Compra de ivermectina por Paranaguá será arquivada no MP

Justificativa é de que medicamento, sem comprovação contra Covid, pode ser fornecido com receita médica

O Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR) decidiu arquivar as denúncias contra a Prefeitura de Paranaguá, após a aquisição de 352 mil caixas de ivermectina. O município gastou quase R$ 3 milhões em 1,4 milhões de comprimidos do remédio (sem licitação), que não possui comprovação científica contra Covid-19. Mesmo assim, o MP justifica o arquivamento afirmando que ele pode ser fornecido à população, “desde que haja prescrição médica e consentimento do paciente”.

O medicamento foi distribuído para moradores de Paranaguá durante o ano passado. A dispensação ocorreu em vários pontos de Paranaguá, para pessoas com idade acima de 5 anos e peso superior a 15 quilos. O prefeito Marcelo Roque (PODE) cita a distribuição de ivermectina como um esforço para prevenir o coronavírus, juntamente com decretos, monitoramento dos casos suspeitos e abertura de hospital de campanha.

O MPPR abriu uma investigação preliminar contra o município em julho de 2020 e decidiu arquivar o processo no dia 11 de março de 2021. Segundo a entidade, apesar de não haver indícios de irregularidades na aquisição do medicamento ivermectina, e nem no procedimento de dispensa de licitação, havia necessidade de análise técnica pelo setor de Auditoria do Ministério Público sobre possível superfaturamento no valor do fármaco, o que acabou não sendo comprovado. 

Sobre a eficácia do medicamento, o MPPR diz, no documento de arquivamento, que na época da aquisição não existia, e ainda não existe, medicamento que contenha em sua bula a descrição de uso para Covid-19. “Assim, a falta de evidência científica no uso do medicamento ivermectina como protocolo preventivo da Covid-19 não impede que esse seja fornecido à população, desde que haja prescrição médica e consentimento do paciente. A eficácia ou ineficácia do fármaco é tão controversa que não comporta análise de um único profissional, face divergências entre os diversos estudos científicos realizados até o presente momento”.

O MP cita uma matéria da CNN para justificar uma possível eficácia do medicamento contra a Covid. “Uma revisão de onze pesquisas sobre a eficácia da ivermectina, realizada pela Universidade de Liverpool, mostrou que o vermífugo foi associado a uma redução dos níveis de inflamação e a uma eliminação do coronavírus, além de redução da mortalidade e do tempo de internação.”

Porém, a entidade omitiu do documento oficial trechos da matéria que relatam que o estudo é uma meta-análise, ou seja, uma revisão de estudos sobre o assunto e não um estudo original. Também não há no documento nenhuma citação ao fato do próprio estudo não recomendar a aprovação do uso da ivermectina. A FDA (Food and Drug Administration), uma das maiores agências de análises de medicamentos, igualmente não recomenda o uso de ivermectina para tratamento da Covid, o que também não foi inserido no documento do MP.

Multa

O Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE) julgou a compra do medicamento pela Prefeitura de Paranaguá como irregular. O TCE multou individualmente o prefeito Marcelo Roque e a Secretaria de Saúde em R$ 4,4 mil. Segundo a entidade, o motivo da multa foi a compra irregular do medicamento, já que foi adquirido com intenções de utilizar a ivermectina no combate ao coronavírus, sendo que não há comprovação científica.

“Tais recursos poderiam ser utilizados para o reforço de medidas sabidamente eficazes, considerando-se ainda que se trata de momento de franca queda de arrecadação em todas as esferas da federação”, destacou a equipe da unidade técnica do TCE-PR.

Procurado pelo Plural, o TCE-PR esclareceu que não comenta decisões tomadas por outros órgãos públicos. “Informamos que, em sua esfera de competência, o TCE-PR julgou o processo relativo a essa questão e impôs as sanções que considerou adequadas.”

A ivermectina

Marcelo Molento é professor e pesquisador da UFPR, coordenador do laboratório de parasitologia clínica veterinária e estuda ivermectina há 26 anos. Ele conta que o medicamento tem o registro de patente como agente parasiticida, muito eficaz em matar uma população muito grande e um grande número de espécies diferentes de parasitas. Segundo Marcelo, ela possui uma margem de segurança muito grande, e não é tóxica nem para animais, nem para o ser humano, desde que usada para o fim correto.

O pesquisador conta que a história de que a ivermectina poderia ser utilizada como tratamento para a Covid começou em um estudo na Austrália, realizado em células. “Eles infectaram essas células com o SARS-Cov-2 e usaram altas doses de ivermectina. Seria mais ou menos um estudo artificial in vitro para provar que existiria uma ação. Mas os estudos in vitro provam a ação de centenas de milhares de produtos.”

“Estudos não comprovaram nada”

“Se você tomar refrigerante, se você tomar café, e se você tomar ivermectina, o efeito vai ser o mesmo”, explica o pesquisador. “A ivermectina não vai proteger você de se infectar contra o vírus, não vai estimular uma resposta imune, e você não vai ter capacidade de, caso teste positivo para o vírus, matar o vírus dentro de você. São três coisas muito interessantes que o pessoal está lutando a todo custo e que não são comprovadas cientificamente. Pessoas que fazem uso do remédio, pegam covid e depois falam ‘não precisei ir para o hospital,  estou muito bem’. É só uma questão matemática.”

Marcelo conta que há hospitais na China, Índia, França, Argentina, Egito, Irã e Estados Unidos que estão fazendo estudos com a ivermectina no tratamento contra a Covid-19. “Vários deles não comprovaram absolutamente nada. Os trabalhos realmente científicos já disseram que não há eficácia. Os artigos que têm saído na mídia, que os médicos e várias pessoas têm seguido, não são científicos. Eles possuem argumentos, mas sem provas.”

Perigos

O professor relata que tiveram pessoas que injetaram os produtos veterinários, pessoas que tomaram produto veterinário junto com leite e que agora está pipocando casos nos hospitais. “Hepatite medicamentosa e problemas renais seríssimos devido ao exagero do uso da ivermectina. As pessoas estão usando toda semana, achando que é um tratamento preventivo. Não existe tratamento precoce, isso é uma ilusão das pessoas, infelizmente. O que estamos vendo agora são pessoas tomando uma dose tóxica, que é 10, 20 vezes maior do que a dose recomendada na bula”, alerta Marcelo.

Colaborou: Matheus Koga

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1 comentário em “Compra de ivermectina por Paranaguá será arquivada no MP”

  1. O cara gasta 8 milhões para compra de um medicamento inútil, que tem levado gente a desenvolver hepatite medicamentosa até mesmo chegando a precisar de transplante. Programa a distribuição da droga no ginásio municipal provocando filas e aglomeração.
    O prefeito fica lá de corpo presente faturando prestígio em ano eleitoral.
    Daí o MP vai e resolve arquivar achando que está tudo dentro dos conformes…
    Surreal!

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