“Apagão” na enfermagem ameaça criação de leitos para Covid em Curitiba

Concursos convocam mais que o dobro dos aprovados para tentar preencher vagas de atendimento na saúde

Nas últimas semanas, tanto o governo do Paraná quanto a prefeitura de Curitiba anunciaram a ativação de mais leitos de UTI para atendimento de pacientes com Covid-19. A criação de unidades exclusivas tem sido a principal resposta ao crescimento do número de casos da doença na região durante a pandemia.

O Plural apurou, no entanto, que preencher as equipes necessárias para cada leito tem sido um desafio à parte. “Não existe nem recurso financeiro, nem recursos humanos, nem insumos”, diz Beatriz Battistella, superintendente executiva da Secretaria Municipal da Saúde sobre a abertura de mais leitos para acompanhar o avanço da doença.

Ela afirma, porém, que no momento ainda há como o mercado suprir a demanda. “Não chegamos no teto”, diz.

Desde a chegada da pandemia a Curitiba tanto o sistema público quanto o privado de saúde buscam contratar profissionais de saúde para suprir as necessidades de novos leitos abertos.

Na Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, o edital do Processo Seletivo Simplificado aberto em 23 de março previa a contratação de 218 técnicas em enfermagem e 140 enfermeiras. Quatro meses depois, o edital já convocou 492 aprovados para o cargo de técnica e 350 para o de enfermeira.

A situação é semelhante na Fundação Estatal de Atenção à Saúde (FEAS), que tem seleção aberta para diversos profissionais para atuar no Hospital do Idoso, no Hospital Vitória, em algumas UPAs e demais unidades geridas pela entidade.

O edital de contratação de técnicas em enfermagem previa inicialmente 64 vagas. Até agora, 664 profissionais já foram convocados. Outros 155 foram chamados para assumir cargo de enfermeira. O edital inicial previa 14 contratações.

As contratações da SMS e da FEAS atendem as parte das UPAs, o Hospital do Idoso, o Hospital Vitória e os pontos de atendimento administrados diretamente pela prefeitura e pela fundação. Uma parte significativa das vagas, no entanto, está sob a responsabilidade de parceiros privados.

Concursos públicos

Novos leitos exigem equipe especializada. Foto: Ricardo Marajó / SMCS

Segundo Beatriz Battistella, os repetidos editais de convocação são para repor profissionais que não aceitaram a renovação do contrato, de 90 dias, e outros que foram dispensados. “Houve quem se inscreveu, mas não quis assumir a vaga”, disse. A razão: não quer trabalhar no atendimento direto a casos de covid-19 em meio à pandemia.

Para a enfermeira Simone Peruzzo, presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Paraná (Coren-PR), a relutância é justificada. A categoria contabiliza 308 profissionais contaminados pelo coronavírus e 8 óbitos no Paraná até o momento.

“É um risco alto e sem uma remuneração adequada”, diz Peruzzo. O PSS para técnicos em enfermagem da prefeitura, por exemplo, paga R$ 16,91 a hora de trabalho com hora extra apenas para quem exceder 60 horas semanais. No caso de enfermeiras, a remuneração é de R$ 25,65 a hora nas mesmas condições.

Outro ponto defendido pelo Coren-PR é o pagamento de 20% de insalubridade. “Numa situação de pandemia esse valor deveria ser, no mínimo, 40%”. No entanto, a prefeitura diz que não tem como fazer isso. “Não temos como remunerar o PSS com valor superior ao do servidor público concursado”, responde Battistella.

A superintendente diz que a remuneração da prefeitura é superior a da iniciativa privada e que qualquer aumento colocaria sob pressão o sistema como um todo. “A questão é o financiamento num cenário de baixa atividade econômica. Se o mercado demite, os planos perdem segurados”, conta.

Profissionais doentes

Número de profissionais da saúde que apresentaram sintomas de síndrome gripal em Curitiba. Fonte: SUS

Segundo o Coren-PR, Curitiba tem 50.023 profissionais registrados de enfermagem, doa quais 22% são auxiliares de enfermagem, cuja formação não é ideal para atendimento no cuidado intermediário e intensivo. Cerca de 27 mil são técnicas em enfermagem (56%) e 11 mil são enfermeiros com graduação.

Pode parecer muita gente, mas a pandemia de Covid-19 criou uma situação particular. A maior parte das vagas abertas são para urgência, emergência e cuidado intensivo, que exigem, além da formação básica, experiência e especialização.

Só na prefeitura de Curitiba há contratadas 748 enfermeiras e 2.310 técnicas em enfermagem. Desses, 66 enfermeiras (8%) e 289 técnicas em enfermagem (12,3%) estão afastadas por serem do grupo de risco. Outros 55 profissionais estariam afastados por Síndrome Gripal, segundo o Coren-PR. A prefeitura diz que na SMS só 2 enfermeiros e 10 técnicos em enfermagem foram afastados por doença.

Além de precisar repor esses profissionais, a Secretaria também abriu 325 leitos extras de UTI para atendimento exclusivo a Covid-19. A cada grupo de cinco leitos de UTI são necessários um enfermeiro e quatro técnicos de enfermagem por turno de 12 horas, segundo documentação técnica do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen).

Por semana de funcionamento, isso representa quatro enfermeiros e 16 técnicos em enfermagem. No total, para atender todos os leitos seriam necessários entre 804 e 1072 técnicos em enfermagem e cerca de 268 enfermeiros, todos com experiência e especialização.

O Coren alerta também que, no caso de pacientes intubados, a razão enfermeiro/paciente seja de 1 para 1. “O atendimento de Covid-19 tem peculiaridades que exigem uma dedicação maior do profissional. Estamos falando de pacientes intubados em posição prona (de bruços) que precisam de monitoramento constante”, diz Peruzzo.

UTIs Covid-19

Instituto de Medicina: 20 novos leitos que serão administrados pela Santa Casa. Foto: Ricardo Marajó / SMCS

Uma ideia da necessidade de novos profissionais de enfermagem pode ser vista nos números do Hospital do Idoso Zilda Arns, administrado pela FEAS. Antes da pandemia a instituição tinha 20 leitos de UTI adulto e uma equipe de 287 técnicos em enfermagem e 89 enfermeiras.

O hospital abriu nos últimos meses 50 leitos de UTI Covid-19. Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde apontam que o número de técnicos de enfermagem 36% com a contratação de 102 técnicos em enfermagem e o de enfermeiras aumento ainda mais, 65%, com 58 profissionais contratados.

Só para atender as novas UTIs são necessárias 40 enfermeiras e 160 técnicas em enfermagem. Isso não contabiliza a equipe necessária nos leitos de enfermaria nem o atendimento de urgência e emergência.

Segundo Battistella, a própria SMS chegou a emprestar profissionais mais experientes para a FEAS enquanto a Fundação tentava contratar profissionais com formação adequada ao atendimento.

Para Peruzzo, do Coren-PR, a esperança é que a crise causada pela Covid-19 possa mostrar a importância do setor para a população. “Quando vemos parques lotados a impressão é descaso com o trabalhador”, diz. Mas com o agravamento da situação é preciso pagamento digno para que arrisca “a própria saúde e a dos seus para atender a população”.

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8 comentários em ““Apagão” na enfermagem ameaça criação de leitos para Covid em Curitiba”

  1. Revejam salários, condições de trabalho, local de repouso para os profissionais de enfermagem, insalubridade (que no momento deveria ser de 40% para a área assistencial), aposentadoria especial já que são os que mais arriscam a própria vida para salvar outras. Alguma dúvida quanto a isso?
    Basta tirar benefícios exorbitantes de adicionais em cargos comissionados que sobra dinheiro pra isso.

  2. Mais de 20 anos implorando pelas 30h. E já faz 5 anos que estamos pedindo um aumento de 3mil e pouco pros técnicos de enfermagem. E até hoje nao saiu dos 1800,00 manda esses politicos e gestores criarem vergonha na cara. Pois nós da enfermagem lidamos com vidas…se tirar 10 reais de cada vereadores e 10 reais de cada deputado. Nesses 5 anos pedincha da enfermagem, teria profissionais motivados e capacitados.
    Pois estamos indo pro 5 meses de covid19 e ainda não tivemos nenhum treinamento pra linha de frente. Bem diferente do exército que fica anos treinando e se preparando pra uma guerra que nem sabe se acontecerá, e mesmo assim recebem por estarem lá sempre postos.

  3. Cristiane Garcia Mariano

    E com a reforma da previdência foi tirado da categoria o direito à aposentadoria especial com 25 anos de trabalho devido aos riscos e toda à sobrecarga de trabalho, tanto física quanto emocional, cabe aos nossos governantes rever está mudança urgente, além das 30 horas de trabalho semanais reivindicado pela categoria à anos que aqui no estado de São Paulo o nosso querido João Doria vetou (antes da Pandemia). Muito obrigada, por mais matérias mostrando o valor do trabalho da Enfemagem no Brasil e no mundo. PARABÉNS.

  4. Bom dia, reportagem é muito interessante e mostra a nossa realidade no atendimento público, porém gostaria de ressaltar somente um equívoco, em todo o texto se lê “técnicas de enfermagem” e “enfermeiras”, porém atuamos em ambos os sexos, e o correto nome da profissão se faz com “técnicos de enfermagem” e “enfermeiros”, mas fora isso estão de parabéns.

    1. Também achei a matéria muito interessante mais não pude passar batido na parte que diz técnicas estamos todos envolvidos no mesmo objetivo tanto homens quanto mulheres… deveria estar especificado” técnicos e técnicas ” no mais está de parabéns..!

  5. É só acabar com os inúmeros cargos comissionados e programas que fazem um dentista chegar a receber 28 mil reais,de engorda no salário,aí sobra para pagar decentemente os profissionais que realmente merecem.

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