Paulo Venturelli põe à prova livro escrito há três décadas

"O navio e o grande segredo" mira o público infantojuvenil e não entrega nada "mastigadinho"

Paulo Venturelli, um curitibano de Brusque (SC), acaba de lançar “O navio e o grande segredo” pela editora InVerso. Ele afirma ter guardado o manuscrito por 30 anos e considerar esse livro o seu predileto.

A obra infantojuvenil tem ilustrações de Carla Linhares e uma narrativa lírica, com elementos surrealistas e um clima nonsense, que busca provocar o leitor e tirá-lo de sua zona de conforto.

O escritor e professor aposentado considera-se um leitor compulsivo: lê de três a cinco livros por semana. Tem uma biblioteca enorme, o único bem que buscou na vida. Escreve pela manhã. À tarde, estuda e lê. Nesse ritmo, encontrou um equilíbrio muito bom para viver com intensidade. Torce para o Atlético Paranaense e tem uns 25 livros publicados. Buscou e busca dedicar sua vida à literatura.

Venturelli não gosta da literatura infantil que entrega tudo “mastigadinho”. Na entrevista a seguir, ele fala sobre o impacto que pode ter sobre seus leitores.

Quantas interpretações você espera para esse navio que aparece no céu pela janela do leitor?

Eu acho que é um texto extremamente complexo, porque além do navio estar no céu, o narrador coloca o navio dentro do próprio pulmão. E aí acontecem todos os fatos relativos ao navio, ao pirata, ao marinheiro. O marinheiro mergulha no mar, se encontra com a sereia. E todos esses universos são extremamente fora da lógica cartesiana, da lógica aristotélica. Eu acho que é um texto que precisa de muita mediação para o aluno perceber essa questão do não sentido real. Esse é um texto especialmente ficcional. Isso pode acontecer na ficção, não pode acontecer na realidade. Então, uma criança, um adolescente e até um adulto que pegar um texto desse vai ter que se esforçar muito para tirar daí uma lógica interna ao texto, por não poder fazer paralelo com a realidade, porque na verdade o texto é meio surrealista. Tem esse clima exatamente para instigar o leitor a sair da sua comodidade, a sair da sua leitura comum, porque até a leitura comum tem que ser alterada, porque não dá para ler linearmente o texto porque ele não é linear. E acaba naquele mistério de uma caixa dentro de outra caixa, de outra caixa, de outra caixa, quer dizer tudo isso é provocação para o leitor. O leitor vai ter que dançar miudinho para conseguir extrair o sentido dele desse texto. Nem imagino o que a criançada vai pensar disso, ou os jovens, e os próprios adultos. Porque a minha própria esposa quando leu falou: como um navio no céu? E eu falei: bom, se vire.

Então, se ao terminar o livro o leitor não chegar a conclusão alguma, está tudo bem, também?

Talvez com as ilustrações a criança tenha um suporte para fazer outro entendimento que eu nem imagino. A criança, na verdade tem uma imaginação muito fértil. Quando você lê uma história para elas ou quando elas assistem um filme, elas navegam pelo céu como este navio está navegando. Pode ser que esse navio no céu, esse pirata, esse papagaio, essa macarronada, tudo isso provoque na criança um tipo de invento que eu não imagine.

Paulo Venturelli autografa exemplares de “O navio e o grande segredo”, em lançamento na Livraria da Vila, no último dia 19.

Como você acha que uma criança que esteja acostumada a ler os clássicos infantis, os contos de fadas, vai reagir ao se deparar com esse texto?

Eu acho que ela vai ter um estranhamento muito grande. Se está acostumada com aquela literatura que é uma papinha, que ela não precisa pensar, que está tudo dado, ela vai estranhar. E eu quero esse estranhamento, porque eu não gosto dessa literatura, que na verdade não é literatura, é papinha literária, que despreza a inteligência da criança. Uma literatura que infantiliza a criança. Eu acredito hoje em dia, e talvez até por isso eu resolvi publicar, que as crianças hoje em dia são muito espertas. Eu acho que as crianças de hoje em dia são muito rápidas, estão sempre lidando com computador, com os blogs, com os blogueiros. Semana passada eu fui em uma escola falar sobre um outro livro e a maioria das crianças queria ser blogueira. É um outro tipo de criança. Elas estão inteligentes. Então eu acho que um texto como esse desafia esse tipo de inteligência e é isso que eu quero.

Qual a importância provocar a criança a pensar fora do tradicional?

Acho que é fundamental. Hoje em dia tudo é autoritário, a relação com o corpo, sexualidade, religião, tudo. Não tem espaço para se pensar. Tudo vem mastigadinho, seja na própria literatura, seja na novela, seja nos filmes. Então, eu acho que a função de um livro é provocar no leitor a arte do pensamento. Porque, na minha concepção o que há de mais importante no ser humano é a própria imaginação. E a imaginação, hoje em dia, no ocidente inteiro está sendo muito colonizada, seja pelas polarizações políticas, seja por polarização religiosa, sexual, de gênero… acho que está tudo muito preto no branco e o ser humano não é assim, é mais cheio de nuances, contradições e mais cheio de conflitos, e esse texto traz isso. A minha função como escritor é não entregar nada de bandeja.

Serviço

“O navio e o grande segredo”, de Paulo Venturelli. Ilustrações de Carla Linhares. InVerso, 32 páginas, R$ 50.

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