Apaixonadas por futebol, torcedoras de Curitiba se reúnem para acompanhar a Copa do Mundo

Brasil estreia nesta segunda-feira (24), às 8h, e amigas que veem futebol juntas se preparam para torcer pela seleção feminina

Embora o clima de Copa do Mundo seja bem mais ameno quando se trata da competição feminina, quem é apaixonado por futebol já está organizado para acompanhar as partidas, principalmente os jogos da seleção brasileira, que estreia no dia 24, às 8h, contra o Panamá. O jogo será transmitido on-line pelo YouTube da FIFA, CazéTV e em TV aberta pela Rede Globo.

Em Curitiba, um grupo de amigas tem a tradição de acompanhar os jogos da seleção feminina juntas, desde 2018. Em 2019, fizeram parte da audiência recorde da Copa do Mundo das mulheres, que segundo a Fifa bateu 1,12 bilhão de pessoas assistindo às partidas do mundial. No Brasil, o crescimento foi de 81 milhões de pessoas em relação à copa anterior.

Para a estreia da seleção, a bióloga Tatá Molin, a empresária Eve Ribeiro, e as designers Drica Ligmanowksi e Kami Silva já têm agenda: encontro na casa da professora Fernanda Haag.

O fuso-horário deixa a tradição mais difícil de ser cumprida, mas todas adaptaram horários de trabalho para poder acompanhar as partidas. Para além da torcida pela seleção, todas são apaixonadas pelo futebol.

Boleiras

A Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude de Curitiba mantém parceria com o programa Maestro da Bola, criado pelo ex-jogador Ricardinho, pentacampeão mundial em 2002. Ao todo são atendidas 1,3 mil crianças que praticam futsal e futebol. Deste total, a prefeitura afirma que “cerca de 100” são meninas entre 7 e 14 anos.  

A aproximação de mulheres com o futebol impacta diretamente na prática e no gosto pelo esporte. Drica, por exemplo, só começou a jogar futsal aos 20 anos. Antes disso, na escola e na faculdade, jogou basquete, apesar de sempre gostar da modalidade. “Eu me lembro que vi um grupo de meninas com a camisa da UFPR e eu não fazia ideia que tinha time feminino, aí fui falar com elas e me falaram que podia ir aos treinos. Eu não tinha chuteira nem nada, mas fui”.

Antes disso, Drica jogava sozinha. Batia bola na parede de casa e tentava reproduzir os treinamentos que via nos programas esportivos na TV. Depois do primeiro contato, ela jogou campeonatos paranaenses, competições regionais, futebol de 7 e futsal – acabou de conquistar o título e a artilharia da chave prata da Liga de Desenvolvimento Desportivo de Curitiba (LDDC) , pelo time com as amigas, a Sociedade Recreativa Fogueteiras, que tem um ano de vida.

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Uma pesquisa divulgada no ano passado pela Kantar Ibope Media no ano passado aponta crescimento de mulheres que usam a internet e gostam de futebol. Em escala nacional, a Kantar aponta que 68% dos brasileiros com acesso à internet gostam de futebol, dessas, quatro entre dez são mulheres.

A pesquisa também destaca que 34% das pessoas acompanham o futebol feminino.

Quando uma pessoa gosta de alguma atividade como música ou literatura há influência da família. No caso do futebol não é diferente. Eve Ribeiro, que vive em Curitiba, mas é de Santa Catarina, herdou do pai o gosto pelo esporte, mas como grande parte das meninas, não teve oportunidade de levar o sonho de ser jogadora profissional adiante.

torcedoras com camisa da Seleção
Tudo pronto para a estreia do Brasil | Foto: Tami Taketani/Plural.

“O sonho do meu pai era que meu irmão fosse jogador de futebol. Mas ele não gostava de ir treinar, então eu ia junto para garantir que ele não faltasse, mas não podia treinar, só ficava olhando. Depois, quando eu tinha uns dez anos, o professor começou a me colocar porque ficava com dó. Num desses jogos um cara chegou a me chamar para um teste, mas meu pai não deixou”.

Apesar de não ter podido tentar a carreira profissional, o futebol também seguiu como paixão. Dos jogos nas quadras de Curitiba, a torcida pelo Palmeiras e o acompanhamento do futebol feminino para Eve têm a figura de uma professora de Educação Física de Santa Catarina, chamada Glória, que sempre incentivou a aluna a jogar.

Superstição

Em 2021, o time masculino do Palmeiras foi campeão da Libertadores. Fernanda e Tatá acompanharam o jogo em São Paulo, na sede da torcida organizada Mancha Verde. Algumas torcedoras são diferentes de outras – existem aquelas que têm superstição e as que não ligam para esse tipo de coisa. Fernanda é supersticiosa e Tatá, não.

Tatá usa a camisa 7 para jogar e para torcer. No entanto, no mata-mata da libertadores daquele ano, fez um pedido de uma camisa nova, num modelo retrô, e quando recebeu o produto, o número estava errado: 9. Tatá não liga para superstições, então não foi um problema ver o jogo com a camisa 9.

A questão é que Fernanda tem suas superstições e, após a vitória do time com a amiga usando a camisa 9, ela transformou isso em ritual para a competição. O desfecho já é conhecido. Palmeiras campeão contra o Flamengo com gol do camisa 9, Deyverson.

Para além dos ritos, o futebol para Tatá também teve influência do irmão. Ele é mais velho e, quando queria jogar bola com alguém, tinha que ser com a irmã. “Então sempre joguei futebol. Sempre assisti futebol. Minha mãe é flamenguista, então ela via muito jogo e eu via junto. Joguei na escola, treinei no Sesc. Só parei na faculdade e aí voltei em 2018, com o society”.

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O convite para o futebol society foi feito por Fernanda, já que ambas tinham amigos em comum. Da mesma torcida, as amigas também viraram colegas de time e desde então assistem aos jogos do Palmeiras feminino e masculino e os jogos da seleção feminina prioritariamente.

Marta treina na Austrália
Seleção estreia na segunda-feira contra o Panamá | Foto: Thais Magalhães/CBF

Na Copa do Mundo masculina, no ano passado, as amigas também acompanharam vários jogos – não somente da seleção brasileira.

Joga y torce

No Paraná, tanto o Coritiba quanto o Athletico Paranaense têm times femininos, muito em função de uma determinação da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) dizendo que os times que disputam a Série A são obrigados a ter times femininos disputando competições oficiais. Essa é uma regra que começou na temporada 2020-2021.

O avanço é a passos lentos, o que demonstra como a estrutura patriarcal e machista dificulta a vida de atletas e torcedoras. “Quando eu era criança, gostava de futebol. Uma parte da família era Coxa, a outra Athletico, até me levaram ao estádio, mas sem muito incentivo. Na escola, a gente precisava escolher um esporte, eu escolhi futsal, mas a diretora disse que não era para mulheres, então fui começar a jogar mesmo só mais velha”, diz Fernanda.

Situação parecida ocorreu com a designer Kami, que sempre gostou de futebol. “Eu vejo que não é só falta de incentivo. Quando a gente gosta de futebol e quer jogar, isso também é negado para nós”. Kami adaptou a agenda de trabalho para repor horas para torcer pela seleção feminina.

Machismo

A abertura da Copa do Mundo feminina aconteceu nesta quarta-feira (19). Conforme dados da Fifa, o jogo entre Nova Zelândia e Noruega teve 42.137 torcedores e o time neozelandês anotou sua primeira vitória na história do mundial feminino (placar de 1 a 0). A outra anfitriã da competição, a Austrália, ganhou da Irlanda por 1 a 0 com público de 75.784 no estádio.  

Folgas, pontos facultativos e eventos voltados para a Copa do Mundo são muito menores quando a modalidade é feminina.

Em Curitiba, a prefeitura primeiro disse que não alteraria o horário de expediente dos funcionários e depois mudou de ideia. O Governo do Paraná anunciou a mudança de horário para os jogos um dia antes da competição começar. Essa é a primeira vez em que é decretado ponto facultativo no Estado para a Copa Feminina.

Na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) a bancada feminina encampou a campanha para que a Copa feminina tivesse o mesmo tratamento da masculina. A deputada Mabel Canto (PSDB) protocolou requerimento pedindo alteração de horário, que foi acatado pelo presidente Ademar Traiano (PSD).

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O machismo em órgãos governamentais é sutil, ao passo que na internet os ataques são mais agressivos. Durante a transmissão da primeira partida da Copa do Mundo na CazéTV, o chat foi desativado depois de comentários machistas e misóginos. Um internauta sugeriu que as atletas de Noruega e Nova Zelândia fossem lavar louça, outro disse que as jogadoras deviam usar “shortinho de academia”.

O CazéTV emitiu uma nota sobre a situação: “O chat da CazéTV no YouTube foi desativado durante a transmissão de Nova Zelândia x Noruega porque percebemos que algumas pessoas estavam aproveitando a oportunidade de visibilidade para destilar preconceitos inaceitáveis dentro dos valores da CazéTV e de qualquer sociedade. Nos próximos jogos teremos ainda mais moderadores preparados para permitirem que as pessoas que curtem o canal se manifestem livremente e que discursos discriminatórios sejam banidos, como deve acontecer com qualquer espécie de preconceito”.

Agenda

24/07 – 8h – Brasil x Panamá

29/07 – 7h – França x Brasil

02/08 – 7h – Jamaica x Brasil

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