Defensoria estima que haja mil pessoas transexuais em Curitiba e RMC que desejam fazer retificação de nome e gênero

É possível realizar a mudança do prenome e gênero de forma administrativa, diretamente nos

Na sala de espera para consulta médica a atendente chama o próximo paciente. Grita um nome feminino, mas quem se levanta é um homem, que, constrangido, segue para falar com o médico. Situações como esta não são atípicas para pessoas transexuais.

Tom Dalbello, de 27 anos, já passou por isso. “Existem pessoas que entendem e são compreensivas, mas têm pessoas que não se atentam, acham que não vai ter problema. Principalmente consultório médico, laboratório, as pessoas chamavam ainda pelo nome de batismo”, lamenta.

Dalbello conseguiu fazer a retificação dos seus documentos por meio da Defensoria Pública em Umuarama, no noroeste do Estado. Agora eles estão de acordo com o gênero e o nome pelo qual ele se identifica.

Nos próximos meses, a Defensoria vai promover um mutirão no interior do estado, justamente para atender pessoas trans que desejam retificar os documentos.

Em Curitiba, no início do mês, um trabalho em parceria com a prefeitura resultou no atendimento de 150 pessoas trans, que finalmente encaminharam a retificação de prenome e gênero.

A iniciativa foi organizada pela ouvidoria geral-externa da Defensoria, pelo Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM) e pelo Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH). O mutirão também contou com os serviços do Tribunal Regional Eleitoral e do Instituto de Identificação do Paraná. 

 “[O objetivo] é trazer essa população à luz da sociedade, para que sejam reconhecidas como cidadãos e cidadãs. Ainda existe o receio da população trans de procurar os serviços, porque essas pessoas sofrem e sofreram muita violência. Estar num espaço que as acolha, que entenda suas necessidades, é de suma importância.”

Karollyne Nascimento, ouvidora geral-externa da Defensoria e mulher trans.

De acordo ouvidoria da Defensoria, a estimativa é de que em Curitiba e região metropolitana haja cerca de mil pessoas que desejam fazer a retificação. Segundo a ouvidora, um mapeamento feito entre 2018 e 2019 pela Defensoria e pelo Transgrupo Marcela Prado aponta que haja cerca de 5 mil pessoas transgênero vivendo em Curitiba e região.

Em média, a Defensoria atende 20 pessoas por mês na capital, e, embora pareça apenas um procedimento legal, a retificação é direito de pessoas trans.

Rafaelly Wiest, diretora administrativa da Aliança Nacional LGBTI, acompanhou a votação, em 2018, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.275 que tratava do nome social de pessoas trans e garantiu a retificação de prenome e gênero diretamente nos cartórios.

“Inclusive eu fui fazer uma formação no Ministério Público à época, e precisava apresentar meus documentos para acessar o prédio. Durante a palestra fiz questão de dizer que a pessoa que entrou oficialmente no prédio não era a pessoa que estava falando com eles”, relembra Rafaelly. “[a retificação] É reparação de direitos. Dá mais confiança, mais segurança para a pessoa”, continua.

Assim como Tom e Rafaelly, quem consegue a documentação retificada, comemora a conquista. “Para nós é sempre uma alegria poder trabalhar nestes casos de retificação, principalmente quando começam a chegar os feedbacks. Pessoas mandando fotos com os documentos com prenome e gênero pelos quais se identificam é uma satisfação. Além disso, uma questão de direitos, porque o preconceito que essas pessoas sofrem é imenso”, argumenta o defensor público Antônio Vitor Barbosa de Almeida, que atuou no Mutirão realizado em Curitiba.

Trâmite

Com a aprovação da ADI, a mudança de prenome e gênero é possível desde março de 2018, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que não é mais preciso ter uma autorização judicial para realizar a adequação do prenome e do gênero no registro civil.

Embora haja mais facilidade atualmente, ainda é preciso reunir muitos documentos para realizar a retificação: certidão de nascimento atualizada, RG, CPF, título de eleitor, comprovante de endereço, comprovante de serviço militar, certidão de casamento, certidão de distribuir cível, criminal, do Trabalho e certidões de tabelionatos de protesto.

Levantar todos estes documentos pode custar a partir de R$ 500, fora custos de viagem, porque a certidão de nascimento deve ser obtida diretamente no cartório em que a pessoa foi registrada (ou por meio de procuração, que também tem custo). Na Defensoria Pública do Estado (DPE) é possível requerer a isenção das taxas, e, neste caso, a pessoa deve procurar diretamente a DPE.

Esses documentos podem ser apresentados da DPE ou no cartório, como fez a analista de desenvolvimento Sofia Nyx, de 43 anos, que obteve a retificação em 2019. “Eu passei o segundo semestre inteiro indo atrás de documentos, mas fiz tudo sem ir à Defensoria, então acho que esse é o caminho mais fácil”, diz.

O trâmite para retificação de prenome e gênero segue um método já adotado para troca de nome em outras situações. “Esses são os documentos necessários para mudança de qualquer nome, não apenas de pessoas trans. Claro, deveria haver um sistema integrado para diminuir a burocracia, mas trata-se de segurança jurídica para não prejudicar terceiros”, explica doutora Anelize Pantaleão Puccini Caminha, professora da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP).

O que ocorre em todo caso de mudança de nome é que é necessário ter certeza que a retificação – seja por transexualidade, separação, casamento ou erro ortográfico – não está sendo feita para livrar o requerente de algum “problema” atrelado à identidade anterior (dívidas, questões criminais etc.).

Além de homens e mulheres trans, a Defensoria também atende o público que se identifica como não-binário. Esse trabalho é feito pelo NUCIDH. “A Defensoria vem atuando há anos nesta pauta, ajudando a população LGBTIQIA+. É muito importante facilitar o acesso à Justiça no que diz respeito à retificação. No caso das pessoas não-binárias, infelizmente, é necessário que ocorra a judicialização, serviço que também é prestado pela Defensoria”, explicou o Coordenador do Nucidh, dr. Antonio Vitor Barbosa de Almeida.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima