Machismo nas ruas: só 7,5% das vias de Curitiba homenageiam mulheres

Dos 5,4 mil km da Capital, só 410 km têm nomes de mulheres

O machismo é absolutamente estrutural e, mais uma vez, podemos provar. Um levantamento da Urb Ideias mostra que ele se apresenta até mesmo nos nomes dados às ruas da nossa cidade: 71,5% das vias de Curitiba homenageiam homens, enquanto apenas 7,5% carregam nomes femininos. E as demais? São nomeadas a partir de datas comemorativas, ícones religiosos ou coisa que o valha.

“O processo de planejamento de Curitiba está vinculado a um período militar. As questões ideológicas e o lugar onde o poder está localizado ficam muito claros na cartografia da toponímia da cidade. E não me refiro apenas aos nomes, mas também à extensão das ruas”, afirma o urbanista Andrei Crestani, citando ruas grandes e famosas como Marechal Floriano Peixoto, Brigadeiro Franco e Comendador Araújo.

Dos 5.455,14 km da capital, só 410 km têm nomes de mulheres. 

Fonte: Urb Ideias

Curitiba nasceu na região central e a porção sul foi uma das últimas a ser urbanizada. “O mapa mostra uma baixa concentração de nomes femininos especialmente no centro e na região norte, e uma propensão maior a encontrar nomes femininos ao sul”, afirma o profissional. 

O sul concentra 59,3% das ruas nomeadas a partir de mulheres. Dez delas estão no Novo Mundo, bairro com maior número de vias com nomes femininos. 

O que isso significa? “Que existe um movimento contemporâneo de homenagear mais mulheres. Mas historicamente – assim como em todo o Brasil e o mundo – há uma exclusão das mulheres em homenagens públicas.”

Fonte: Urb Ideias

Os dados

Crestani é doutor em Arquitetura e Urbanismo, professor universitário, idealizador e cofundador da Urb Ideias. Foi ele quem fez o levantamento, analisando a base de dados cadastrais da Prefeitura. 

O processo foi o seguinte: o urbanista pegou as 9.648 vias oficialmente cadastradas, reconheceu os nomes femininos e considerou apenas as ruas que tinham uma extensão significativa (5 quadras, cerca de 500 metros). “Ruas menores que isso geralmente são sem saída ou não têm conectividade com outras, além de que sequer apareceriam no mapa”, esclarece.

Depois ele excluiu os nomes religiosos – de santas, por exemplo – porque não homenageiam exatamente mulheres, mas religiões, instituições.

O resultado é um registro sociológico que diz muito. “O planejamento urbano é dominado pelo mundo masculino. As ruas foram pensadas em torno do homem, há uma tendência misógina. Muitas mulheres foram apagadas da história. Isso é real, concreto e histórico – e as nossas ruas contam essa história até mesmo pelos nomes.”

Segundo Crestani, discutir os nomes pode parecer superficial, mas a grande questão é: como a cidade recebe a mulher? “Isso fica claro nos assédios no transporte coletivo, nos abusos e estupros no espaço público, no fato de as mulheres terem medo de andar sozinhas à noite… A gestão pública precisa olhar pra esse conjunto.”

“Isso que estamos falando de mulher. E se fossemos classificar mulheres pretas e pobres?”, questiona o urbanista. E as pessoas trans?

O nome das ruas

O Plural enviou os dados para análise da Secretaria Municipal do Urbanismo, perguntando como o órgão avalia tal disparidade. A Assessoria de Imprensa informou que não poderia contribuir com a reportagem porque as nomeações são feitas a partir de proposições apresentadas na Câmara Municipal de Curitiba.

A Câmara, por sua vez, esclareceu que a denominação de logradouros públicos em Curitiba é regulamentada pela lei municipal 8.670/1995. “Desde 2011, há um limite de cinco indicações deste tipo por ano, por vereador. Não há na norma qualquer distinção de gênero em relação aos indicados para denominar logradouro público.”

Nesta legislatura, a Professora Josete (PT) protocolou um projeto propondo isonomia de gênero nas indicações, ou seja, 50%-50%. “Trata-se de um pequeno detalhe, porém um detalhe que revela o quanto é estrutural o processo que coloca a mulher em situação de desvantagem em relação ao homem”, argumentava a autora. 

A iniciativa foi arquivada pela Comissão de Constituição e Justiça que, em seu parecer, disse: “A propositura interfere na autonomia e vontade política de cada vereador. Cada membro da Câmara tem sua prerrogativa de ver-se independente e capaz de decidir os destinos de seu mandato bem como das decisões que toma em prol dos cidadãos e da cidade. Ainda que haja pressões políticas, não deve ceder para que evidencie-se sua credibilidade e autonomia para legislar”.

Outro projeto, de Maria Letícia (PV), proíbe nomes alusivos à ditadura militar e está apto à votação em plenário. A autora defende que é necessário “proibir a concessão de homenagens a pessoas que tenham praticado atos de lesa-humanidade, tortura, exploração do trabalho escravo ou infantil, violação dos direitos humanos”.

Urb Ideias

A Urb Ideias é uma plataforma que nasceu com a missão de tornar o conteúdo sobre cidade e paisagem mais ilustrativo, original e didático. “Há grande oferta de conteúdo sobre decoração e construção, mas quando a gente procura coisas sobre cidade e paisagem é tudo muito teórico e difícil para o público geral”, defende Crestani. 

O projeto, que pode ser acompanhado via Instagram, tem mais três pessoas no time, todas arquitetas e urbanistas: Aline Campos, João MacKnight e Richard Viana.

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “Machismo nas ruas: só 7,5% das vias de Curitiba homenageiam mulheres”

  1. Em uma contagem rápida pelo Google Earth aqui em Belém do Pará no centro da cidade apenas encontrei entre Avenidas, ruas e travessas apenas “a Avenida Nazaré” no Bairro de Nazaré, e “a Rua Catalina” no bairro do Marco recentemente ampliado como centro da cidade, próximo ao Hangar centro de convecções da Amazônia, com nomes femininos, os restantes de nomes femininos sempre de forma secundária que encontrei 99% eram de Vielas e Alamedas mas das anteriores apenas duas acima mencionadas, também um machismo estrutural para minimizar a importância da mulher na sociedade histórico. Oh gente! Cadê a homenagens a nossas mulheres que fizeram historias aqui??w na Belém Metrópole da Amazônia 25/10/2020

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