Alunos que ocuparam escolas do Paraná acumulam dívidas sentenciadas pela Justiça

Grupo que ocupou escolas no Norte do Paraná, à época dos protestos contra a reforma do Ensino Médio, terá de pagar custas do processo, extinto em 2021

Um grupo de 11 alunos apontados pelo governo do Paraná como líderes do movimento de ocupação de escolas da rede estadual em 2016 descobriu uma dívida com a Justiça que pode passar dos R$ 8 mil, se considerados juros e correções. O passivo remete às despesas do processo de reintegração de posse movido pelo Estado contra os estudantes naquele ano e que foi extinto em janeiro de 2021, a pedido da própria Procuradoria-Geral (PGE), em sentença que imputou a eles a cobrança das custas processuais e dos honorários advocatícios relacionados à ação.

A informação foi dada em primeira mão pela Ponte Jornalismo, mas o Plural também acessou as peças, que são públicas. São réus do processo alunos de quatro escolas estaduais de Ibiporã, município vizinho a Londrina. Não foram, até o momento, localizadas decisões em aberto, como esta, em outras comarcas do estado. O movimento de 2016, contra a reforma do Ensino Médio, foi nacional; no Paraná, teve a adesão de estudantes de mais de 800 escolas.

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No entanto, defensores dos então adolescentes têm levantado dúvidas sobre a consistência das deliberações. Há indícios de vícios que acarretariam nulidade processual, afirmam, inclusive com violação ao Código de Processo Civil (CPC). A PGE não se manifestou especificamente sobre nenhum deles.

Menores nas ocupações

Um dos pontos diz respeito ao fato de que, à época, alguns dos alunos processados pelo Estado ainda não haviam completado 18 anos e, mesmo assim, foram citados longe dos tutores ou curadores constituídos. Em precedente no Paraná, o fato já foi considerado como elemento válido para anular parte da sentença dada contra uma aluna no âmbito da reintegração de uma escola em Realeza. Ela também era menor de idade quando, segundo o desembargador relator do caso, foi citada pessoalmente pelo oficial de justiça sem estar na companhia de pais ou responsáveis. Por unanimidade de voto, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça decretou a nulidade da citação e determinou o retorno dos autos à origem.  

O parecer é o mesmo que agora buscam os alunos de Ibiporã. Oito deles se articularam na tentativa de retroceder o processo, que já transitou em julgado, à estaca inicial.

Em recurso que tenta reconhecer a nulidade do processo, o advogado Bruno Nascimento da Silva pontua que sete dos alunos citados pela Justiça sequer foram localizados dentro das escolas, embora a Justiça tenha seguido com as diligências de busca “mesmo quando a ação já não mais tinha objeto e sem estabelecer qualquer tipo de comprovação de causalidade”. E alega que, como “os réus sequer tinham capacidade civil para compreender a dimensão do ato de citação operado”, houve prejuízo ao contraditório e à ampla defesa.

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Além disso, alguns dos alunos agora novamente mobilizados afirmam ainda não terem sido oficialmente comunicados da sentença que extinguiu a ação e determinou a eles o pagamento das custas.

“Eu fiquei sabendo no começo do ano agora, por meio de um antigo companheiro que estava conversando com um menino do Polo [Colégio Estadual Unidade Polo, onde ela estudava] e avisou que estava rolado isso”, conta Ariane Rigate, que está entre os processados. “Na época que a gente ocupou as escolas, recebemos um processo de reintegração e nos foi explicado que, se a gente não desocupasse até determinada data, seríamos multados em 30 mil. Frente a isso, em consenso por assembleia, as escolas foram desocupadas. Assinamos o papel da reintegração de posse e achamos que tinha ficado nisso. Eu não fui atrás para saber porque, então, eles disseram que era só assinar aquilo e desocupar que ficava tudo bem”, conta.

Críticas

O advogado que representa Rigate e outros alunos sustenta ainda impasse na ação de extinção do processo, já que também o Código de Processo Civil diz não ser possível a desistência da ação sem consentimento do réu quando há registros de defesa. Neste caso, afirma o defensor, teria de ser observada a contestação de um dos alunos intimados por edital e que, isoladamente, chegou a se manifestar por um advogado dativo.

“É um processo bem enviesado politicamente”, disse Silva ao Plural. “A gente vai olhar a liminar de 2016 e já lá apontava que houve o esfaqueamento de um estudante em uma escola de Curitiba, como se fosse um movimento articulado pela criminalidade”.

O esfaqueamento citado pelo advogado foi o estopim para a dissolução das ocupações das escolas do Paraná em 2016. Um menino de 16 anos foi morto por um colega em um colégio no bairro Santa Felicidade onde também ocorriam protestos – a organização do movimento disse então que nenhum dos dois fazia parte da ocupação na escola. Mas as liminares movidas pelo Estado começaram a ser concedidas na sequência.

Em Ibiporã, a juíza Sonia Leifa Yeh Fuzinato sentenciou pela desocupação das escolas da cidade dois dias após o crime em Curitiba. Ela acatou os argumentos da PGE, que abordou a permanência nas escolas da comarca como “invasão ilícita”, “posse de pessoas privadas sobre bens público” e privação do direito à Educação de quem estava do lado de fora dos colégios. No pedido, os procuradores também alegaram que, apesar do diálogo mantido com os estudantes, não era viável a continuidade das manifestações dentro das escolas estaduais, já que o protesto era contra um tema de ordem federal.

A reforma do Ensino Médio, motivo das ocupações, foi sancionada em fevereiro de 2017 pelo então presidente Michel Temer e começou a valer, de fato, este ano.

Ensino médio on-line

No Paraná, uma das mudanças mais significativas trazidas com o novo modelo de currículo foi a terceirização de parte das aulas – que passaram a ser dadas em formato on-line, sem professor em sala de aula. Ao Plural, a própria Secretaria de Estado da Educação (Seed) admitiu que a contratada – a Unicesumar, uma rede particular de ensino – também ficaria responsável pela aprendizagem dos estudantes da rede.  

“É bem questionável isso. É também uma forma de deslegitimar o movimento das ocupações, o movimento estudantil com isso. Eu não ligo de ser condenada, mas não faz sentido, com tanta divergência, a gente ter que pagar isso tudo ainda”, diz Rigate sobre a dívida acumulada.

Procurada, a PGE não se manifestou sobre os questionamentos, mas afirmou que “segue acompanhando o processo e vai se manifestar novamente apenas nos autos, se provocada”.

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