele, trabalhos internacionais apontam que complicações no parto domiciliar podem levar à morte materna, fetal e neonatal.

“É necessário advertir as pacientes que manifestem desejo de ter seu parto fora do ambiente hospitalar que, embora sejam menores as intervenções médicas maternas, são maiores os riscos neonatais: risco duas vezes maior de morte neonatal e risco três vezes maior de complicações e danos neurológicos neonatais. Infelizmente, não se pode garantir segurança a ela nestes casos”, adverte Pachnicki.


https://www.plural.jor.br/as-72-horas-de-um-parto-domiciliar-sem-anestesia/

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