Parceira privada será responsável por aprendizagem, diz diretor da Seed

Aulas técnicas serão oferecidas pela Unicesumar. Um professor vai atender cerca de 700 estudantes ao mesmo tempo

O governo do Paraná foi um dos primeiros do país a trazer a inciativa privada para dentro da rede pública de Educação no âmbito do novo Ensino Médio, matriz que passar a valer em todo o Brasil a partir deste ano.

A remodelagem não é ilegal, mas acumula críticas. A inserção do setor privado no ensino público é uma das possibilidades previstas pela lei do novo Ensino Médio, de 2017, que deu nova redação à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Só poderão ser cedidas as disciplinas fora do eixo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em modelo de parceria.

No Paraná, o modelo fechado com a Unicesumar, vencedora do certame, vem sendo alvo de críticas. Especialistas enxergam o serviço como uma terceirização na prática e colocam em dúvida a qualidade da oferta pedagógica. O esquema prevê aulas dadas por professores em estúdio, sem estarem, portanto, em sala de aula.

Ratinho e o secretário de Educação, Renato Feder. Foto: Arnaldo Alves/ANPr.

Em entrevista ao Plural, o diretor de Educação da Secretaria de Estado da Educação e do Esporte (Seed) do Paraná, Roni Miranda, disse não se tratar de uma nova terceirização encomendada pelo governo Ratinho Jr (PSD), e, sim, uma parceria para levar a oferta do ensino técnico profissionalizante a mais alunos. Mas confirmou que a empresa privada contratada vai ser agora uma das responsáveis pela aprendizagem dos alunos da rede. Confira a entrevista.


No edital [de registro de preços para contratar a instituição parceira] vocês dissertam sobre a inviabilidade de contratar professorado devido ao que chamam de sazonalidade e mutabilidade da demanda. E também descartam a contratação de PSSs [Processo Seletivo Simplificado, os temporários] porque há um teto de gastos a ser respeitado. Foi feito um estudo técnico para embasar essas justificativas?

O ponto não é a quantidade e nem a contratação. O ponto é que são cursos muito específicos e a gente tem a questão de ter capacidade de contração e esse profissional no mercado. A gente hoje tem dificuldade.

Como vocês sabem que há essa dificuldade?

Porque nós ofertamos já 15 mil vagas, nós mesmos, com PSSs. Para a gente ampliar a oferta, dado que eu tenho o Novo Ensino Médio. E o Ensino Médio anterior a gente tem uma evasão grande, e isso não é no Paraná, é no Brasil, a gente tem em torno de 20% de abandono ou estudante que não conclui na idade certa. Então o que o Paraná fez? Ele inovou. Ele quer trazer o ensino profissional, que trazer qualidade de formação para os estudantes. A gente está ofertando os outros cursos, ou seja, eu tenho curso de formação docente sendo ofertado por professores PSS, curso de vestuário, que é professor PSS. Só que se eu quero ampliar essa oferta para atender a necessidade do estudante paranaense de rede pública eu preciso buscar parceria. A parceria é para ampliar a oferta. Então, a parceria veio agregar. Eu saio de 15 mil vagas que tinha em 2021 de oferta na primeira série do médio, e agora subo para 36 mil vagas em curso técnico no Ensino Médio. Eu estou ampliando para o estudante.

Mas por que esse modelo não seria viável com termporários PSS?

Porque eu posso ofertar em qualquer cidade do Paraná agora. Anteriormente, lançava o edital e não tinha esse profissional no mercado para vir trabalhar com a gente. O curso é sazonal. Eu não posso fazer um concurso para um curso que vai durar dez anos, por exemplo, e ele vai ficar saturando, o mercado vai fracassar. Hoje, para ter ideia, tenho professores do curso de secretariado que estão trabalhando no administrativo porque esse curso fracassou, e esse profissional tem carreira de 35 anos. Então não é interessante fazer isso. Com a parceria, consigo trazer o maior número de cidades ofertando cursos profissionais no Paraná, dou acesso ao estudante de rede pública. Você sabe que universidade pública não tem nos 399 municípios do estado e isso é um grande limitador do acesso dos nossos estudantes. Então, consigo dar essa qualidade de ensino ao nosso estudante e uma qualidade de vida que é o nosso propósito enquanto educação pública.

Mas no modelo que vocês estão ofertando também não vai haver professores em todas as cidades onde haverá cursos. O professor vai dar aula de um estúdio. Não seria viável o próprio estado fazer isso, então?

Esse é o ponto. O modelo virtual não é aula gravada, é um modelo de aulas síncrones, aulas ao vivo com o professor, com interatividade com o professor. O estado não tem a capacidade e a estrutura de fazer aulas ao vivo. A gente experimentou isso em 2020 e não conseguimos experimentar bem porque essa não é a nossa expertise. A nossa expertise é trabalhar a base comum, que é a matemática, história, geografia, filosofia, sociologia. Essa parte específica a gente tem limitações técnicas e de execução. Então o parceiro vai ter um professor dando aula ao vivo, um monitor dentro da sala da aula, que é um técnico para atender os estudantes e principalmente fazer com que a parte de estrutura rode perfeito. E o estudante vai tirar suas dúvidas ao vivo. É diferente de eu gravar aula, como no Aula Paraná [aplicativo da Seed para assistir às aulas]. Eu tenho à disposição aulas gravadas, mas não tenho interação ao vivo do estudante com o professor.

O edital previu a possibilidade de um professor dar aulas ao vivo para até 20 turmas ao mesmo tempo. Considerando que cada turma pode ter até 35 alunos, seriam 700 alunos ao mesmo tempo. Como seria a interação de um professor com 700 alunos?

Eu vou ter o monitor na sala de aula que vai levar essas dúvidas ao próprio professor e do outro lado tenho professor dando aula ao vivo que pode dar resposta. Mas eu tenho um personagem, um professor da disciplina que vai estar nessa interação e que vai responder. Então são dois professores ao mesmo tempo interagindo com os estudantes, mais o monitor. São simultaneamente três pessoas com cada turma. Isso é diferencial.

Como essa interação vai ser feita até chegar ao professor?

São dois caminhos. Via o chat e a hora que o professor abre o microfone. A gente está colocando 25 mil kits de educaTron [kits com televisores com 43 polegadas e minicomputadores] em cada sala de aula. A gente vai ter uma TV e um computador com uma webcam em que o aluno vai interagir ao vivo. É uma pergunta por vez ou por chat, que também pode entrar, e é como se você tivesse 20 alunos em uma sala. É muito tranquilo, a gente testou com os nossos diretores. Demos uma formação e eles porque essas dúvidas eram dos nossos gestores e funcionou muito bem. A interação foi muito boa, não ficou ninguém desassistido e houve uma participação muito clara. A gente vai ter também um trabalho no Google Classroom. Vídeos e aulas gravadas vão ficar a disposição no repositório, e os exercícios também. O professor da Unicesumar também vai acompanhar como vai ser o desenvolvimento desses estudantes nas aulas, e a gente vai cobrar da Unicesumar, sim, resultados e indicadores, como qualquer prestador de serviço que a gente tenha dentro da Secretaria Estadual da Educação.

Vocês falam de uma expansão ousada para chegar a 100 mil alunos nesta modalidade em 2023. Para isso seria necessário um volume significativamente maior de profissionais habilitados . Qual será o volume de professores cedidos pela Unicesumar?

É conforme nossa demanda, conforme quantas turmas a gente vai ter é a oferta de professores que a Unicesumar vai ter. O nosso teto é chegar a 1.200 turmas, mas hoje a gente tem 600 turmas. Aí você vai ter o cálculo, divide por 20 e vai ter o resultado.

  • O resultado do cálculo indicado pelo diretor é de 30 professores. Posteriormente, para conferir o número, a reportagem procurou a Seed, por meio de sua assessoria de imprensa. A resposta da equipe foi menor: 20 professores. O diretor foi questionado pela reportagem e, neste sábado (5), voltou atrás no próprio cálculo indicado: disse que são pelo menos 100 docentes. Ele não explicou a disparidade entre as informações.

[São 55 mil turmas de estudantes no Paraná hoje, 600 com a parceria. É um volume muito baixo, é quase um piloto. É um piloto que a gente está pilotando agora.

A gente pode dizer que vocês estão usando essas turmas como cobaias?

Não, piloto porque você estava dizendo que estamos começando com um numero muito grande. E eu estou contra argumentando, dizendo que é um número muito pequeno. Cobaia é um termo muito ruim e pejorativo que você está usando. Estou sendo bem leal e transparente e não gostei dessa sua colocação.

E é correta a interpretação de que esse modelo é uma terceirização do ensino?

Não, é uma parceirização, é diferente. É você levar a equidade para todos os estudantes do Paraná, indiferente se são estudantes lá de uma cidade pequena ou estudantes de um grande centro urbano. É a gente dar condições iguais para todos os estudantes do Paraná.

Mas quando você submete essa equidade ao serviço privado não seria uma terceirização?

É a nossa condição de oferta, a nossa capacidade de atender aos estudantes. Não podemos deixar que um estudante no interior do Paraná, um menino ou uma menina que precisa fazer, muitas vezes, e o Paraná, por sua incapacidade de ter condição, não ofertar. A educação é um processo plural, um modelo que passa a funcionar de forma que consiga atender o máximo possível de estudantes, principalmente porque a gente tem que combater os nossos indicadores. A gente não pode ficar conformado com os indicadores de abandono e evasão nas escolas públicas do Paraná. A gente tem que evoluir com esses indicadores e dar condições para os nossos estudantes.

Porque o processo foi gerido pela Secretaria da Administração e não Educação, como aconteceu no Rio de Janeiro?

É uma questão muito técnica, de legislação do estado o Paraná. Quem faz ata de registro de preço é a Secretaria da Administração. Vou ter dar o exemplo da Prova Paraná. Eu não sei hoje quantas provas vou aplicar no Paraná todo. Como não tenho essa dimensão em números, aí eu tenho a ata de registro de preços. Dessa forma, quem faz dentro da legislação do estado é a SEAP, por uma questão jurídica.

Como vocês vão garantir a qualidade do ensino prestado?

Conversando, pesquisando com os nossos estudantes. Além de fazer uma pesquisa de satisfação, para saber como eles estão se sentido dentro desse processo de aprendizagem, dentro dos indicadores qualitativos também que são os instrumentos que a gente tem hoje disponível na secretaria. Isso é muito claro, a gente trabalha com indicadores de qualidade, a gente faz uma gestão de qualidade de ensino.

Mas esses indicadores de qualidade são aplicadas aos alunos ou à Uniesumar? Como vai ser a relação de cobrança com a Unicesumar?

A Unicesumar dá esse conteúdo, é a parte dela, a entrega do conteúdo ao estudante. Cabe a nos como contratante a verificação da qualidade que esta sendo entregue do serviço. O que nós vamos aferir: a aprendizagem e a satisfação dos nossos estudantes. É uma parceria que vai ser muito além de a Unicesumar ser só a entrega das aulas do curso. As escolas que estão recebendo as aulas vão ter para além disso, vai ser uma mão de contribuição dupla.

Você quer dizer expandir essa parceria com a Unicesumar?

A gente tem hoje na escola uma prestação de serviço. A Unicesumar vai estar inserida nesse processo. É responsabilidade dela garantir a aprendizagem do estudante. E isso não é novo. A gente já no Paraná teve o Pronatec [Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego], que é um recurso do governo, principalmente do governo do PT, que vinha para a gente formar parceria com o sistema privado, com o sistema “S” principalmente, que dava acesso ao estudante estudar em instituições privadas. Dessa forma, a gente contribuiu também para expansão e ampliação de ofertas ao estudante. E isso é uma evolução.

Você falou que será responsabilidade da Unicesumar garantir a aprendizagem do estudante. Mas isso não é responsabilidade do estado, uma vez que o vínculo do estudante é com o estado?

Sim, mas você tem uma empresa contratante, ela tem que prestar o serviço. Por exemplo, um caso particular seu, você contrata alguém para cortar os galhos das arvores em frente a sua casa. Se ela não cortou de forma adequada você vai cobrar a prestação do serviço. Essa é a responsabilidade do estado, cobrar a qualidade da prestação do serviço. Ela está prestando serviço e a gente que vai cobrar qualidade dela. É ela que tá prestando.

É que a gente está falando de um assunto muito importante, que é a Educação…

Sim, muito importante. E a gente leva isso muito a sério. Qualidade para nos é muito melhor. Inclusive vai ser melhor que outros programas que já tinham sido ofertados, que o Pronatec, em que a gente colocava o estudante e não tinha nenhum controle se ele estava aprendendo ou não. Mas nós vamos ter isso muito claro, vamos acompanhar porque o estudante está dentro da nossa escola, não estamos mandando para fora.

Por que não foi buscada parceria com as universidades estaduais?

É uma questão jurídica, de contratação. A gente não pode contratar de forma direta um processo que tem que ser aberta licitação. A gente convidou, tivemos essa conversa tanto com as estaduais, com a Seti [Superintendência de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná, guarda-chuva das sete universidade públicas do estado] , mas principalmente o que a gente buscou foi o Instituto Federal. Eu mesmo participei de duas ou três reuniões com eles desde 2020, a gente conversou com o sistema S, com vários outros, mandamos e-mail pedindo que eles participassem. No Instituto Federal a gente chegou a ter reuniões presenciais e por videoconferência, mas a legislação não permite fazer uma contratação direta. Como é recurso e é imposto de cidadão paranaense, a legislação diz que a gente tem que contratar o que vai poupar o erário público. Que tenha um serviço de qualidade, mas que ao mesmo tempo compense o recurso financeiro do estado.

Qual a referência para a adoção desse modelo, de onde buscaram referência?

O Paraná como sempre, sai sempre na vanguarda. Esse é o histórico do nosso estado. A gente começou aqui a educação de língua inglesa, o ensino de línguas no contraturno, e o Paraná tem trabalhado nesse modelo de sempre estar na vanguarda. Estado que vai ensinar no ensino público aula de programação hoje é só o Paraná; estudante que faz redação com inteligência artificial é só o Paraná; estudante que aprende língua inglesa junto com seu professor e com aplicativo, é só o Paraná. E esses moldes dessa oferta você vai encontrar nos Estados Unidos e principalmente na Inglaterra. A gente se inspirou porque não igual ipsis litteris, a gente se inspira.


Nesta segunda-feira, a Seed encaminhou nota sobre o conteúdo publicado. À pasta foi explicado que informações técnicas citadas no conteúdo foram retiradas do edital que selecionou a empresa prestadora do serviço, uma vez que, até a publicação do texto, o contrato da parceria não constava no Portal da Transparência nem havia sido compartilhado com a reportagem. A legislação brasileira assegura o direito de acesso pleno aos documentos públicos quando estes não estão sob sigilo.

A publicação dos pontos com os quais a reportagem concordou a necessidade de correção ou reiteração foram acrescentados ao texto e estão a seguir, na íntegra:

— Quem desenvolveu a matriz curricular e os planos de cursos foi a Seed-PR. A Unicesumar é responsável apenas por ministrar as aulas, de acordo com as definições estabelecidas pela Seed.
— A licitação teve sete participantes na etapa de precificação. Na etapa de lances, foram quatro participantes (SESI, Descomplica, Uniasselvi e Unicesumar). SESI retirou os lances antes do final do pregão, restando três participantes.
— Foram comprados computadores e pontos de acesso wi-fi para todas as escolas contempladas pela parceria. Os equipamentos estão sendo entregues aos colégios.
A Seed-PR reforça, ainda, que conduzirá avaliações para averiguar o processo de ensino-aprendizagem dos alunos contemplados pela parceria, garantindo que ele se dê de maneira eficaz. A pasta zela pela educação pública de qualidade e acompanhará desde a implementação até os resultados provenientes da parceria.

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