Governo orienta que casos de crianças que não voltem às aulas presenciais sejam analisados pelo Conselho Tutelar

Para o governo do Paraná, somente comorbidades e dificuldades de transporte escolar justificam a permanência em casa

Um ofício circular da Secretaria de Estado da Educação (Seed) tornado público na última segunda-feira (2) orienta a interferência do Conselho Tutelar em casos de famílias que decidam não autorizar o retorno dos filhos às salas de aula. O documento sugere que devem ser consideradas como justificativas plausíveis para manter o aluno afastado apenas relação com grupo de risco ou problemas no transporte escolar. Os demais motivos devem “ser encaminhados para acompanhamento da Rede de Proteção local, a fim de que esta auxilie as famílias a superarem as situações que dificultam o retorno às aulas presenciais”.

O documento não é uma determinação, mas, repassado a todos os núcleos regionais de educação (NRE), equivale a uma espécie diretriz de ação para os gestores diante de familiares que decidam por manter estudantes sob sua responsabilidade no ensino remoto.

“Assim, é importante que o NRE alinhe com as instituições de ensino e redes de proteção dos municípios formas de garantir a organização e o acompanhamento das ações relativas à vida escolar dos estudantes, de maneira a minimizar os impactos causados na aprendizagem pela ausência no ensino presencial, principalmente na daqueles que utilizam como meio de aprendizagem o material impresso ou a TV”, diz o ofício.  

A orientação confronta resolução da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) que regulamenta o retorno das atividades curriculares e extracurriculares em todas as redes escolares do estado. Publicado no início do ano, o texto estabelece que o “retorno presencial será facultativo à adesão e concordância dos pais ou responsáveis”, sem submeter a decisão a avaliações superiores.  

Mas a Seed nega que o mais novo posicionamento da pasta atue para limitar a escolha dos pais de mandar ou não os filhos de volta à sala de aula – em um momento em que nem todos os professores já completaram o esquema de imunização e que novas variantes do coronavírus voltam a preocupar. Na semana passada, o Paraná confirmou transmissão comunitária da cepa delta, de origem na Índia, evidenciada em estudos por ter um ritmo de propagação maior.

Segundo a pasta, “o documento não afeta a autonomia e não obriga o retorno presencial, mas reforça que a rede dê prioridade àqueles sem acesso às aulas on-line e que estão com dificuldade, situação que corrobora para o aumento da dificuldade na aprendizagem”.

De fato, o ofício estabelece que o retorno seja com prioridade a alunos prejudicados pelo sistema de ensino remoto – ampliando o chamamento a todos os estudantes caso a escola tenha capacidade –, mas uma continuação do texto também sugere o que deve ou não ser aceito como justificativa para manter o estudante em aulas remotas. O documento diz que, “ em que os responsáveis não autorizem o retorno presencial do estudante, deve ser apresentada para a equipe gestora justificativa por escrito”.

Para o sindicato dos professores da rede estadual, a APP-Sindicato, o teor do ofício coincide com uma pressão para viabilizar a ampliação da retomada das aulas nas escolas. Segundo a entidade, o posicionamento preocupa, sobretudo, diante de falhas estruturais que vêm sendo relatadas por servidores e professores das instituições da rede – o que seria incompatível com a volta concomitante de 100% dos alunos, por ora.

“Em algumas escolas a gente tem tido notícias de muitos problemas estruturais para manter a segurança. As escolas da rede pública têm uma média muito alta da alunos por sala, salas pouquíssimo ventiladas e ainda muitas escolas com dificuldades de limpeza e higienização até nos banheiros”, relata Hermes Leão, presidente da APP. “Agora vamos divulgar uma nota técnica que aponta que é preciso manter restrições importantes aqui no Paraná para que a gente possa evitar que as contaminações tenham um acréscimo nesse período próximo”, analisa Hermes Leão, presidente da APP.

A nota citada pelo docente é um alerta epidemiológico emitido por um grupo de pesquisadores brasileiros sobre a situação da pandemia da Covid-19 no Paraná. O estudo, que leva o carimbo de instituições como as universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e da Amazônia (UFAM), aponta para o recrudescimento da pandemia depois do relaxamento do isolamento social antes da redução significativa de casos.

“Dado que o Paraná tem casos da variante delta, recomenda-se a implementação de um programa de testagem abrangente da população, com amostragens aleatórias da população antes da retomada das aulas presencias. A ausência de um programa de testagem da população, junto com o aumento da mobilidade urbana, coloca em risco todo o estado”, alertam os pesquisadores.

A APP encaminhou nesta quarta-feira a nota ao Ministério Público do Paraná (MPPR) e à Assembleia Legislativa (Alep) na intenção de que o modelo de retomada das aulas no estado seja reavaliado. No último 21 de julho, com a volta do recesso de meio do ano, cerca de 90% dos 2,1 mil colégios da rede estadual de ensino já estavam abertos total ou parcialmente, equivalente ao retorno presencial de 920 mil estudantes.

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2 comentários em “Governo orienta que casos de crianças que não voltem às aulas presenciais sejam analisados pelo Conselho Tutelar”

  1. O governo ratinho jr continua apostando com as vidas das crianças e adolescentes paranaenses.
    A justificativa de “reduzir os impactos causados na aprendizagem” (em decorrência do ensino remoto) não passa de um mantra mal-ajambrado – e que, por repetição à exaustão, é pouco questionado.
    São mais de 35 mil mortes no Paraná. O estado se apresenta ao mundo como um dos piores lugares, no que diz respeito às respostas à pandemia. Ratinho e seus secretários entram para a história, ao lado do presidente do Brasil, como gestores da morte.
    Paradoxalmente, o óbvio é escondido. Explico com um exemplo: na foto que ilustra a matéria, vê-se uma sala de aula com as janelas fechadas. Para quem pensa que isso é pouco, lembremo-nos de que o vírus se propaga pelo ar e de que a ventilação dos ambientes é uma das principais medidas, juntamente com o uso de máscaras, para conter a propagação do vírus. Essas janelas basculantes que aparecem na foto (cuja fonte é a própria SEED) são o “normal” da maioria das escolas públicas. Ainda que estivessem abertas, como garantir a qualidade do ar para crianças e docentes em sala de aula?

    O governo que alega preocupação com o ensino, que prega “reduzir os impactos causados na aprendizagem”, nada fez/faz para, por exemplo, melhorar a ventilação nas salas. Por que não investir em monitores de CO2, em filtros do tipo HEPA e em projetos concretos para tornar as salas de aula mais seguras? Por que não projetar a volta às aulas presenciais após organizar um programa de vacinação em massa de crianças e adolescentes?

    A “sensação” de que as coisas estão melhorando, fruto de uma exploração mesquinha do clima de cansaço e desânimo, após tanto tempo de pandemia, é um risco que governo algum deveria incentivar ou patrocinar.

    ratinho jr, desde o início da pandemia, prefere governar fazendo apostas (o discurso raso e assimilado acriticamente por tantos paranaenses de que as coisas vão melhorar). O jogo de truco é boa alegoria: 35 mil mortes depois, seria hora de aumentar o valor da mão e colocar agora as crianças na mesa? 920 mil estudantes, que não foram vacinados, em salas de aula com pouca ventilação: é uma aposta, ou não é?

  2. Professora Letícia

    Que absurdo. Mais isso agora. Querem de todo jeito fazer com que voltemos às salas de aula. Pressionar os pais com Conselho Tutelar. Será que não entendem que o mundo evoluiu? Que podemos dar as aulas online, de onde quisermos?

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