Casa de Passagem Indígena quer fortalecer divulgação da cultura

O objetivo é consolidar o espaço como centro de produção cultural e de debates de políticas públicas para os povos originários

A Casa de Passagem e Cultura Indígena de Curitiba (CPCI) realizou no sábado (27) o “Abril Indígena”, um evento voltado para a divulgação cultural, contando com venda de produtos artísticos e artesanais, livros, apresentações musicais e de dança, comidas típicas, além de uma roda de conversa. O evento contou com a participação de indígenas das etnias kaingang, guarani, xetás, fulni-ô e mehinako, além de não-indígenas que atuam como apoiadores.

O articulador geral Silas Ubirajara Donato de Oliveira destacou o fato de que a CPCI não tem por objetivo apenas acolher os indígenas do interior que vêm comercializar seus artesanatos em Curitiba, mas também de promover e divulgar a cultura e fomentar o debate sobre políticas públicas. Segundo ele, só agora a cidade de Curitiba está começando a dar mais atenção às populações indígenas. Mesmo assim, ainda é preciso ser feito muito mais em prol dos povos originários.

“Na CPCI, fazemos esse trabalho de divulgação não só com indígenas, mas para toda a sociedade civil. É importante para a comunidade saber que não deixamos de lado a nossa cultura, os nossos saberes”, relata. Segundo a coordenadora da CPCI, Ceia Bernardo Kavenhkág, a promoção da cultura na Casa é permanente, através da produção de artesanato, troca de experiências, roda de conversas, realização de eventos envolvendo entidades parceiras, lançamentos de livros. “A cultura tem um papel muito importante para unir as pessoas”, diz ela.

Essas ideias são reforçadas pelo escritor indígena Olívio Jekupe, autor de 30 livros voltados para a divulgação da cultura indígena. Na tarde de sábado, Olívio divulgou alguns de seus livros, entre eles “Conversa de fim de tarde”, lançado em janeiro pela editora Ciranda na Escola, em que traz narrativas para crianças. Segundo Olívio, a literatura é uma ponte para a preservação e o desenvolvimento da cultura indígena – e a Casa de Passagem tem sido um espaço importante para que isso ocorra.

Olívio afirma que é fundamental para os povos indígenas valorizar e gostar de sua própria cultura. Segundo ele, isso não apenas ajuda a educar as crianças dentro da comunidade, incentivando a preservação cultural, mas também permite que elas compartilhem sua cultura com pessoas de fora, promovendo respeito e valorização. Para o escritor, ter uma forte conexão com sua cultura permite que os indígenas usem o conhecimento como uma ferramenta para transformar o Brasil em um país que reconheça e respeite a diversidade em todas as regiões. “E fortalecer o trabalho da Casa de Passagem como um agente de incentivo à produção de cultura é fundamental”.

“A literatura nativa desempenha um papel crucial ao desafiar e transformar a mentalidade dos educadores, capacitando-os a transmitir esse conhecimento às futuras gerações. Os escritores indígenas têm a missão de difundir o conhecimento e promover uma compreensão mais profunda da cultura dos povos indígenas em todo o país”, defende.

Esse trabalho também vem sendo feito em outras áreas da cultura, como o caso das danças indígenas. O grupo integrado por indígenas da etnia fulni-ô, do Vale do Catimbau, no interior de Pernambuco, é um exemplo. Seus integrantes estão fazendo uma série de apresentações em escolas do Paraná, e se apresentaram durante o evento na Casa de Passagem.

Segundo um dos integrantes, Thaka Fulni-ô, a ideia é fazer a apresentação de dança e falar sobre a cultura de seu povo nas escolas, o que tem sido muito importante para melhorar o conhecimento das pessoas sobre os indígenas. “Apesar de tudo, hoje a situação dos indígenas está menos difícil, pois temos algumas vozes que estão ocupando espaços de decisão. No entanto, é preciso se unir aos parentes para preservar a nossa cultura”, afirma Thaka.

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Reconhecimento artístico

Além de literatura e dança, o “Abril Indígena” contou com a exposição de diversos artesãos e artistas. Nome de destaque nacional, Mayawari Mehinako expôs seus trabalhos no evento da Casa de Passagem. Oriundo da aldeia Kaupüna, na Terra Indífena do Xingu, localizada no município de Gaúcha do Norte (MT), ele é artista e designer conhecido principalmente por seus bancos esculpidos em madeira.

Mayawari é professor de educação indígena nos níveis fundamental e médio, e já levou a arte indígena para países como Espanha e Japão, em exposições de arte. Em Curitiba, seus trabalhos foram expostos no Museu Oscar Niemeyer e no Museu Indígena.

Mayawari luta pelo reconhecimento dos indígenas como artistas. “Geralmente as pessoas afirmam que o que os indígenas fazem é artesanato. Na verdade, o que fazemos é arte de alta qualidade. Nós indígenas, morando nas aldeias, queremos somar com a sociedade não indígena, trazendo esse conhecimento tradicional, porque já fomos muito discriminados, expulsos das nossas regiões”, afirma.

Segundo Mayawari, é muito importante que os espaços na sociedade sejam ocupados pelos indígenas. “Através da cultura também a gente quer divulgar a nossa história. Como vocês veem nas bancas aqui da Casa de Passagem, cada povo tem sua cultura”, afirma.

Luta por reconhecimento

O “Abril Indígena” aconteceu logo depois da realização do “Acampamento Terra Livre”, uma grande mobilização que reúne as principais etnias e organizações indígenas em Brasília. Uma das fundadoras da Casa de Passagem, a líder indígena Jovina Renhga, que participou do Terra Livre, reforçou as ideias defendidas por Mayawari. “Cada vez mais temos que nos envolver e ocupar os espaços da sociedade”, diz ela. “Só assim conseguiremos alcançar nossos direitos”.

Para Jovina, os encontros, como o promovido pelo acampamento Terra Livre em Brasília ou mesmo o “Abril Indígena” da Casa de Passagem, têm a função de unir e fortalecer os povos originários. “Espiritualmente foi uma forma de fortalecimento para a gente continuar na luta para melhorar as condições dos indígenas”.

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