“A vida e a época de Frederick Douglass” fala sobre grande abolicionista dos EUA

Com tradução de Rogerio Galindo, edição inclui textos célebres e inéditos da filósofa Angela Davis

“A vida e a época de Frederick Douglass” é uma das três autobiografias escritas pelo intelectual abolicionista Frederick Douglass (1818–1895). Do ponto de vista cronológico, é a última, publicada em 1893. O livro foi tema das “Palestras sobre libertação”, que a filósofa Angela Davis ministrou em 1969 na Universidade da Califórnia.

Com tradução de Rogerio Galindo, um dos fundadores do Plural,  a nova edição de “A vida e a época de Frederick Douglass” sai no Brasil editora Carambaia. A edição inclui os textos célebres (e inéditos) de Angela Davis. Além de um posfácio de Luciana da Cruz Brito, historiadora e professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

Abolicionista

Douglass, que conheceu a vida no cativeiro e a condição de liberto e semiliberto, foi – por suas atividades de orador, escritor e editor – um dos maiores líderes abolicionistas e figura importante nos bastidores da política dos Estados Unidos. E isso enquanto o escravagismo ainda vigorava no país –mesmo depois do fim da Guerra de Secessão (1861–1865).

Várias passagens das memórias de Douglass se tornaram clássicos literários, como a luta física contra um “domador de escravos”. O autor também é famoso por ter sido o americano mais fotografado do século XIX, em imagens que tinham a intenção deliberada de se opor aos estereótipos afro-americanos da época.

“Não haveria texto melhor para começar do que a autobiografia de Frederick Douglass”, escreve Davis na introdução do livro. A partir dela, “os estudantes seguiriam uma trajetória do cativeiro à liberdade, o que os ajudaria a compreender melhor a natureza da liberdade nos termos em que ela foi forjada por aqueles que tinham mais a perder na luta pela libertação.” E, na autobiografia, Douglass teve o propósito claro de contrapor-se à versão oficial da história. “Meu papel foi contar a história do escravo. Para a história do senhor nunca faltaram narradores.”

Fuga

Diferentemente das anteriores, a versão final da autobiografia de Douglass é a única que inclui não apenas os detalhes de sua fuga do cativeiro, mas também o período da Guerra da Secessão (1861–1865) e o pós-abolição nos Estados Unidos, quando o autor registra a permanência do produto mais nefasto da escravidão: o preconceito racial, como analisa Cruz Brito no posfácio.

A historiadora aponta como Douglass, corajosamente, denunciou o exército da União por perseguir ferozmente homens e mulheres negras do Sul que aproveitavam o momento para fugir da escravidão. Isso não o impediu de trabalhar como conselheiro do presidente Abraham Lincoln (1809–1865), tendo um papel crucial em convencê-lo a armar pessoas escravizadas e priorizar a abolição entre os objetivos do conflito.

Durante a reconstrução, Douglass se tornou o funcionário negro mais graduado do governo Lincoln e, nos últimos anos de vida, assumiu postos diplomáticos, representando os EUA no exterior.

Testemunha

Essa percepção das contradições daquele momento histórico torna evidente que Douglass foi muito mais do que uma testemunha dos horrores infligidos aos escravizados – o que já seria suficiente para tornar seus livros os clássicos inestimáveis que são. Ele também foi capaz de analisar profundamente o sistema escravocrata, numa perspectiva que vai além das percepções dos abolicionistas de seu tempo.

Um exemplo é a ideia de que “o dono do escravo, tanto quanto o escravo, era vítima do sistema escravagista”. Não por alguma suposição ingênua de que os escravocratas não tinham consciência do sistema do qual se beneficiavam, mas porque, nesse sistema, “a razão se vê aprisionada e as razões correm à solta”.

Douglass, que adotou e acatou conscientemente o cristianismo, observa que a contradição entre a escravidão os preceitos religiosos não impediam os comportamentos mais cruéis, misturando “oração e castigo”.

Escravo de nascença

Douglass nasceu escravizado numa fazenda em Maryland, com o nome de Frederick Augustus Washington Bailey. Como era comum, foi separado ainda muito pequeno de sua mãe, passando aos cuidados da avó. O futuro escritor viveu disputando comida e abrigo com outras crianças.

Numa das passagens de suas memórias, a senhora da fazenda começou a alfabetizá-lo. Quando soube o que a esposa estava fazendo, o senhor da fazenda a proibiu de continuar, dizendo que, aos escravizados, “quando se dá a mão, querem o braço”. Douglass, no entanto continuou a se alfabetizar como autodidata.

De fazenda em fazenda, às vezes sendo alugado para outros “proprietários”, Douglass experimentou uma série de crueldades, que culminaram com uma fuga seguida de prisão. Mais tarde, em Baltimore, começou a trabalhar em navios, transferindo parte de seu pagamento para um senhor de escravos. Douglass se envolveu com a comunidade negra da cidade, estreitando relações com Anna Murray, uma mulher negra nascida livre.

Nova York

A relativa liberdade terminou quando ele se recusou a continuar pagando parte de seus proventos e, fuga após fuga, sempre com a ajuda de Anna, chegou a Nova York, onde pôde, por brechas legais, livrar-se da condição de cativo. Em Nova York, tomou contato com o abolicionista negro David Ruggles, que lhe garantiu proteção. Em pouco tempo casou-se com Anna, com quem teria cinco filhos.

Por recomendação de Ruggles, Douglass mudou-se para New Bedford, Massachusetts, onde exerceu várias profissões, recebendo salário pela primeira vez como um homem livre. Por haver muita gente na cidade com o sobrenome Johnson, ele adotou Douglass. Em New Bedford, conheceu o movimento abolicionista e, aos 23 anos, iniciou sua carreira de orador, que o levou a viajar pelo país inteiro.

A primeira

Sua primeira autobiografia, com a qual inaugurou a carreira de escritor, foi publicada em 1845. A segunda, em 1855. Os livros provocaram grande repercussão, especialmente na Europa, mas levaram um de seus ex-senhores a decretar sua volta à escravidão. Douglass viajou para o Reino Unido, onde duas apoiadoras compraram sua liberdade.

Douglass passou a advogar a ideia de que a Constituição americana era o melhor instrumento para a abolição, o que o levou a participar da política institucional, culminando com sua colaboração com Lincoln. Ao fim da Guerra Civil, o Ato de Emancipação libertou milhares de escravos.

Douglass morreu em Cedar Hill aos 76 anos. Sua segunda mulher, Helen Pitts Douglass, criou o Memorial e Associação Histórica Frederick Douglass para preservar seu legado.

Três versões

“A vida e a época de Frederick Douglass” será lançado simultaneamente em três versões: na Edição Numerada, de capa dura, com tiragem limitada a 1.000 exemplares; na Coleção Acervo, selo mais econômico, em brochura; e em e-book. Dez por cento da renda das vendas das três edições da Carambaia serão destinadas à ONG Educafro, que atua na promoção de bolsas de estudos para estudantes negros.

O projeto gráfico da Edição Numerada é de Beatriz Costa e pretende representar alguns dos principais aspectos da vida e obra de Frederick Douglass. As referências visuais foram inspiradas no conceito do afrofuturismo, que aparece nos recortes, nas sobreposições e nas desconstruções tipográficas, bem como nas cores, características da cultura africana. A mesma capa é reproduzida na edição digital e inspira a cinta que envolve a edição da Coleção Acervo.

Livro

“A vida e a época de Frederick Douglass – Escritas por ele mesmo”, de Frederick Douglass. Tradução e posfácio de Rogerio W. Galindo. Apresentação e ensaios de Angela Davis. Posfácio de Luciana da Cruz Brito.

Edição numerada com capa dura e projeto gráfico de Beatriz Costa, 704 páginas, Valor: R$ 209,90.

Edição brochura, parte da Coleção Acervo, com projeto gráfico do Bloco Gráfico, 672 páginas, R$ 69,90.

A versão em e-book custa R$ 48,90.

Sobre o/a autor/a

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