Curitiba já escolhe quem recebe cuidados, mas sem transparência

Médicos da linha de frente relatam ter que priorizar uso de recursos e escolher quem irão entubar. Decisão deveria ser de comissão técnica

Com a piora no número de casos de Covid-19 em Curitiba, a cidade já vive uma situação de esgotamento dos recursos disponíveis. E, com isso, médicos da linha de frente já escolhem quem tem preferência no acesso a recursos como respiradores. A informação foi confirmada pelo Plural junto a médicos de UPAs da cidade.

No momento a decisão tem recaído sobre os próprios médicos que estão na linha de frente, uma situação estressante e emocionalmente desgastante para os profissionais envolvidos.

Não precisava ser assim, inclusive segundo as recomendações que seriam adotadas pela própria Secretaria Municipal de Saúde (SMS), que preconiza a constituição de comissões para tanto e a definição de uma pontuação usada na seleção de quem tem preferência no atendimento.

O Plural apurou que ao relatar para a chefia o esgotamento de medicamentos e equipamentos no atendimentos a pacientes na UPA, um médico do sistema recebeu como resposta o  protocolo de alocação de recursos em esgotamento durante a pandemia por COVID-19 da AMIB (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), ABRAMEDE (Associação Brasileira de Medicina de Emergência, SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia) e ANCP (Academia Nacional de Cuidados Paliativos).

O documento orienta, em resumo, como o sistema de saúde deve decidir a alocação de recursos quando eles são escassos no cenário de pandemia de coronavírus. Entre as recomendações está salvar o maior número de vidas e anos/vida possível. Inicialmente as recomendações da AMIB incluíam a idade do paciente, mas este critério foi retirado do documento por ser discriminatório.

No dia a dia das UPAs de Curitiba, no entanto, a opção dos médicos ouvidos tem sido pelos mais jovens.

A recomendação recomenda o anúncio público do início do protocolo – o que a prefeitura não fez ainda – e a constituição nas instituições de saúde de comissões de triagem hospitalar que atuariam no processo de decisão, tirando do médico na ponta a responsabilidade de ter que escolher entre seus pacientes.

O processo inclui ainda o estabelecimento de uma pontuação por paciente que deve ser atualizada constantemente e pode ser usada no processo decisório. Essa pontuação leva em consideração comorbidades e a “gravidade das disfunções orgânicas apresentadas por um paciente”.

Neste sábado, em entrevista coletiva, a superintendente de Gestão da SMS, Flávia Quadros, disse que o protocolo está sendo discutido, mas não respondeu se as comissões foram constituídas. Médicos de UPAs ouvidos pelo Plural afirmaram que não.

“Essa discussão foi feita ano passado também. É natural que ela volte agora. Os médicos precisam ter segurança, não é uma discussão simples. Tem que ter embasamento clínico, o conhecimento técnico. Por isso que essa discussão acontece. É uma discussão que ninguém quer fazer, que ninguém gostaria de fazer. Porém ela está posta para todos mundo funcionário na pandemia. Como fizemos ano passado, neste momento fizemos novamente essas discussões com as equipes”, disse Quadros.

O Plural insistiu, questionando se as comissões foram constituídas e se o protocolo está ativo. Novamente ela insistiu que os protocolos existem desde o início da pandemia, mas não respondeu a respeito das comissões nem do anúncio de início de aplicação dos critérios de alocação de recursos. “O protocolo está colocado, mas a gente espera que não precise utilizar”, respondeu.

A fala tanto de Quadros quanto de Beatriz Battistella Nadas, superintendente Executiva da SMS, é coerente com o discurso do prefeito Rafael Greca, que tem insiste que nenhum curitibano ficará sem atendimento.

O site da SMS com documentação técnica voltada a profissionais de saúde na pandemia, porém, não contém qualquer protocolo relativo ao tema. A Secretaria também diz que o sistema de saúde tanto público quanto privado está no limite, ainda na mesma coletiva as representantes da prefeitura também não responderam claramente se a estrutura está em colapso ou se não, qual a previsão de esgotamento.

Segundo o próprio documento da AMIB, “para serem eticamente defensíveis, no entanto, processos de alocação de recursos em esgotamento não devem ocorrer em segredo, sem registro apropriado e de maneira subjetiva e inconsistente. Ao contrário, é fundamental que ocorram com fundamento em protocolos claros, transparentes, tecnicamente bem embasados, eticamente justificados e alinhados ao arcabouço legal brasileiro”. 

O objetivo do protocolo, afirma o documento, é também “proteger os profissionais que estão na linha de frente do cuidado ao retirar de suas mãos a responsabilidade de tomar decisões emocionalmente exaustivas e que possam aumentar os já elevados riscos de problemas de saúde mental precipitados pela pandemia da COVID-19 e, consequentemente, comprometer a capacidade para o trabalho a curto e longo prazo”.

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1 comentário em “Curitiba já escolhe quem recebe cuidados, mas sem transparência”

  1. ANA MARIA OSTROVSKI

    Os profissionais da saúde não tem tempo para esperar a comissão, eles tentam fazer o que está ao alcance e na consciência deles, jamais devem ser responsáveis pelas escolhas, tenho certeza de que escolheriam todos

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