“O Povo de Lula” olha para histórias peculiares ao fazer um retrato de vários Brasis 

Em entrevista, o autor do livro em parceria com Leandro Taques, José Carlos Fernandes fala de relatos emocionantes e momentos simbólicos na posse do Presidente da República; o lançamento da publicação em Curitiba é em 31 de outubro

O livro de fotorreportagem “O Povo de Lula”, assinado por Leandro Taques e José Carlos Fernandes, entra em fase de lançamento. O evento em Curitiba é nesta terça-feira, dia 31 de outubro, a partir das 19h, no Bek´s Bar. A obra traz o olhar da dupla sobre histórias de pessoas que foram até Brasília para a posse do Presidente da República, no dia 1º de janeiro, em páginas que mostram a importância do novo momento do Brasil. 

Não é o primeiro encontro dos autores, a dupla trabalhou anteriormente em “San Lázaro Babalu Ayé” (2015), sobre manifestações de fé e devoção em Cuba, e manteve a dinâmica para o novo livro. Novamente os textos são de Fernandes e as fotos foram feitas por Taques. Veio do fotógrafo o convite para o jornalista e professor Zeca (apelido carinhoso pelo qual Fernandes é conhecido) escrever sobre os dias anteriores e também sobre o momento da entrega da faixa presidencial por representantes do povo brasileiro. Taques tem ligações com o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e propôs a imersão nas caravanas vindas de diversas partes do país para o evento histórico.

Ao Plural, Zeca falou sobre o exercício da escuta durante os encontros emocionantes vividos ali e sobre a observação de instantes simbólicos que revelaram os “muitos brasis” representados por Lula. Confira a entrevista a seguir.

Quando e como foi a imersão que deu origem ao livro “O Povo de Lula”?

Eu cheguei em Brasília no dia 26 de dezembro e fiquei até dia 2 de janeiro; o Leandro deve ter chegado mais ou menos na mesma data. E a nossa ideia era mostrar as chegadas das caravanas desde o início, com aquelas observações típicas desse tipo de jornalismo, quais eram as placas dos ônibus, de onde vinham, e como era a maneira que as pessoas se instalavam dentro do Mané Garrincha.

O impressionante foi o grau de organização do MST. Não se trata de gostar ou não gostar, mas eles são realmente uma escola de organização excepcional, é incrível. Eles estavam no subsolo do estádio, bem lá embaixo, e era como uma cidade acampada, com cerca de seis mil pessoas, bem organizada para tudo, banhos, refeições, parte cultural com shows. Aquilo foi uma escola. Eu ía pela manhã e saía à noite, acompanhando como eles estabeleciam as conexões, como os grupos se conheciam, e escutava as histórias mais variadas de jovens, crianças, idosos, gente que há muito tempo acompanha o Lula. Ouvia tudo no cotidiano dali, sentando com o gaúcho que veio com uma cadeirinha de praia para tomar um chimarrão, deixando a coisa fluir. Foi mais ou menos assim.

Você tem uma longa carreira no jornalismo, viveu e assistiu a momentos importantes e críticos de nossa história. Como foi essa experiência em particular? 

Eu adorei a experiência. O povo estava reunido e havia toda uma expectativa criada pelo que vivemos nos últimos anos, antes da eleição do Lula, então, quando o Leandro me convidou, eu nem pensei duas vezes:  “Vamos lá, vamos ouvir essas pessoas.” 

Lógico, muitas histórias se repetiam, eram parecidas, mas muitas também não. As histórias não eram focadas só em uma crença, uma adesão ao projeto político do PT e do Lula, mas eram, sobretudo, de luta por habitação. Foi muito intenso ver mulheres de 60, 70 anos, que nunca tiveram uma casa na vida, e são alfabetizadas sobre o ser político, sobre seus direitos e a cidadania quando conhecem o MST. Elas e outras pessoas. Isso foi a tônica da maioria das conversas, pessoas que se tornaram conscientes, alfabetizadas politicamente, e que contavam suas histórias, inclusive, de rupturas familiares no momento em que aderem ao MST ou a qualquer outro movimento circular. Não são só dramas, tem muitas histórias de alegria, de viver em comunidades, de viver da terra, de ter essa reconexão. É um encontro com o Brasil profundo mesmo.

Como foi contar em uma fotorreportagem a história de um momento tão singular em nosso país?

A gente teve que se dividir, porque, se as fotos fossem uma ilustração do texto, não daria certo. Cada um foi tomando o seu rumo dentro do acampamento, ao longo da posse e no dia seguinte. O Leandro precisava ter o consentimento para as fotos e encontrou os personagens dele, com tudo aquilo que queria captar daquela alegria, dos momentos do forró, da reza, de quando os indígenas interferiam na rotina com músicas e danças. Isso era muito interessante, toda a biodiversidade ali. E eu precisava de pessoas dispostas a contar suas histórias e descobri os meus personagens. Tinha gente com doutorado, grupos mais ligados às questões identitárias, queria essas muitas camadas para mostrar que havia muitos brasis ali. Daí, encontrei os meus caminhos para o texto e o Leandro encontrou os caminhos dele para a edição das fotos. Eu acho que a gente conseguiu em “O Povo de Lula”, de alguma maneira, mostrar que aquelas pessoas todas se espelham e se representam.

Qual a importância da publicação?

Foi um dia muito importante para o Brasil e a gente não imaginava o que aconteceria uma semana depois, no dia 8 de janeiro, mas se via muita esperança lá. A hora que aquelas 35 mil pessoas, que conseguiram entrar na Esplanada, disseram “boa tarde, presidente”, para o Lula, foi muito simbólico. Era a voz de um desejo nacional, pelo menos de uma parcela muito grande da população brasileira, que não engoliu o discurso do golpe, que entendeu tudo o que estava acontecendo, que estava saudando um brasileiro que nos apresenta saídas cidadãs e democráticas para a condução do nosso país. Acredito que foi um dia para a história, mas a gente sabe também que é uma luta que não acabou, tem muita coisa para reconstruir depois de quatro anos de desmanche.

Quais histórias são contadas nas páginas de “O Povo de Lula”? 

Eu atrasei bastante a edição até encontrar o tom que queria, não quer dizer que ele esteja bom ou não, mas é que dentro do acampamento eram muitas histórias de vida, de luta por habitação, direitos violados, organização dentro do MST. No dia da posse, a gente começou a entrar por volta de 8h30 e fomos embora no final da tarde. Não tinha nem como sair para comprar nada. Foi um negócio, não tinha água, estava um calor insuportável, fazia muito sol, mas choveu muito nos dias anteriores, e no acampamento era bastante complicado a lama e a umidade.

Na verdade, o meu desejo como repórter era captar a temperatura emocional, mostrar que a temperatura real era de 39, 40 graus, com gente que desmaiava porque tinha ‘festado’ muito ou por causa de insolação, mas que ali [na posse] tinha muito mais alegria, intensidade e formas de emoção do que no acampamento. Pequenas redes de solidariedade se formavam ali. É lógico que coloquei a vista do meu ponto, de lugares onde eu consegui circular com as pessoas com quem consegui conversar no dia da posse. Digamos que se uma temperatura era fria e a outra era quente, a posse foi a quente. Não dava para parar e fazer perguntas intensas, era captar o clima, dar risada, dançar.

Uma coisa curiosa foi o encontro com duas professoras de Mariana, em Minas Gerais. Elas estavam despreparadas, porque, como todo mundo, achavam que não poderiam entrar com água, com nada, e que lá haveria barraquinhas [para venda de alimentos], assim apenas tinham barrinhas de cereal na bolsa e sombrinha, dessas da China. Pois dividiram aquela pouquíssima sombra do guarda-chuvinha, a barrinha de cereal, os copinhos de água, comigo e com outras pessoas o tempo inteiro. O que aconteceu naquele micro, micro, microespaço, também aconteceu em outros lugares. Outra coisa marcante, foi um grupo de jovens recifenses que distraíram centenas desanimadas pelo calor, e as pequenas narrativas, que passavam pelo ouvido da gente, como a da mulher que tinha rompido com o marido aquela manhã para ir para o evento, de outra que o Lula pagou a escola da filha.

E episódios bem curiosos. O que abre o livro e o de quando um rapaz desmaiou e alguém começou a gritar “um médico, um médico, por favor”, e um moço negro se ajoelhou e tirou o pulso do rapaz; uma moça gritou com ele, “pô, meu, ele precisa de um médico, porra, você não é médico”. A coisa está tão introjetada que ela não reconheceu que aquele moço negro poderia ser um médico, e não tinha nada mais simbólico na construção do Lula no poder do que a possibilidade de você encontrar um médico negro. Todo mundo quantas vezes na vida encontrou um médico negro, talvez nunca. Aí a namorada do negro gritou “porra, ele é médico”. Aquilo ecoou e mostrou o começo da história de quem eram aquelas pessoas que estavam lá, de muitas naturezas, muitas identidades, mas, sobretudo, pessoas que fizeram uma mudança na pirâmide econômica e cultural brasileira, dos anos 2000 para cá.

O que é o livro para você?

É a tentativa de fazer o retrato de alguns dias da vida brasileira, com pessoas que são um Brasil que talvez a gente não veja, principalmente na parte das caravanas, o país que vive da terra, da zona rural, da agricultura familiar, em periferias urbanas. Mas também havia outros ‘Brasis’ lá, bem interessantes, de jovens, de adultos, da população LGBT, idosos. O livro foi uma alegria.

Lançamento do livro “O povo de Lula”, de Leandro Taques e José Carlos Fernandes

Terça-feira, dia 31 de outubro, às 19h, no Bek’s Bar (R. Brasílio Itiberê, 3645 – Água Verde). Exemplares à venda por R$ 65, no local.

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