Olhar de Cinema: filme mostra ritual xamânico Yanomami pela perspectiva feminina

Curta-metragem foi dirigido por indígenas da Terra Indígena Yanomami e exibido pelo Olhar de Cinema 2023

“Quando os não indígenas querem fazer os filmes, eles não contam bem. Quando os próprios Yanomamis fazem, nós contamos direito. Nós estamos sofrendo muito, precisamos falar. Por isso estamos fazendo esse curta, pelos próprios Yanomamis”, diz o cineasta Edmar Tokorino Yanomami. Ele, junto de Aida Harika e Roseane Yariana, dirigiu, roteirizou e montou o curta-metragem “Thuë pihi kuuwi – Uma Mulher Pensando”, exibido na 12ª edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba. 

Edmar é xamã (líder espiritual) da aldeia de Watorikɨ, na região do Demini, na Terra Indígena Yanomami, localizada entre os estados de Roraima e Amazonas. E ele veio a Curitiba para apresentar seu filme no Olhar de Cinema e concedeu uma entrevista exclusiva ao Plural. Desde 2021, ele faz parte do coletivo de comunicadores Yanomami criado pela Hutukara Associação Yanomami (HAY) com apoio do Instituto Socioambiental (ISA).

O cineasta Edmar Tokorino Yanomami. (Foto: Tami Taketani/Plural)

Olhar de Cinema

Segundo Edmar, a ideia da produção é mostrar, a partir do olhar de uma mulher, o preparo da yãkoana, pó utilizado durante um ritual xamânico para se comunicar com os espíritos ancestrais do povo Yanomami.

Ao longo do filme, a mulher Yanomami observa e questiona o passo a passo da confecção do pó pelo xamã. Ela reflete sobre como seria sua própria experiência ao inalar yãkoana, uma vez que mulheres normalmente não utilizam o pó. “Não é qualquer pessoa que usa a yãkoana. Quem é pajé usa. Às vezes a mulher pode ser pajé também, mas ela não usa yãkoana“, diz Edmar. 

Yãkoana

O processo de preparo da yãkoana é difícil, conforme Edmar. O pó é obtido a partir da resina da casca da árvore yãkoana hi (um gênero florestal de porte médio da família das moscadeiras) que são expostas ao fogo. O calor derrete a parte interna da casca, transformando-a em um líquido vermelho escuro, que é em seguida raspado, seco e pulverizado. O pó é administrado pelo xamã, que o inala.

Cena do curta em que o xamã Yanomami produz a yãkoana, já em pó. Foto: Roseane Yariana

A planta, que possui propriedades psicotrópicas, é essencial para os Yanomami pois é a partir dela que os xamãs se comunicam com os espíritos (chamados de xapiri pë). Eles, por sua vez, ajudam o povo Yanomami a curar e cuidar da terra-floresta e de todas as populações, humanas e não humanas, que a habitam. 

Thuë pihi kuuwi – Uma Mulher Pensando

O filme integra uma produção cinematográfica Yanomami composta por outros dois curtas-metragens: “Yuri u xëatima thë – A Pesca com Timbó” e “Mãri hi – A árvore dos sonhos”. Os registros foram feitos junto à produtora Aruac Filmes durante a produção do longa-metragem “A Queda do Céu”, filme inspirado na obra homônima de Davi Kopenawa e Bruce Albert, e dirigido por Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha. Em 2022, a Aruac organizou junto à HAY e ao ISA uma oficina de montagem audiovisual que possibilitou a produção dos três curtas.

“Thuë pihi kuuwi – Uma Mulher Pensando” teve sua estreia nacional na 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes e foi exibido no Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba. A produção ainda passará pela Mostra de Cinema Nórdico (entre 21 de junho e 2 de julho), em Brasília, e pelo Festival Ecrã, no Rio de Janeiro (entre 29 de junho e 9 de julho). O curta também ficará disponível até o dia 4 de julho no streaming do Itaú Cultural

A produção é uma das obras que integra a exposição apresentada pela Fundação Cartier “Claudia Andujar – The Yanomami Struggle” no museu The Shed, em Nova York, até 16 de abril deste ano. 

Terra Indígena Yanomami

Pelo menos desde 1920 as comunidades que vivem na Terra Indígena Yanomami sofrem com a interferência de não indígenas na região, principalmente por causa do garimpo ilegal, que aumentou os índices de violência, degradação ambiental e doenças entre os povos da floresta.

Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o cenário se agravou significativamente pela desestruturação de órgãos de fiscalização e de saúde e pelo desmonte de políticas públicas ambientais e indigenistas, associados à gestão da pandemia de covid-19.

A crise humanitária dos yanomamis foi noticiada pela imprensa nacional, sobretudo por Sumaúma, que, em 20 de janeiro de 2023, divulgou que 570 crianças de até cinco anos morreram de doenças evitáveis, entre 2019 e 2022, na terra indígena. Elas foram mortas principalmente pela contaminação por mercúrio, desnutrição e fome. 

Leia mais: Entenda a crise humanitária na Terra Indígena Yanomami

“Esse genocídio foi o governo de Jair Bolsonaro que deixou [acontecer], foi ele que deu esse veneno para o povo Yanomami. Prejudicou muito a nossa saúde, a nossa vida e o nosso direito. Por isso eu estou ficando muito preocupado. Por dentro, eu estou chorando. Todas as comunidades indígenas estão pedindo muito socorro ainda hoje”, diz.

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