As duas vidas de Rosana Stavis

Atriz e cantora de um talento excepcional, Rosana Stavis apresenta dois espetáculos no Festival de Curitiba 2022

Se um dia alguém for escrever a biografia da atriz Rosana Stavis (e ninguém tem dúvida de que esse dia vai chegar), com certeza haverá um capítulo que começa em 2004. Na época, ela já era uma das atrizes mais importantes do teatro curitibano – e talvez nem imaginasse que estava prestes a começar uma segunda vida.

Denorex 80

Por um daqueles acasos inexplicáveis, tudo aconteceu ao mesmo tempo. Numa festa, conheceu o dramaturgo Marcos Damaceno. Logo, a paixão virou namoro e gerou uma família: o casal engravidou daquela que seria sua única filha.

Ao mesmo tempo, Rosana se descobriu cantora ao entrar para uma banda que virou um sucesso explosivo não só em Curitiba, mas também fora daqui: a Denorex 80 brincava com o clima alegre e levemente excêntrico dos tempos da adolescência da atriz.

Assim, o casamento (o segundo de Rosana), a filha e a banda mudaram tudo. Os convites infinitos para tocar geraram uma renda que, como atriz, Rosana nunca tinha visto. Além de tudo, Damaceno tinha uma casa dos sonhos. Até hoje o trio mora ali, cercado de árvores e com um benefício adicional: uma sala de ensaios que permite inclusive a encenação de peças com um pequeno público dentro do terreno.

A dupla

Ali, nascia também a colaboração profissional do casal. Na época, Damaceno era recém-formado e tinha talento como dramaturgo. Também por isso, ele passou a dirigir as atuações da namorada-esposa-parceira.

Ao longo do tempo, o nome Companhia Damaceno foi ganhando a cidade com produções centradas no talento de Rosana e numa direção cada vez mais segura de Marcos. (Só recentemente a justiça foi feita e a companhia passou a se chamar Stavis-Damaceno).

A hora e a vez

Agora, a segunda vida de Rosana chega à maioridade. Saindo da pandemia, a atriz celebra os 18 anos da companhia no Festival de Curitiba em grande estilo. Na última segunda (28), sua banda, a Denorex 80, ensaiou um retorno com músicas novas na abertura do Festival. Além disso, ao longo do evento, ela e o marido farão duas apresentações importantes.

Rosana Stavis vai do humor da banda Denorex 80 ao intimismo da peça “Psicose 4h48”. (Foto: Maringas Maciel/Divulgação)

A primeira vida

Rosana nasceu em São Mateus do Sul. Ela veio a Curitiba para estudar – não Artes Cênicas e sim Veterinária. Porém, a carreira de médica de animais não foi para frente. No fim, a menina acabou entrando na Prefeitura para dar aulas para a criançada.

“Um dia desses, uma amiga brincou que, se eu tivesse continuado como professora, estaria aposentada”, diz em entrevista ao Plural. “Mas não troco o que eu faço hoje por uma aposentadoria, de jeito nenhum.”

A carreira no teatro começou cedo. Rapidamente, a garota chamou atenção. Já na primeira peça levou um troféu de revelação. Aliás, prêmios seriam uma constante na carreira. Só o Gralha Azul, o mais prestigiado do teatro local, ela ganhou seis vezes. Mais do que isso, ela conquistou os principais diretores da cidade, que lhe convidavam para tudo.

Nessa balada, Rosana acabou participando de peças foram marcos na história do teatro local. Por exemplo, “Nova York”, de Will Eisner, assinada pelo jovem Edson Bueno. A adaptação dos quadrinhos americanos teve um público inusitado para um espetáculo local.

Com outro diretor de destaque da sua geração, Marcelo Marchioro, fez um Brecht, a “Ópera dos Três Vinténs”. Além de tudo, Rosana contracenou com o grande Paulo Autran (1922–2007) em “A Vida de Galileu”, também de Brecht.

Nessa mesma época, ela se casou pela primeira vez – com um ator importante do teatro curitibano, Mário Schoemberger. Estava tudo indo bem. Mas a virada estava próxima.

No Festival de 2022, Stavis apresenta “Aracy – A voz de Noel” e “A aforista”. (Foto: Maringas Maciel/Divulgação)

A segunda vida

Depois do fim do casamento com Schoemberger, foi numa festa de Márcio Mattana que ela conheceu Damaceno. Ela não tinha como saber, mas seria esse novo relacionamento que a manteria no teatro.

Rosana conta que, por um período, quando a Denorex 80 decolou, pensou em largar o teatro de vez. A vida de cantora era ótima, dava muito mais dinheiro e os shows não podiam ser mais divertidos.

Mas Damaceno e ela começaram a fazer planos juntos e logo nasceriam espetáculos que poriam Rosana de novo em climas bem mais introspectivos. Um sucesso da companhia veio com “Psicose 4h48”, escrito pela dramaturga Sarah Kane. Trata-se de um texto difícil, exigente, de uma autora que fala sobre depressão e que acabou cometendo suicídio. Sozinha no palco, Rosana fez mais de 300 apresentações.

Os textos do marido começaram a ganhar corpo também. Como “Árvores Abatidas” e “Homem ao Vento” (que levou o Shell de dramaturgia em 2019). Esses dois trabalhos colocaram Damaceno no rol de melhores autores de teatro de sua geração.

Fora de Curitiba, Rosana Stavis acabou se tornando objeto do desejo de Gabriel Vilella, do Grupo Galpão, que “rouba” a curitibana para suas peças com frequência.

Dois espetáculos

O trabalho da Stavis-Damaceno que estará no Festival deste ano ainda nem está pronto. “A Aforista”, escrito por Marcos para um monólogo da esposa, tem também dois pianistas no palco. A ideia é reproduzir o clima do romance “O Náufrago”, do austríaco Thomas Bernhard. (Esse livro de Bernhard ganhou uma adaptação homônima que seria apresentada no Festival, mas teve de ser cancelada.)

No romance, um pianista perde toda a sua autoconfiança ao esbarrar por acaso em um músico muito superior, o canadense Glenn Gould. Na peça, os dois pianistas, que estão em cena, vivem uma situação semelhante. Como narradora, Stavis expõe por meio de seus aforismos a história dos dois.

“A Aforista” será exibida em processo de criação, e representa um prato cheio para quem gosta de acompanhar o trabalho de grandes atores. Mas será possível ver Rosana também em um papel bem diferente.

E esse papel está em “Aracy – A voz de Noel”. A biografia de Aracy de Almeida é o primeiro projeto da Companhia depois de dois anos de pandemia. O espetáculo une a atriz e a cantora que existem em Rosana, uma artista capaz de fazer tudo tão bem que nem em duas vidas consegue esgotar todo o seu talento.

Festival de Curitiba

Ingressos e outras informações sobre “A aforista”, aqui.

E, sobre “Aracy – A voz de Noel”, aqui.

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