“A Morte e a Donzela”, de Ariel Dorfman, ganha uma bela edição pela Carambaia

Clássico do teatro moderno, “A Morte e a Donzela” é um retrato contundente da América Latina logo após o fim das ditaduras militares

“A Morte e a Donzela”, um clássico do teatro moderno escrito pelo chileno Ariel Dorfman, de 79 anos. Trata-se de um dos mais contundentes retratos do momento posterior às ditaduras militares da América Latina. Assim como das feridas abertas por mortes e torturas cometidas pelos mecanismos de repressão.

Dividida em três atos eletrizantes, a peça narra o encontro entre Paulina, que havia sido torturada e repetidamente estuprada na prisão, com um de seus algozes, o médico que acompanhava e participava das sevícias. Entre os dois está o marido, advogado de direitos humanos que acaba de ser nomeado para integrar a comissão governamental de investigação dos crimes da ditadura chilena.

Nova edição

Agora, o texto de Dorfman ganha uma bela edição pela Carambaia, com tradução de Sérgio Molina. Além disso, volume conta com uma introdução de Elie Wiesel – defensor de direitos humanos, sobrevivente do Holocausto e Prêmio Nobel da Paz de 1986 – e um posfácio do próprio Dorfman.

“A Morte e a Donzela” teve diversas montagens em todo o mundo. No Brasil, ela ganhou uma adaptação em 1993 com direção de José Wilker. No ano seguinte, Roman Polanski dirigiu a versão para o cinema com Sigourney Weaver e Ben Kingsley no elenco.

Schubert

Aliás, Dorfman tomou o título “A Morte e a Donzela” emprestado do Quarteto de Cordas nº 14 em Ré Menor de Franz Schubert. Essa é a música favorita do médico, que, numa demonstração de cinismo cruel, gostava de ouvi-la durante as sessões de tortura.

No contexto da peça, a composição retorna no momento do reencontro entre vítima e algoz, de maneira quase fortuita. Enquanto o enredo opera uma engenhosa inversão de papéis e Paulina consegue subjugar o médico.

Pinochet

O pano de fundo é a redemocratização do Chile depois da ditadura de Augusto Pinochet e a tímida reconstrução histórica do período anterior. Naquele momento, após a eleição do presidente civil Patricio Aylwin, em 1990, Pinochet se mantinha no comando das Forças Armadas. E a elite econômica continuava sendo a mesma que havia colaborado com a ditadura.

Portanto, as investigações sobre os abusos contra os direitos humanos se encontravam dentro de limites estreitos. Provavelmente se restringiriam aos mortos pela repressão, deixando de lado os que sobreviveram, com profundas cicatrizes físicas e psicológicas, como as deixadas em Paulina.

Julgamento

Em cena, é essa a discussão entre ela e o marido. Enquanto o médico, numa situação de completa vulnerabilidade, aguarda seu destino nas mãos da antiga vítima. Dessa forma, instala-se um julgamento diante da plateia, levada por Dorfman a se posicionar.

Ainda que o autor, com isso, tenha escolhido, em termos dramáticos, tomar distância estratégica dos acontecimentos, ele descreve no posfácio a reticência com que o espetáculo foi recebido num país politicamente fraturado. Uma reação que só começou a mudar quando a peça se tornou um êxito internacional.

Ariel Dorfman

Ariel Dorfman nasceu em 1942 em Buenos Aires. Quando ainda bebê sua família se mudou para os Estados Unidos e, em 1954, para o Chile. Estudou e depois deu aulas na Universidade do Chile.

Foi assessor cultural do presidente socialista Salvador Allende entre 1970 e 1973, ano do golpe militar que instalou a ditadura pinochetista. Dorfman se exilou nos EUA, onde deu aulas de literatura e estudos latino-americanos na Duke University.

De volta

Retornou ao Chile com a redemocratização, em 1990. “A Morte e a Donzela” foi escrita naquele ano. É a primeira parte de uma trilogia composta ainda pela peça “Leitor”, adaptada de um conto de sua autoria, e o romance “Viúvas”, depois levada ao teatro em parceria com Tony Kushner.

Autor de diversas outras peças, romances e ensaios sobre política e direitos humanos, Dorfman colaborou com organizações como a Anistia Internacional e o Human Rights Watch. Hoje, com sua esposa, divide o tempo entre o Chile e os EUA.

Livro

“A Morte e a Donzela”, de Ariel Dorfman. Posfácio de Elie Wiesel. Tradução de Sérgio Molina. Carambaia, 112 páginas, R$ 69,90 e R$ 48,90 (e-book).

O volume faz parte da coleção “Ilimitada”, voltada para autores que ainda não caíram em domínio público e tem tiragem de acordo com a demanda. A capa da edição da Carambaia é de Fernanda Ficher e reproduz a tela Hedda Gabler, da série Ibsen, da artista plástica Tatiana Blass.

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