Governo vai na casa de alunos pegar voto para militarização

Para atingir quórum, Núcleo de Educação leva lista de votação até as residências

Enquanto não conseguir aprovar a militarização de 200 escolas estaduais, o governo do Paraná continuará a realizar consultas públicas sobre o tema. Elas são feitas com a comunidade escolar, que vota sim ou não para a mudança de gestão nos colégios. Além de diversas denúncias e processos judicias, por problemas na votação, a consulta tomou novos rumos nesta semana, quando representantes do Núcleo de Educação de Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba, decidiram subir no carro oficial e ir até a casa dos alunos pegar voto para a militarização da escola Augusto Vanin. Um novo local de votação, não previsto, também foi definido nesta quinta-feira (12). Tudo pelo quórum.

“Veio o diretor aqui e disse pra votar sim ou não e colocar CPF, RG e assinatura. Depois perguntaram se meu pai tava em casa e se eu conhecia mais alguém que estudava na escola”, conta uma das estudantes.

“Umas 17h de quarta (11), chegou um pessoal diferente do Núcleo, entraram na sala do diretor e ele saiu de cabeça baixa. Falaram pra mim: você que conhece, vai com a gente nos bairros. Falaram que iam nas casas chamar o pessoal pra vir votar, não falaram que iam levar a votação pra casa”, diz uma profissional do colégio.

Ela assegura que os professores só ficaram sabendo que a escola havia sido incluída na consulta para o programa de militarização na noite de 10 de novembro, véspera do início da votação. “Avisaram 21 horas, não teve conversa, organização nem informação. Ninguém perguntou o que pensamos, discutiu os pontos, nada. Os pais estão em casa, eles batem lá, pedem RG, mostram fotos lindas das escolas militares e pedem pra pessoa votar. Eu vi eles saindo com a lista e falei com a mãe que votou em casa. Insistiram pra eu ir junto mas me neguei. Não quero compactuar com isso”, declara.

“O diretor e a equipe do Núcleo estavam indo até as casas para chamar o pessoal para votar pois precisa dar quórum. A situação tá tensa, a pressão está muito forte, o pessoal do Núcleo fica com as folhas na mão, na porta olhando, encarando e apontando o sim para os pais votarem”, assegura outra professora, que prefere não se identificar com medo de represálias.

Novo local de votação

“Este projeto passou no tratoraço na Alep, com violência, sem nenhuma discussão; as escolas ficaram sabendo no dia anterior que participariam do processo de militarização. Houve uma pressão muito grande, tentativa de criminalizar os professores, ameaçar com punição administrativa, com sindicância, caso a comunidade não votasse. Estão fazendo de conta que fazem uma consulta pública”, avalia o professor Sebastião Donizete Santa Rosa, também da Rede Estadual de Campo Largo.

“Ontem é que chegou a notícia de que seria militarizada. O conselho escolar não foi consultado, mas dizem que foi a comunidade que pediu, só não sabemos quem representa a comunidade pois a escola não pediu.”

A informação é confirmada pelo próprio diretor do Colégio Augusto Vanin, Norton Pooter. “Foi nos avisado na segunda (9) pelo Núcleo que estávamos no processo. Não propomos. Foi divulgado na segunda à noite, pelo whats da escola. Mas agora estão divulgando com carros de som”, afirma Pooter.

Os áudios que percorrem as ruas de Campo Largo informam um novo local de votação, um colégio localizado em outro bairro. “Foi nos informado hoje (12) sobre este novo local, com justificativa de que 70% das famílias da escola moram nesse bairro e têm dificuldade para participar da consulta no Augusto Vanin”, menciona o diretor.

“Eu concordo que seja consultada a comunidade, só que poderia ter sido proposto primeiro pra escola. Seria mais democrático se tivesse sido conversado com antecedência, não uma coisa muito rápida”, avalia.

Sobre os relatos de que ele e representantes do Núcleo estiveram coletando votos nas casas dos alunos, o diretor diz não ter conhecimento do assunto. “Em toda minha carreira de magistério foi o dia mais difícil pois me senti muito mal com a situação. O que me deixou bem chateado é a notícia de que a escola requisitou (a militarização) e isso não aconteceu.”

Funcionários do Núcleo de Educação AmSul saíram para coletar votos. Foto: Plural.jor

Na noite desta quinta-feira (12), a votação no Colégio Augusto Vanin chegou ao fim. Após atingir o quórum de 51% dos 250 alunos, a maioria da comunidade escolar votou não à militarização.

Das 16 consultas realizadas nesta segunda fase em todo o Paraná, o modelo cívico-militar foi aprovado em 10 delas. As que ainda não atingiram quórum, seguem com a votação. Veja a lista!

Na Justiça

“Tem que ser uma livre vontade das pessoas participar de uma consulta pública. É uma medida descabida, fazer um movimento deste. Uma postura de desrespeito às regras do processo democrático”, sustenta o presidente da APP-Sindicato, Hermes Leão. “Já havia irregularidades, pois a resolução falava em dois dias de consulta, extrapolados para fazer entrar 200 escolas a todo custo.”

O representante dos professores destaca ainda a situação de pandemia em que se dão estas consultas. “O governo continua insistindo em movimentar a população, sem os protocolos de segurança, expõe professores e comunidade. Foram mais de 70 mil pessoas na primeira rodada, agora de novo, não tendo qualquer preocupação com a vida e a saúde destas comunidades. Um governo ‘necropolítico’ desta gestão.”

A APP- Sindicato afirma que as irregularidades acontecem desde a primeira consulta, o que levou a entidade a entrar com processo judicial pedindo a suspensão da votação. O pedido foi negado mas a APP recorreu da decisão.

Segundo a entidade, há municípios com menos de 10 mil habitantes incluídos na militarização, como Douradina, próximo a Umuarama, no Noroeste do Paraná. Outro critério desrespeitado seria a inclusão de escolas com Ensino Médio Noturno.

Seed responde

O edital para a segunda fase das consultas públicas para o modelo cívico-militar foi publicado pelo governador Ratinho Jr (PSD) no dia 10 de novembro e no dia 11 a votação já começou. “A consulta está sendo realizada nas datas que temos condições de atender aos pedidos, com publicidade e informação do modelo difundido em toda a imprensa”, diz a Secretaria Estadual de Educação (Seed).

Questionada pelo Plural, a pasta ressalta que desconhece denúncias de pressão contra professores e alunos e que “respeita todas as manifestações contrárias e favoráveis à proposta, desde que não haja qualquer tipo de coação”.

Sobre representantes do Núcleo de Educação terem ido à casa dos alunos, a Seed não nega nem confirma, apenas reforça que a consulta pública está sendo realizada presencialmente. “É a única forma de participação.”

A Secretaria garante que o diretor do colégio “foi consultado previamente pelo NRE AmSul e se manifestou favoravelmente à participação na consulta pública”.

A respeito do novo e inesperado local de votação, a Seed enfatiza que é uma escola municipal, do outro lado da BR-277, escolhida para “facilitar a participação da comunidade, já que o colégio (Augusto Vanin) atende comunidades dos dois lados”.

Com relação aos colégios com Ensino Médio noturno, “em que a consulta pública for favorável à implementação do modelo Cívico-Militar e essa escolha for validada, os estudantes terão a opção de matrícula em outro turno (manhã ou tarde), ou de remanejamento para outro colégio”.

A pasta acrescenta que fez um planejamento prévio para o remanejamento e que não haverá prejuízo aos estudantes pois continuará existindo a oferta de vagas em instituições próximas. “A Seed-PR vai providenciar transporte para o deslocamento dos estudantes, caso seja necessário”, responde.

Escolas cívico-militares

O processo de militarização foi inicialmente aprovado em 186 dos 216 colégios previstos. A consulta teve protestos de professores, pedido de suspensão pelo Ministério Público, voto aberto e até ‘boca de urna’.

Nesta sexta-feira (13), a Seed anunciou a aprovação do novo modelo em mais 10 escolas estaduais. Outras três ainda seguem em consulta. O único onde houve recusa, nesta segunda fase, foi no Colégio Augusto Vanin, em Campo Largo.

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2 comentários em “Governo vai na casa de alunos pegar voto para militarização”

  1. Bom dia
    Sou Professora há 25 anos do colégio Marechal Cândido Rondon, e nunca imaginei viver esta situação.
    O auditor ( não temos diretor eleito pela comunidade) saiu a caça de votos para militarização da nossa escola.
    Tudo aconteceu exatamente igual a notícia postada .. Muito rápido .
    O agravante foi o auditor não informar o término da EJA para os alunos , que se sentiram enganados e agora não sabem onde irão estudar. Os alunos postaram no Facebook da escola sua indignação e repúdio contra o interventor que em nenhum momento esclareceu como a militarização encerraria com a EJA Educação de Jovens e Adultos… Estamos muito tristes e nos sentimos desrespeitados ..

  2. Leonildo Andrade de Santana

    O Ratinho ta se empenhando tanto em militarizar escolas do estado, tudo isso é apresso pelo método punitivo da tal educação de limites? Ou meramente quer se livrar do dever do estado em relação a educação?? 4 anos passa rapidinho governador, quer fazer companhia ao Alvaro dias no ostracismo???

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