Filme para ouvir: podcast Projeto Humanos ganha o país

Podcast curitibano sobre o Caso Evandro se torna um dos mais ouvidos do país. Veja entrevista com seu autor, Ivan Mizanzuk

O homem é um deus que caga. A frase do filósofo norte americano Ernest Becker sintetiza a escolha do nome para o Projeto Humanos, um podcast de Ivan Mizanzuk, professor de design, arquitetura e jornalismo da PUCPR.

“O ser humano tem plena convicção que vai morrer e isso deixa ele desesperado. Então a gente está sempre buscando desculpas pra dar algum sentido para a vida que tem aqui. Isso pra mim é humano, buscar dar sentido às coisas e se frustrar a todo momento por não conseguir”, explica o professor universitário e podcaster.

O Projeto Humanos é o segundo programa de Ivan, que trabalha há oito anos com podcasts. Um diferencial no Brasil, onde a maioria dos programas produzidos não “se mantêm regulares por mais de um ano”, segundo o livro Reflexões sobre o Podcast, organizado em 2014, por Lucio Luiz.

Foram vários anos ouvindo podcasts, principalmente os produzidos fora do país, já que o formato não era nada conhecido por aqui.

“O gostoso do podcast é que chega uma hora em que inevitavelmente você vai querer fazer um. A gente brinca que o Podcast é o novo ’vamos formar uma banda’”, conta Ivan, dando risada.

Surgia, em 2011, o Anticast, “um dos Podcasts de política mais relevantes do país”, avalia.

“Me reuni com alguns amigos, todos designers. Eu tinha acabado de entrar no doutorado de design, já era professor de design na época. No início era pra falar de design, mas a gente gostava de fazer uma coisa mais crítica, de sociedade, cultura e tal. Mas depois de 2013, das manifestações de junho, todo mundo começou a falar de política, entender de política e eu disse ok, vamos falar de política.”

Os programas são semanais e costumam ter entre 35 mil e 50 mil downloads, mas alguns episódios já chegaram a 100 mil downloads. Essa mensuração de números de acessos e, consequentemente, da disseminação de um podcast é difícil de ser feita, como explica Ivan. Os números apresentados por ele têm base nas informações a que ele tem acesso pelo próprio servidor. Mas ainda existem outras maneiras de se ouvir o podcast e esses acessos ficam fora da conta.

Filme para ouvir

Indo na contramão do que tem sido produzido no Brasil em termos de podcast, programas mais livres, com base no bate-papo e sem edição, Ivan lança, em 2015, o Projeto Humanos. Um podcast de storytelling, ou um “filme que você ouve”, como explica. O formato, produzido, editado, com linhas narrativas, conflitos, personagens e que proporciona envolvimento ao ouvinte, é bastante popular nos Estados Unidos.

“Uma coisa que é muito importante em podcast de storytelling é você ter a noção de que você quer construir uma história em que a pessoa está chegando em casa, ela estaciona o carro, faltam cinco minutos pra terminar a história e ela vai ficar no escuro, no estacionamento, ouvindo, porque ela quer ver até onde aquilo vai.”

A quarta temporada do Projeto Humanos estreou no fim de 2018 e está no sexto episódio. Essa é a série mais ouvida nos quase quatro anos do projeto. Os programas, que têm em média uma hora de duração, contam em riqueza de detalhes uma das histórias criminais mais emblemáticas do Paraná e que ganhou grande repercussão no Brasil: o caso Evandro.

“Nas três séries anteriores, eu tinha uma média de 30 mil downloads por episódio. No Caso Evandro, esse número passa dos 50 mil. E isso com informações só do meu servidor. Eu não posso afirmar que o Caso Evandro esteja entre os três mais ouvidos do Brasil, mas com certeza está entre os 10 mais”, afirma.

Você conhece o caso Evandro?

É muito provável que sim. Mas não com esse nome. O caso ficou popularmente conhecido como “as bruxas de Guaratuba”.

O começo dos anos 90 foi marcado por um grande número de desaparecimento de crianças no Paraná. Em 1992, até abril, foram sete crianças desaparecidas.

Ivan era criança nesta época e lembra de ver cartazes com o rosto de crianças desaparecidas pelos estabelecimentos da cidade. Lembra também do terrorismo que seu pai fazia em cima dos casos e de sentir medo e fascínio pelas histórias. “O que acontecia com essas crianças?”.

Em 2002, um desses casos de crianças que haviam desaparecido volta à cabeça de Ivan, que sente o mesmo fascínio infantil.

“Eu estava em Guaratuba com alguns amigos, andando numa rua, quando uma amiga comentou que em uma daquelas casas moravam as bruxas de Guaratuba. Que era ali que elas matavam crianças e enterravam os corpos embaixo da casa. Então era isso, teve bruxas em Guaratuba, sacrificando crianças e enterrando corpos. Que maluquice”, relembra.

Em 2015 Ivan começou a pesquisar de fato sobre a história que sempre soube que contaria. “Eu vou no palpite e sempre achei que essa era uma boa história de ser contada. E o que me impressiona é como os discursos constroem a realidade. Pra mim era uma realidade tácita e eu queria saber o que aconteceu de fato.”

Ivan preferiu não chamar a temporada pelo nome que está marcado no consciente coletivo – As Bruxas de Guaratuba. Escolheu não partir da afirmação de que as acusadas eram realmente responsáveis pela morte do menino e por isso escolheu O Caso Evandro.

Foram três anos de pesquisa intensa. Intensa no sentido literal da palavra, “que tem muita tensão, ativo, enérgico, veemente”, segundo o dicionário Aurélio. “O que eu faço é pesquisa científica”, brinca.

O processo do caso Evandro, que acabou envolvendo o desaparecimento de outras crianças, denúncia de tortura, erros da polícia e brigas políticas, se arrastou por 26 anos. Foram 20 mil páginas de processo, além de várias fitas cassete e um julgamento que ficou marcado como o mais longo do Brasil – 34 dias. Ivan leu e assistiu a tudo. E entrevistou e conversou com muita gente. “Até o fim, teremos uns 150 personagens”, detalha.

“E a pesquisa continua. A cada novo episódio, surgem mais detalhes, mais informações. Mas já há um fim delimitado, serão 23, 24 no total.  Será uma série longa e lá pelo 17º episódio pode ser que as pessoas comecem a ficar cansadas. Mas eu faço um apelo para que todos ouçam até o fim, há ainda informações reveladoras que vão influenciar no julgamento de cada um”, apela Ivan.

A próxima temporada está marcada para ir ao ar em fevereiro.

O Projeto Humanos, e, especialmente o Caso Evandro, tem sido muito elogiado nas redes sociais e gerado bastante engajamento. “As pessoas falam no meu trabalho jornalístico e eu nem sou jornalista de formação”, conta Ivan que recentemente tirou a credencial de jornalista.

Seja um trabalho jornalístico ou não, o Caso Evandro deixa os episódios de CSI no chinelo e é uma excelente aula de história sobre a situação política do Brasil, e muito especialmente do Paraná, na década de 1990.

Tudo isso, costurado por uma narrativa tão bem construída que faz o ouvinte esperar dentro do carro, na garagem ou até em outro lugar, estarrecido, ávido por entender as barbaridades decorrentes dessa busca humana pela condição de ser um pouco deus, um deus do jeitinho que Ernest Becker preconizou.

Para ouvir o Caso Evandro e conhecer mais sobre o Projeto Humanos, clique aqui. Para o Anticast, clique aqui.

Vídeos de Fernando Cavazotti Coelho.

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