Manifestante leva multa por buzinar em ato contra Bolsonaro em Curitiba

Infração ocorreu no protesto do dia 19 de junho em Curitiba

Na última quarta-feira (28), a escritora Priscila Prado, de 54 anos, foi pega de surpresa ao receber uma multa por “uso intempestivo e demasiado da buzina”, resultando em 3 pontos na carteira e um desembolso de R$88,83. A situação aconteceu no dia 19 de junho, quando Priscila retornava para casa depois de uma manifestação contra o presidente Jair Bolsonaro, em que ela, e outras pessoas, buzinavam, ainda nos arredores da praça onde acontecia o ato.

O dia 19 de junho amanheceu chuvoso em Curitiba. Era a data marcada para o protesto contrário aos atos do presidente e o ponto de encontro era a Praça Santos Andrade, em frente ao prédio histórico da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Era o dia, também, que o Brasil chegava ao marco de 500 mil mortos pela Covid-19, uma doença para a qual já se tem – e tinha – vacina. Priscila estava decidida a participar da manifestação, mas a chuva a fez hesitar. “Creio que isso interferiu bastante na decisão das pessoas de não comparecerem.”

Junto de uma amiga, a escritora pegou a máscara e o cartaz, e próximo às 15h se encaminhou para a praça. “De certa forma, infelizmente, não foi difícil manter o distanciamento porque tinha pouca gente nesse dia, pelo menos naquele momento”, conta.

Foto: Arquivo pessoal

Priscila e a amiga ficaram cerca de duas horas no protesto. No final da tarde, perto das 17h, o movimento começou a aumentar e as duas decidiram ir para casa. “Nessa hora, resolvemos nos manifestar também com buzinas. Não fomos só nós, é claro. Enquanto nós estivemos na praça, muitas pessoas que passavam ali buzinavam, naquele ritmo de ‘fora indignitário’ (eu me recuso a dizer o nome, rs)”, conta a escritora.

Segundo Priscila, sua indignação não é em decorrência da multa em si, nem do valor ou dos pontos na carteira. A revolta é resultado de ter o direito de manifestar sua insatisfação com as ações do atual ocupante do cargo de maior poder no país repreendido. “O que me importa é que não é correto isso, era uma manifestação democrática. O nosso interesse constitucional de poder se manifestar prevalecia naquela hora sobre a Lei de trânsito.”

A multa, que veio no nome do marido, chocou a escritora, que afirmava com veemência a não autoria da infração: “Eu falei ‘eu com certeza não fui, porque não buzino de jeito nenhum, só se for uma emergência'”. Depois que Priscila se deu conta de que, de fato, ela tinha buzinado. 

Foto: Arquivo pessoal

“A buzina era explícita nesse ritmo, era bem claro que era uma manifestação. Eu suponho, então, que muitas outras pessoas terão sido multadas dessa forma também. Será que as carreatas e motociatas pró-governo foram também multadas desta forma?”, questiona.

Depois de se identificar como condutora do veículo, Priscila irá recorrer da decisão fundamentada nos dispositivos constitucionais de livre expressão, além de procurar o Ministério Público do Paraná (MPPR). “Tudo que a gente está vendo acontecer são atos cada vez mais escarnecendo o deboche com as instituições democráticas, com a própria saúde das pessoas, o respeito, está passando de todos os limites. A gente precisa se manifestar e deixar claro que não está bom assim. É um grande desafio: a gente defender os princípios humanos, a civilidade e a democracia, sem fazer uso das mesmas armas do governo que são a agressividade, o desrespeito, as fake news. Essa multa é um deboche. E não é por ela, é por essa coisa tão maior, da gente querer que prevaleçam os princípios democráticos de civilidade e humanidade”, conclui.

Lei de trânsito x direito de manifestação

Para o advogado, mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor de Direito Administrativo, Francisco Zardo, punir com multa alguém que tenha buzinado em um protesto é uma questão controversa, pois depende sempre do contexto concreto da ação.

“No contexto de uma manifestação, em que já está havendo barulho, sons e ruídos, uma buzina não ofende o bem jurídico que a legislação de trânsito pretende preservar. Ou seja, se você já está em um contexto de barulho, uma buzina não vai criar um barulho adicional que possa gerar um incômodo público passível de penalidade”, explica o advogado, afirmando que, em última análise, a questão recai sobre a razoabilidade da autoridade de trânsito.

Francisco exemplifica utilizando o cenário da saída de um jogo de futebol, em que torcedores buzinam com a vitória do time. “São manifestações quase culturais das pessoas que não podem ser coibidas por meio de multa. Se o objetivo é fazer punições para quem buzinar, antes eu penso que tem que ter uma campanha educativa informando que mesmo no contexto de manifestações as autoridades vão aplicar multas, independente da ideologia da manifestação.” 

Segundo o advogado, é preciso haver uma uniformidade de atuação, mas para isso faz-se necessário a existência de orientações superiores para que em contextos de protestos os agentes consigam avaliar se aquela buzina está relacionada à manifestação, se foi proporcional à situação.

Francisco explica que as pessoas podem recorrer da decisão administrativamente e judicialmente. Para o advogado, a multa pode ser invalidada em casos de desvio de finalidade, por uma ausência de ofensa ao bem jurídico e pela questão da razoabilidade da autoridade.

“Entendo que o Código de Trânsito [Brasileiro (CTB)] e as previsões em relação à existência de multa para quem utiliza a buzina não têm o objetivo de tolher o direito de manifestação. Se a multa está sendo aplicada com o objetivo de limitar o direito de manifestação há um desvio de finalidade. Porém, o direito de manifestação também deve observar as regras legais”, afirma.

Procurado pela reportagem, o Departamento de Trânsito do Paraná (DETRAN/PR) informou que o sistema não é habilitado para computar dados de um dia específico, apenas por períodos. No total, tanto o mês de junho quanto o de julho contabilizaram sete autuações para o artigo 6491-0 (uso prolongado da buzina) em Curitiba. Maio fechou com nove infrações por uso excessivo da buzina.

Em nota, o DETRAN/PR afirmou que a aplicação de multas deve ser verificada com a Superintendência de Trânsito (SETRAN) da Secretaria Municipal de Defesa Social e Trânsito (SMDT), “que é o órgão responsável pela aplicação de multas em eventos do município”.

No entanto, até o fechamento desta matéria, a SMDT não retornou os contatos do Plural.

Reportagem sob orientação de João Frey

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3 comentários em “Manifestante leva multa por buzinar em ato contra Bolsonaro em Curitiba”

  1. Aki, só a verdade

    Nada de novo na capital mais conservadora, reacionária e bolsonarista do país. O agente público da ratolândia – porque se identifica com o genocida corrupto – só seguiu o roteiro esperado.

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